Eu era criança quando escapei da União Soviética ao final da Segunda Guerra Mundial. Após uma viagem angustiante pela Polônia para a Alemanha, chegamos junto com outras famílias refugiadas no campo de pessoas sem moradia em Poking, perto de Munique. Muitos chassidim Chabad encontraram refúgio ali, criando uma comunidade pequena mas vibrante por conta própria. Os refugiados, a quem tinha sido negada a oportunidade de educar seus filhos na União soviética, logo abriram escolas judaicas para meninos e meninas e uma yeshivá para homens jovens.

O Campo DP estava num local de uma antiga base da força aérea e as grandes barracas tinham sido divididas em pequenos cubículos, um para cada família. O cubículo da nossa família era vizinha da porta daquele da Rebetsin Chana Schneerson, a mãe do Rebe. E foi assim que chegamos a conhecê-la.

Ela conseguiu imigrar para Nova York em 1947, mas nós nos estabelecemos primeiro na França e depois na Inglaterra e somente chegamos à América mais tarde, quando eu já tinha onze anos. Assim que chegamos, minha família renovou nosso relacionamento com ela, Nós a visitamos muitas vezes em sua casa, mas não a chamávamos de Rebetsin Chana – chamávamos de “a mamme do Rebe”.

Lembro que, em Purim de 1958, Leibel , meu irmão mais jovem, e eu fomos enviados para levar a ela mishloach manot e que Reb Berel Junik atendeu à porta, anunciando que “Kaplan kinderlach” (filhinhos de Kaplan) tinham vindo. Ela se lembrou de mim de Poking, e conversamos por um momento, quando ela nos recompensou com algumas balas. Fomos também em outras ocasiões e a cada vez ela nos saudava calorosamente.

Houve um encontro particular com a Rebetsin do qual me lembro claramente. Foi no dia após meu Bar Mitsvá – que caiu numa sexta-feira na primavera de 1959 – e eu estava caminhando para o 770 descendo a Avenida Kingston quando me deparei com Rebetsin Chana. “Gut Shabos” – eu a saudei polidamente e ela respondeu “Gut Shabos”. Eu não pude resistir de aproveitar a oportunidade para dizer a ela que meu Bar Mitsvá foi ontem.

É claro, ela me cobriu com bênçãos, e então disse: “Você se lembra de como eu sempre me certificava em Poking que sua cabeça estivesse coberta quando você estava lá fora?”

Eu era muito jovem em Poking para ter uma lembrança daquilo. Ela continuou: “Meu falecido marido me disse que um menino – não importa a idade – jamais deveria sair sem ter a cabeça coberta, pois isso pode afetar seu yirat shamayim, sua reverência ao céu, mais tarde na vida. E se ele a tirar, a pessoa deveria colocar de volta, mas ele jamais deveria sair com a cabeça descoberta. Você não gostava de usar seu pequeno chapéu e iria tirá-lo, então eu tive de continuar colocando-o de volta.”

Poucos meses antes, tive outro encontro interessante com ela. Em Simchat Torá de 1958, meu pai permitiu-me ir ao farbrenguen do Rebe – pela primeira vez – e ficar acordado para a celebração que costumava durar a noite toda. Nas primeiras horas da manhã o Rebe iria ensinar um novo nigun, uma melodia chassídica. Aquele era o costume naqueles dias.

E u queria muito permanecer para aquele momento especial e, de alguma forma, consegui manter meus olhos abertos. Centenas de chassidim tinham se aglomerado na enorme sucá e também achei um canto num banco de onde eu podia ver tudo.

O Rebe começou contando a história de Shamil, que fora um grande líder de um grupo de tribos que viviam nas Montanhas Caucasianas um século atrás. Capturado e exilado pelos russos, Shamil pranteava sua perda da liberdade e ansiava em retornar para sua casa. Mas ele se consolava com a esperança de que seria libertado e iria retornar ao seu amado país e à sua antiga glória.

Era uma história triste e o Rebe a narrou de forma emotiva. Ele continuou explicando que Shamil é uma metáfora para a alma quando ela desce a este mundo e é envolta em um corpo humano. O corpo é a “prisão” da alma e a alma anseia constantemente pelo seu lar celestial. Ela luta para se libertar de seu exílio corporal exortando o corpo a dar um significado espiritual à vida através da Torá e suas mitsvot.

Quando o Rebe falava pelo anseio da alma pelo céu, sua voz falhou e ele começou a chorar; ele chorava tanto, que seu corpo inteiro tremia. Quando ele se recompôs, começou a ensinar todos aqueles nigunim de Shamil reunidos. Foi uma experiência extraordinária e não fui para a cama antes das 5 da manhã. Sem surpresa, dormi demais e levantei tarde. Eu estava descendo a rua correndo no começo da tarde quando encontrei a Rebetsin Chana. Vendo-me àquela hora, ela imediatamente adivinhou o motivo. “Você ficou acordado para o nigun na noite passada?” ela perguntou.

Quando reconheci que eu o fizera, ela quis saber qual nigun tinha sido apresentado.

“Não me lembro do nigun,” respondi sinceramente. “Mas o Rebe contou a história de um homem a quem ele comparou com a alma de um judeu e ele chorou muito.”

Ela nada disse, apenas sorriu e caminhamos juntos até o 770. Ali, em vez de entrar no prédio, ela começou a caminhar para baixo até a sucá, onde o Rebe estava liderando a dança com a Torá. Ela foi até as portas móveis e parou. “Você deseja entrar?” eu perguntei. Ela concordou, e abri a porta para ela.

Eu entendi que ela queria ver o Rebe, portanto comecei a dar um tapinha no ombro dos rapazes para abrir caminho para ela diretamente para onde o Rebe estava. Instantaneamente, o mar se abriu para ela, mas ela permaneceu onde estava, apenas olhando para o Rebe. Quando ele a viu, disse: “Gut Yom Tov.” Ela sorriu e respondeu: “Gut Yom Tov,” e então ela saiu.

Naturalmente, as pessoas queriam saber o que tudo aquilo, e que papel eu havia desempenhado nisso. E eles espremeram de mim o relato de que eu havia contado a ela sobre o nigun e sobre o choro do Rebe.

Ela deve ter ficado comovida ao saber que ele tinha chorado tanto e, como mãe, ela só queria vê-lo após uma noite emocionante como aquela.