Nasci em 1937, na cidade de Herat, no Afeganistão, na família Mullah Ezra. A comunidade judaica no Afeganistão é uma das mais antigas do mundo, e viver ali nos dá um profundo senso de Judaísmo. Os judeus de Herat residiam todos no mesmo bairro, em locais reservados, cada qual contendo diversas casas. Embora houvesse vínculos comerciais entre os judeus e nossos vizinhos muçulmanos, especialmente antes das festas judaicas – os vendedores chegavam montados em burros à nossa área trazendo frutos, vegetais, peixe e galinhas antes de todo Shabat e festa – nós morávamos separados das nossas cercanias não-judaicas.

Nos espaços maiores, as pessoas criavam gado, fornecendo leite e refeição casher. Havia vários abatedores casher, shochtim, na comunidade, e quando a carne era trazida para casa, as mulheres – que eram todas especialistas em remover toda gordura ou nervos proibidos – completavam o processo de casherização.

As sinagogas, quatro no total, também ficavam em pátios fechados. Dois desses pátios continham duas sinagogas adjacentes, uma para os mais jovens, junto com uma de micvaot.

Por trás de cada sinagoga havia um salão de estudos, que também servia como uma escola. Quando criança, estudei Torá na sala do Rabino Asher Garji. Passávamos o dia inteiro ali; pela manhã, íamos rezar na sinagoga, tínhamos o desjejum em casa, e então voltávamos à sala de estudos. Na hora do almoço, voltávamos para nossas casas, que ficavam próximas, e então voltávamos novamente para estudar até a noite.

Na maior parte, os judeus ganhavam a vida como mercadores e donos de lojas. Nossa família também tinha uma loja em Obe, mas essa cidade tinha sido quase completamente esvaziada de seus habitantes judeus. Uma porção não insignificante de judeus afegãos imigrou para a Terra de Israel na virada do século e então, após a fundação do país, a maioria daqueles que ainda permaneciam também partiram. Embora os relacionamentos com nossos vizinhos muçulmanos na maioria fosse calmo, eu lembro como, após a Campanha do Sinai em Israel em 1956, as coisas ficaram mais tensas.

Alguns dos extremistas em Heral queriam atacar os judeus, mas o governo enviava sempre a polícia para proteger nossas casas. Nas sextas-feiras, jovens muçulmanos vinham das escolas religiosas das cidades vizinhas, para rezar na grande mesquita em Herat. Nós os chamávamos de taliban (a palavra significa estudantes religiosos) e eles podiam ficar nervosos, mas um dos seus líderes, ou kadis, foi falar com meu pai. Na sexta-feira após a Campanha do Sinai, ele foi assegurar a meu pai: “Vocês não precisam ter medo. Ninguém fará nada a vocês,” ele disse. Mesmo assim, eu entendi que não havia futuro para os judeus no Afeganistão.

A princípio, eu me mudei para Cabul, a capital do Afeganistão, onde havia uma comunidade judaica maior. Após trabalhar ali por alguns anos, fui convidado pelos irmãos Abraham, Meir e Yehuda, que eram figuras importantes na comunidade judaica afegã em Nova York, para ir trabalhar em sua joalheria.

Quando informei meus pais sobre meu plano para imigrar, minha mãe expressou seu desejo de partir comigo, e mudar-se para Israel. Meus irmãos e irmã também foram, enquanto meu pai ficou para trás para colocar seus negócios em ordem até juntar-se à família. Viajamos para Israel através do Irã, chegando quase ao final do verão de 1962.

Após um mês, fui para os Estados Unidos, trabalhar com os irmãos de Abraham. Com tantos judeus afegãos tendo imigrado para os Estados Unidos, havia uma significativa comunidade em Nova York. Alguns deles tinham um relacionamento com o Rebe, então de tempos em tempos, eu ia aos farbrenguens promovidos na grande sinagoga no 770 da Eastern Parkway. Eu não conseguia entender muito das palestras do Rebe, que eram em iidiche, mas as cenas e a atmosfera que prevaleciam naquele local eram muito significativas.

Um dia em 1964, Rabino Shmuel Pessach Bogomolsky abordou os chefes da comunidade de emigrantes do Afegão, e convidou-os a visitar o Rebe. Há uma razão para isso. Um ano antes, Rabino Bogomilsky foi enviado por Merkos L’Inyoney Chinuch, centro educacional Chabad, a empreender uma viagem por uma longa lista de comunidades judaicas na Europa, África e Ásia, que incluía uma visita ao Afeganistão. Após fazer um relato ao Rebe sobre o que ele tinha visto ali, o Rebe lhe pediu para arranjar um encontro com os líderes da comunidade de emigrantes locais. Foi como nós – os irmãos de Abraham, Shlomo Gat, Gavriel Aharon, e eu – fomos visitar o Rebe. Embora eu fosse mais jovem que eles, decidiram me incluir na lista, vendo que eu tinha chegado recentemente do Afeganistão e estava mais familiarizado com aquilo que estava acontecendo ali.

Lembro que a primeira coisa que me impressionou sobre o escritório do Rebe foi o estilo simples da sala, e a maneira em que as paredes em todo lado estavam repletas de livros – e é claro, ver o Rebe de perto. Estar na presença dele fazia sua cabeça girar; era algo que eu jamais tinha sentido em minha vida.

O Rebe perguntou a cada um dos participantes quando eles tinham chegado e o que faziam ali, antes de perguntar mais geralmente sobre a diáspora do Afeganistão nos Estados Unidos, o número de judeus deixados para trás e o estado do Judaísmo ali.

Ele falou que seu emissário, Rabino Bogomilsky, tinha relatado que não havia nenhuma sinagoga oficial em operação regular, e que os membros da comunidade rezavam numa casa particular. O micvê, banho ritual da cidade, também foi revelado como tendo sido comprometido por algumas questões sérias haláchicas. O Rebe insistiu com a comunidade para arrumar aquelas questões, e também para ter construída uma sinagoga adequada – em algum lugar proeminente o suficiente para as pessoas poderem vê-la e saber do que se tratava.

“Mas todos já partiram,” eles objetaram. “Ninguém mais está ali! Por que investir em prédios religiosos se ninguém vai usá-los?”

O Rebe explicou pacientemente que, além dos poucos judeus locais que ainda permaneciam, turistas, diplomatas e empresários ainda estavam indo. Era importante para eles terem uma sinagoga central, bem como um micvê casher, para que os visitantes da cidade soubessem da sua existência.

Após a reunião, os participantes realmente cuidaram de construir uma linda sinagoga e um micvê casher em Kabul, a capital do Afeganistão. Ficou óbvio para mim que isso era por conta do Rebe, por ter tido sofrimentos para enviar um emissário especial para visitar o Afeganistão. Quem sequer se lembrava do Afeganistão ou pensava sobre os judeus dali? Mas o Rebe se preocupava com os judeus que viviam no Afeganistão e até por aqueles que podiam visitá-lo.

Anos depois, meus negócios me enviaram a viajar pelo mundo: Índia, Tailândia, Brasil e outros. Em cada um desses locais, conheci os emissários do Rebe. Eles cuidavam de todos e o trabalho que eles fazem literalmente salva vidas. Tudo isso é pelo mérito do Rebe.

Ainda me lembro claramente da face sagrada do Rebe, e toda vez que vejo seu quadro, sinto uma pontada de dor em meu coração, pois penso no quanto sentimos sua falta.