Por David Tracey
A luta de um homem corajoso que salvou milhares de judeus durante a Guerra

Sempo Sugihara acordou com os gritos do lado de fora do consulado japonês em Kovno, na Lituânia. Através de uma janela, o diplomata de 40 anos de idade, viu, incrédulo, centenas de homens, mulheres e crian-ças. Muitos destes homens tinham barba e usavam longos casacos e chapéus de pele. Algumas pessoas seguravam bebês ou ajudavam os parentes mais idosos. A maioria carregava tudo o que possuía em trouxas.

"São refugiados judeus" – um contínuo do consulado disse a Su-gi-hara. "Querem que o senhor salve suas vidas."

Era 27 de julho de 1940. No mês de setembro anterior a Alemanha invadira a Polônia e relatórios horríveis dos crimes alemães contra os judeus se espalhavam. Mas o que isto tinha a ver com um obscuro diplomata japonês na Lituânia? Sugihara pe-diu um encontro e Zorach War-haftig, um advogado na casa dos 30, explicou a situação de seu povo.

Famílias inteiras estavam sendo assassinadas pelos nazistas, War-haftig contou a Sugihara. Os refugiados conseguiram chegar à Lituânia dominada pelos russos, mas era apenas uma questão de tempo antes da guerra estourar ali também.

Sobrava apenas uma rota de fuga – por terra através da União Soviética. Mas os russos nunca os deixa-riam passar sem prova de que os judeus seriam recebidos por outro país depois de cruzar a União Soviética. Outros con-su-la-dos na Lituânia ou foram omissos ou fecharam.

Milhares de vistos seriam necessários. "Quero ajudá-los" – disse Sugihara – "mas tenho que pedir permissão a Tóquio."

Warhaftig ficou preocupado. Poucos países em 1940 queriam ajudar os judeus deserdados e o Japão era quase um aliado formal da Alemanha.

Na multidão naquele dia estava Yehoshua Nishri, 20 anos. Ele ouviu o relato de Warhaftig. É nossa única esperança – pensou. O tempo está correndo.

Sugihara telegrafou ao Ministro do Exterior em Tóquio, explicando a situação dos judeus. "Estou pedindo permissão para emitir vistos de trânsito imediatamente" – escreveu.

Dois dias mais tarde veio a resposta. Decepcionado, Sugihara leu: "Você não pode conceder vistos de trânsito para pessoas sem destino conhecido."

Naquela noite, Sugihara andou para lá e para cá até a alvorada. "Preciso fazer alguma coisa" – disse à esposa, Yukiko, que ficou acordada com ele.

"Sim" – Yukiko disse. "Precisamos." Ela pensou, triste, no aviso do parque de "Proibido para judeus." Como as pessoas podem fechar seu coração por ódio cego? ela pensava. O olhar de desespero nos olhos daqueles refugiados – especialmente daqueles com crian—ças pequenas – tocou a jovem mãe de três meninos.

Sugihara telegrafou novamente a Tóquio, explicando que aquele refugiados precisariam de 20 dias para cruzar a União Soviética. Partindo de barco do porto russo de Vladivostok, em 30 dias chegariam ao Japão. Com certeza, em 50 dias, ele argumentou, um destino final seria encontrado.

A resposta ainda era não.

Sugihara mandou um terceiro telegrama para Tóquio explicando que com um avanço nazista iminente, os judeus não tinham mais para onde se voltar. De novo, negativo. A escolha para Sempo Sugihara era óbvia: tinha de obedecer a seu governo ou a sua cons-ciên-cia.

Sempo Sugihara sempre agia in-depen-dentemente. Formou-se no colégio com notas brilhantes e seu pai insistiu que fosse médico. Mas o sonho de Sempo era estudar literatura e morar no exterior.

Na manhã do vestibular de medicina, o jovem Sugihara saiu de casa com o conselho de seu pai para dar o melhor de si. Mas quando as provas foram entregues, ele escreveu seu nome no cabeçalho e colocou o lápis de lado. Quando o teste terminou, entregou uma folha em branco.

Sugihara foi estudar inglês na conceituada Universidade Wase-da. Pagou seus estudos trabalhando meio-período como es-ti-va-dor, professor particular e puxador de riquixá.

Certo dia, ele viu um anúncio intrigante nos classificados. O Ministério das Relações Exteriores estava procurando jovens que quisessem estudar no exterior como início para a carreira diplomática. Caía como uma luva para o jovem sonhador. Um dos únicos a passar o teste eliminatório, Sugihara foi enviado para Harbin, na China. Lá estudou russo.

Depois de se formar com louvor, entrou a serviço do governo da Mandchúria controlada pelos japoneses, no nordeste da China. Chegou a vice-ministro de Relações Exteriores. Certa vez, quando o governo soviético queria vender uma ferrovia aos japoneses, Sugihara pesquisou o negócio. Depois de descobrir que o preço pedido era o dobro do valor da ferrovia, conseguiu cortar o preço pela metade.

