Minha esposa, Rachel, e eu chegamos à África do Sul em março de 1976, três meses antes do Levante de Soweto que se tornaria um marco fundamental na queda do regime racista Apartheid. O pais estava em conflito. Milhares de famílias brancas estão partindo em grupos. As pessoas aqui nos diziam que não podiam entender como um casal jovem com dois filhos pequenos poderia se mudar para a África do Sul quando todos estavam partindo de lá. “Vocês estão loucos? Não sabem que estamos em cima de um vulcão?!”
Mas estávamos aqui numa missão. Éramos shluchim, emissários de nosso mentor e mestre, o Rebe Lubavitch, Rabi Menachem Mendel Schneerson, de abençoada memória, que nos enviou aqui para fazermos o trabalho de divulgar o Judaísmo em Johanesburgo. Meu amigo, Rabi Mendel Lipskar, tinha sido enviado aqui pelo Rebe quatro anos antes. Quando uma antiga casa em Yeoville, o principal bairro judaico na época, foi comprada para servir como o primeiro Beit Chabad neste pais, fui convidado a vir e assumir o cargo de Diretor da fundação.
Eu tinha também muitas outras ofertas atrativas de trabalho em outros países, e as apresentei ao Rebe. Ele escolheu Johanesburgo e, graças a D'us, nunca nos arrependemos. Mas na época o Apartheid estava em plena força. Os bancos dos parques tinham sinais dizendo: “Somente para Brancos.” Havia ônibus separados, linhas de espera separadas no correio, filas separadas nas lojas. E havia uma ansiedade palpável no coração de praticamente todo sul africano branco.
Muitos daqueles que estavam se mudando para outros países disseram que era uma questão moral. Seus princípios não permitiam que vivessem num pais apartheid. Pessoalmente, suspeito que a maioria estava saindo devido ao medo. O que o futuro traria para a África do Sul? Os proverbiais ventos da mudança estavam passando pelo continente. Iríamos seguir o caminho de outros países africanos? Iríamos nós, também, enfrentar uma revolução sangrenta com um milhão de zulus marchando pelas ruas com lanças?!
Naqueles dias praticamente não havia nenhuma família judaica que não estivesse lutando com o dilema da emigração. Ir, ou não ir, essa era a questão.
Nos anos 70 e 80 não havia aqui muitos rabinos nascidos na África do Sul. Com a situação política tão volátil, rabinos ingleses e americanos não mais pensavam em empregos aqui, e até rabinos habitantes estavam partindo. Portanto tantas famílias estavam emigrando que a nossa comunidade estava sendo dizimada. O que seria das nossas escolas, sinagogas, e nossa orgulhosa infra-estrutura institucional?
Durante este período de incerteza, o Rebe enviou seus estudantes rabínicos para atuar nesta comunidade como seus emissários, dando à África do Sul um grande voto de confiança.
Mas suas reações diretas às perguntas que muitos judeus sul africanos estavam fazendo a ele eram ainda mais encorajadoras. O Rebe estava completamente contra a necessidade de emigrar. Não havia áreas cinzentas nem picos vagos. Ele disse claramente que não deveríamos ter medo e seguir com nossa boa obra. Algumas pessoas até foram aconselhadas a voltarem para cá depois de já terem partido!
Suas contínuas declarações de confiança se espalharam como um fogo por todo o pais. “O Rebe” se tornou um nome familiar na África do Sul. Até pessoas não envolvidas em vida religiosa diziam que elas iriam “apagar as luzes no Aeroporto Jan Smuts” baseadas nas promessas dele. [Hoje, o Aeroporto Internacional de Johanesburgo é conhecido como Oliver Tambo, em homenagem ao grande lutador pela liberdade, Oliver Tambo).
Em 1977, no aniversário do Rebe, apenas uns poucos dias antes de Pêssach, ele discursou para milhares de pessoas num farbrenguen público para marcar a ocasião. Eu estava ali visitando, e Rabi N. M. Bernhard me pediu para apresentar Sr. Abe Hoppenstein {então um oficial consular na Embaixada da África do Sul em Washington) ao Rebe. Abe voou especialmente vindo de Washington, e fiz a apresentação durante a entoação de nigunim, antes das palestras do Rebe. Lembro-me vividamente como o Rebe disse a ele para transmitir a mensagem aos líderes judeus na África do Sul de que a comunidade não deveria diminuir e partir, mas pelo contrário, deveria continuar a construir e desenvolver escolas judaicas, sinagogas, yeshivot, micvaot, etc. Outros poderiam estar planejando criar museus para recordar a comunidade judaica quase extinta da África do Sul, mas o Rebe estava nos inspirando a permanecer e ficar fortes, e construir um futuro mais brilhante, confiantes de que sul africanos brancos e negros poderiam coexistir pacificamente.
Em 1979, com sua pequena escola em Yeoville agora em fase crescente, a Fundação Lubavitch comprou um grande terreno nos subúrbios ao norte de Johanesburgo. Os preços da propriedade estavam baixos, e foi um negócio inacreditavelmente bom. A Academia de Torá poderia agora se expandir e mostrar seu empolgante potencial.
