O mundo, e tudo que nele existe, foi criado com os "dez pronunciamentos" da Criação. Estes dez atos de criação são chamados "pronunciamentos", pois essa palavra significa uma força externa superficial, comparável à fala humana, que é meramente um poder superficial da pessoa.

A alma de um judeu, no entanto, é "verdadeiramente uma parte do D’us acima". É por este motivo que o Midrash compara a criação da alma à origem do raciocínio, que é um poder elevado e interior, em contraste com a fala: "As almas judaicas se elevam no [Divino] pensamento." Também há diferentes níveis no raciocínio – não há comparação entre pensar sobre alguma coisa de forma geral, e pensar sobre algo que o preocupa diretamente. O último é obviamente muito mais forte e intenso. Assim, as palavras: "As almas judaicas se elevam… no [Divino] pensamento" significam que elas são atraídas a partir do nível mais elevado e mais interior do pensamento do Criador.

É importante assinalar que a diferença entre a alma e o restante da criação não está somente na qualidade da força vital que reside dentro delas, mas também na maneira pela qual a força de vida é absorvida dentro delas, e é sentida por elas. Esta idéia pode ser entendida a partir das diferentes maneiras pelas quais a fala e o raciocínio são utilizados pelo homem. Uma pessoa fala quando deseja comunicar alguma coisa a alguém, ao passo que pensa quando precisa esclarecer algo para si mesmo – quando deseja considerar algum assunto intelectual, ou quer lembrar-se daquilo que já aprendeu, pensa, em vez de falar.

O Eterno, Bendito seja, criou o mundo de tal maneira que a força vital na criação está encoberta, oculta. (Assim, a palavra para "mundo" em hebraico – olám – deriva da palavra he’elam, que significa ocultação). Para enfatizar que o mundo foi criado para parecer como se fosse algo separado e independente de D’us, nossos Sábios escolheram cuidadosamente a expressão: "com dez pronunciamentos o mundo foi criado" – comparando assim a força vital do mundo a uma pessoa comunicando-se com outra por meio da palavra. No entanto, no que diz respeito à alma, Nossos Sábios usam a expressão, "As almas judaicas sobem no [Divino] pensamento", pois Ele as criou para Seu próprio bem – com o propósito de revelar a Divindade no mundo.

Israel como Filhos

Para ajudar-nos a ganhar um exato entendimento da natureza elevada da alma, o Tanya cita dois versículos que descrevem o povo judeu como os filhos de D’us. Um versículo, "Israel é meu primogênito", refere-se ao povo judeu como um todo. O outro "Vocês são filhos do Eterno, seu D’us" – filhos, no plural, infere que cada judeu individualmente é um filho de D’us por direito próprio. E de que maneira é a alma aparentada a um filho? Rabi Shneur Zalman explica: "Assim como um filho deriva do cérebro de seu pai, assim também, por analogia, a alma de todo judeu derivou do pensamento e sabedoria de D’us."

Há duas pessoas a quem o cérebro de alguém afeta – seu filho, e seu aluno. O filho é concebido pela gota de sêmen que deriva do cérebro de seu pai, e a mente do aluno desenvolve-se a partir do conhecimento e sabedoria que recebe do professor. Ambos recebem do cérebro do doador, porém cada qual é afetado de maneira totalmente diferente. O professor não concede ao aluno a essência de seu intelecto – somente seus aspectos externos, seu entendimento e seu raciocínio num determinado assunto. Aquilo que o mestre revela a seu aluno é mencionado na sabedoria da Chassidut como a radiância de seu intelecto, mas não sua essência. O efeito que um pai tem sobre seu filho é o oposto – a essência de sua capacidade intelectual é transferida à criança. Portanto, a criança é como seu pai, e é possível até que "a capacidade da criança exceda a de seu pai".

Vale a pena destacar que a similaridade entre pai e filho não é apenas superficial – são realmente iguais, pois o pai transferiu sua essência ao filho. E assim como ocorre na analogia do pai e do filho, assim também é no que diz respeito às almas de Israel. Todo judeu, incluindo o mais simples e iletrado, não somente aqueles que são notáveis e importantes, "são extraídos do pensamento e da sabedoria de D’us". Portanto, todos os judeus são chamados filhos de D’us, pois a essência da sabedoria de D’us reside em toda alma judaica, que é assim considerada "uma parte do D’us acima".

Diferentes qualidades

Consideremos as palavras de Nossos Sábios em Pirkê Avot [Ética dos Pais] a respeito do amor que o Eterno, Bendito seja, tem por Israel: "Amado é o povo de Israel, pois eles são chamados filhos de D’us," e "Amado é o povo de Israel, pois um artigo precioso (a Torá) foi dado a eles". Cada uma dessas declarações expressa um tipo diferente de amor que D’us tem pelo povo judeu. Há o amor que Ele tem por Israel por causa da Torá, e existe o amor que Ele tem por eles porque são Seus filhos. São dois tipos de amor. O autor do Tanya enfatiza que o povo judeu é chamado "os filhos de D’us", não por causa da Torá que lhes foi outorgada, mas por sua própria virtude – por causa de suas almas, "que são extraídas do pensamento e sabedoria de D’us".