Tal iniciativa logo colocou Su-gi-hara a um passo de se tornar Ministro das Relações Exte-riores da Mandchúria. Mas ele ficou desalentado com a maneira cruel com que seus concidadãos tra-ta-vam a população local. Sugi-ha-ra renunciou ao cargo de vice-ministro e voltou ao Japão em 1934.

Uma vez que era um funcionário do governo japonês que dominava o russo como ninguém, o Chanceler esperava colocá-lo na embaixada em Moscou. Mas os soviéticos se lembraram do negócio da ferrovia e recusaram as credenciais de Sugihara. Em vez disso, Tóquio enviou-o a Lituânia para abrir uma represen-tação consular em 1939. Lá po-deria relatar as atividades sovié-ti—cas e os planos alemães de guerra. Seis meses mais tarde, a guerra eclodiu e a União Soviética anexou a Lituânia. Todos os consulados deveriam ser fechados. E a multidão de judeus nos portões de Su-gihara aumentava a cada instante.

Sugihara e sua esposa discutiram o que aconteceria se ele desobedecesse ordens. "Poderia ser o fim de minha carreira" – ele disse. Mas no final, Sugihara sabia que caminho seguir.

"Vou ter de desobedecer a meu governo" – disse a Yukiko. "Mas se não o fizer, estarei desobedecendo a D’us."

Fora do consulado, Sugihara anunciou à multidão: "Vou conceder vistos de trânsito a quem quiser."

Houve um silêncio chocante, depois uma explosão de alegria. Muitos choravam, rezando. Uma fila longa e desorganizada se formou enquanto as pessoas se acotovelavam por um lugar.

Uma vez que os vistos japoneses eram apenas de trânsito, as pessoas deveriam ter de declarar um destino final. Curaçao, uma possessão holandesa no Caribe, foi uma sugestão. Warhaftig obteve uma declaração de que não era necessário visto para entrar nesta colônia.

Sugihara começou a emitir vistos naquela manhã, 1º de agosto. Primeiro, ele fazia as perguntas de praxe: se tinham passagem para fora do Japão; se tinham dinheiro suficiente para a viagem. Mas quando se tornou óbvio que muitos refugiados fugiram com a roupa do corpo, Sugihara omitiu estas perguntas.

Igo Feldblum, 12 anos, e sua família, escaparam de Cracóvia, Po-lônia. Quando foi sua vez de entrar no escritório de Sugihara, um dos assistentes do cônsul sussurrava uma frase a cada membro da família de Igo: "Banzai Nipon!" (Vida longa ao Japão!). Com estas palavras, Sugihara podia confirmar que os refugiados "falavam japonês".

Cada visto levava quinze minutos. Sugihara deixara de almoçar para emitir tantos quanto possível. Mesmo assim, quando finalmente parou naquela primeira noite, a multidão não diminuiu.

Ele trabalhou dia e noite e quando acabaram os formulários oficiais, escreveu mais à mão. À medida que passavam os dias, ele começou a ficar fraco. Seus olhos se tornaram injetados pela falta de sono. "Penso se não deveria parar já" – disse, exausto, à sua esposa uma noite.

"‘Vamos salvar o mais que pudermos" – Yukiko respondeu baixinho.

Na terceira semana de agosto, Sugihara recebeu telegramas ordenando-o a parar. Grande número de refugiados poloneses chegava ao Japão nos portos de Yo-ko-hama e Kobe, provocando confusão. Sugihara ignorou as ordens.

No final de agosto, os soviéticos exigiam que o consulado -fosse fechado. Tóquio instruiu Sugihara a se mudar para Berlim. Porém centenas de judeus ainda estavam chegando. As faces suplicantes na multidão eram demais para ele. "Vou ficar uma noite num hotel aqui" – anunciou. "Vou conceder o máximo de vistos que puder antes de partir."

Uma multidão seguiu a família até o hotel, onde Sugihara continuou a escrever. Na manhã seguinte, um grupo ainda maior seguiu Sugihara e sua família à estação do trem. No trem, ele continuou a escrever freneticamente, mas não conseguia dar vistos para todos. Começou a assinar seu nome em folhas em branco, esperando que o resto pudesse ser preen-chido. Ainda estava passando papéis quando o trem partiu.

"Sempo Sugihara" – um homem gritou nos trilhos – "nunca o esqueceremos."

Agarrando seus preciosos vistos, os refugiados partiram para o leste através da Sibéria. Quando se encontraram em segurança a bordo de um navio para o Japão, muitos estavam convencidos de que a pressa com que Su-gi-ha-ra escreveu e selou os pedaços de papel fora de algum modo abençoada.

Moshê Cohen, um estudante de religião de 17 anos, certamente o pensava. Quando seu grupo se preparava para subir no navio para Kobe, Cohen viu um oficial russo empurrar um rabino em direção a dois oficiais japoneses que verificavam os vistos. Quando o rabino abriu seu passaporte, o vento carregou o visto, levando-o num arco flutuante sobre a água.