Comprar o campus da Academia de Torá foi visto como tolice 40 anos atrás.
Mas os lideres dessa comunidade, a Mesa Judaica de Deputados, a Federação Sionista, Mesa de Educação Judaica, Apelo Unido Israel e Fundo Comunal Unido todos tentaram prevalecer sobre nós de que deveríamos abandonar nossa “inútil construção do império.” O Judaísmo na África do Sul estava em declínio, diziam eles. Não haveria crianças suficientes na comunidade para apoiar outra corrente de educação judaica, eles argumentavam. Quando respeitosamente discordamos, eles escreveram uma carta ao Rebe, assinada pelo Chefe do Grupo e da Federação, pedindo a ele para mudar seus emissários errantes.
O Rebe respondeu com uma longa carta encorajando aqueles lideres a fazerem o melhor para reverter o próprio declínio que eles tinham mencionado. Ele elogiou nossa comunidade judaica forte, tradicional e também destacou seu orgulhoso relacionamento com Israel. Ele ainda destacou que comunidades judaicas no mundo inteiro desempenhavam um importante papel com Israel em influenciar seus governos locais para manter relações internacionais positivas com o estado judaico. Tínhamos de fazer a nossa parte, também.
Em três ocasiões separadas, os lideres Chabad ficaram sob pressão de uma comunidade muito nervosa querendo saber se o Rebe ainda mantinha sua confiança em nosso futuro. Uma dessas foi em agosto de 1985 quando o Presidente P. W. Botha fez seu infame discurso Rubicon em Durban. Jamais vou esquecer como em cada ocasião, o Rebe reiterou sua posição declarando a mesma resposta com duas palavras em hebraico:“I’ pelech hashaalá! – é impressionante que você tenha feito a pergunta!” Na verdade, a sua foi a única voz de esperança e otimismo naqueles anos difíceis.
Havia sanções, pressão global, violência civil, e por fim, em fevereiro de 1990, o presidente da África do Sul F.W. de Klerk anunciou a libertação do mais famoso preso político do mundo, Nelson Mandela. Mas por mais histórico que esse momento fosse, criou novas apreensões e incertezas. Como seria o futuro agora para os judeus sul africanos?
No mesmo dia da libertação de Mandela da prisão, Rabi Koppel Bacher, um importante líder Chabad local, estava em Nova York. No domingo, ele ficou na fila para receber um dólar para caridade e uma bênção do Rebe. Após dar-lhe um dólar para tsedacá, o Rebe o chamou e deu-lhe essa mensagem para nossa comunidade. “Diga a eles que não têm nada a temer e que a África do Sul será boa para os judeus até a vinda de Mashiach!”
Então apreciamos o início de uma nova dispensa, e Nelson Mandela foi eleito presidente na primeira eleição nacional livre e justa. Nascia uma nova esperança. Um dos membros originais daquelas organizações comunais que nos desencorajavam de desenvolver nossa escola me chamou e disse que em sua opinião, “O Rebe estava agora vingado!” Eu somente podia sorrir.
Mas então, uma crescente onda de crimes começou a trazer uma nova onda de emigração. Não apenas havia muitos dos nossos frequentadores tornando-se vítimas de crimes, eu também fui sequestrado – ironicamente, enquanto ia fazer uma visita de shivá aos familiares em uma casa de um homem que tinha sido assassinado.
A história do sequestro de Rochek foi ainda mais dramática. O pretenso sequestrador na verdade puxou o gatilho duas vezes na mira. Milagrosamente, nada aconteceu – duas vezes! Por um milagre de D'us, minha esposa foi poupada.
Muitos se perguntaram como qualquer ser humano poderia confiantemente dizer às pessoas para não partir de uma zona de perigo. Isso não era irresponsável, até descuidado? Minha resposta era simples. Eu dizia que para um homem sentado no outro lado do mundo, responder perguntas de tamanha relevância, ele teria de ser um profeta ou um tolo. Bem, uma coisa era certa, esse homem gigante, este extraordinário sábio de Torá e luminária certamente não era tolo.
Por fim, as inequívocas garantias do Rebe foram de fato vindicadas. E sim, olhando para trás, elas foram de fato bastante proféticas. E quanto aquela contenciosa escola Chabad, a Academia de Torá? Hoje ela abriga mais de 600 alunos.
Por fim, a emigração iria levar a uma grande perda em números para o Judaísmo na África do Sul, cerca de metade da nossa população.
Aparentemente, o Rebe comentou que embora ele não tivesse sido tão bem sucedido como gostaria em diminuir a emigração da África do Sul, ele ficou feliz porque tinha sucedido o suficiente para a comunidade sobreviver com estabilidade e vibração.
Olhando para trás aos 26 anos de democracia na África do Sul, o dia Três de Tamuz neste ano (25 de junho de 2020) também vai marcar o 26º yahrtzeit desse colossal líder judaico do nosso tempo. Olhando para nossa comunidade hoje e imaginando como poderia ter sido diferente, D'us não o permita, podemos dever a ele um enorme hakarat hatov, uma eterna dívida de gratidão.
Quanto a mim, penso que é mais que devida.
Clique aqui para comentar este artigo