"Todos olhamos, transfixados" – disse Cohen. "Voou a nosso redor até aterrissar na rampa, bem em frente aos pés do rabino. Ele o entregou aos japoneses, que acenaram para que seguisse."

No Japão, os judeus foram tratados sem discriminação. Quando seus vistos de trânsito expiraram, tiveram permissão para ir para Xan-gai esperar pelo fim da guerra. Cu-ra-çao estava fechado para eles. Depois da guerra, alguns ficaram no Japão. A maior parte dos outros foi para os Estados Unidos, América do Sul ou Palestina, o futuro Estado de Israel.

Sugihara estima que concedeu 3.500 vistos. Outros dizem que foram 6.000.

Durante a guerra, Sugihara dirigiu os consulados na Tche-cos-lo-váquia, Romênia e Alemanha. Uma vez que seu governo nunca mencionou os vistos, achava que haviam esquecido.

Em 1945, Sugihara dirigia o consulado japonês em Bucareste, Romênia, quando ele e sua família foram presos pelas tropas soviéticas e levados a um campo de prisio-neiros. Depois de 21 meses, a família retornou ao Japão.

De volta a Tóquio, Sugihara esperava que lhe oferecessem uma embaixada. Mas o vice-chanceler pediu sua renúncia. A costumeira carta de recomendação foi negada. Sugihara percebeu que se lembravam do que ele fizera na Lituâ-nia.

Para sustentar a família, o diplomata de carreira primeiro tentou vender lâmpadas de porta em porta. Finalmente se mudou para Moscou para dirigir uma filial de uma empresa exportadora, deixando sua família para trás por longos períodos de tempo.

Os judeus cuja vida ele salvou nunca se esqueceram de Su-gi-hara. Muitos tentaram encontrá-lo; suas investigações junto à Chan-celaria de Tóquio foram infrutíferas.

Certo dia, em 1967, o filho de Su-gihara, Hiroki, recebeu uma mensagem de um oficial da embaixada israelense em Tóquio que queria vê-lo. Era Yehoshua Nishri, que havia rastreado a família por meio de uma lista de universitá-rios.

"Há anos procuro por seu pai" – Nishri contou a Hiroki. "Nunca esquecerei o homem que salvou minha vida."

Hiroki disse que seu pai estava trabalhando em Moscou. "Diga-lhe que Israel quer homenageá-lo pelo que ele fez" – Nishri falou.

Hiroki recebeu uma resposta típica de seu pai: estava ocupado com o trabalho e não tinha tempo para agradecimentos oficiais. Mas três meses mais tarde, Nishri convenceu Sugihara a ir para Israel.

Em Tel-Aviv, Sugihara foi recebido como herói. Houve festas para homenageá-lo organizadas por quem ele salvou – alguns deles desempenhavam papel importante na jovem história de Israel. Entre eles, Zorach Warhaf-tig que ajuda-ra a escrever a Decla-ração de Independência de Israel e era agora Ministro de Assuntos Religiosos.

"Sempre fiquei a pensar" – disse Warhaftig – "por que você fez aquilo."

Sugihara respondeu: "Vi pessoas em desespero e era capaz de ajudá-las e, então, por que não fazê-lo?"

Em 1984, o Departamento dos Mártires e Heróis do Holocausto de Israel concedeu a Sugihara o título de "Justo entre as Nações." Sugihara, com 85 anos, estava fraco demais para comparecer à cerimônia, assim sua esposa recebeu o prêmio. Um parque recebeu seu nome em 1992; Sugihara recebeu o título de cidadão honorário de Israel.

Sugihara foi homenageado nos Estados Unidos também. Recentemente, a Yeshivá de Mir celebrou o jubileu de ouro em Nova York. Todo o corpo docente e dis-cente da escola – cerca de 300 rabinos, alunos e familiares – fugiu de Mir, Polônia e foi salvo por Sugihara. O aniversário foi comemorado com a criação do Sempo Sugihara Educational Fund em prol dos jovens eruditos judeus.

Igo Feldblum é atualmente médico em Haifa, Israel. "Um homem corajoso faz coisas difíceis" – reflete. "Um herói faz coisas que parecem impossíveis. Ele agiu mesmo sabendo que nada ganharia em troca."

Sugihara morreu no Japão em 1986 em relativa obscuridade. Apenas quando um grande número de judeus ortodoxos compareceu a sua casa para o funeral é que seus vizinhos perceberam que viviam ao lado de um herói.

Em 1991, o governo japonês emitiu um tardio pedido de desculpas a sua família por demiti-lo. Sua esposa e filhos ainda têm contato com judeus agradecidos que receberam um dos vistos de Su-gi-hara. Estima-se que se os descen-dentes dos que foram salvos fossem computados, haveria dezenas de milhares em todo o mundo que devem suas vidas ao corajoso diplomata.

Warhaftig, que tem 25 netos, olha para trás para o que aconteceu, e diz:

"Sempo Sugihara foi um emissário de D’us."