Quando eu tinha dez anos, minha família fugiu da Rússia, junto com muitas outras famílias de Lubavitch. Isso foi logo após a guerra em 1946. Passamos através de campos de pessoas expulsas na Europa, para a Austrália. Ali estudei e também ensinei numa yeshivá Chabad em Melbourne, mas o tempo todo eu ansiava para sair e estudar no exterior.

A ideia de ir para algum local exótico realmente não saía da minha cabeça jovem. Eu estava certo de que seria melhor que a Austrália, embora eu entenda agora que muitos consideram a Austrália bastante exótica. Assim, escrevi ao Rebe pedindo permissão para partir, mas ele não respondeu às minhas cartas apesa de eu ter enviado diversas vezes. Então, meu mentor, Rabino Abba Pliskin, concordou em pedir ao Rebe em meu nome. A resposta do Rebe a ele chegou imediatamente, e foi um tanto longa.

Em resumo, o Rebe era contra eu deixar a Austrália. Ele explicou que há uma mitsvá que ninguém mais pode cumprir, de divulgar o Judaísmo na Austrália, e a prova de que essa é minha mitsvá é que ninguém mais está fazendo isso. Ele citou o Rebe Anterior, o fundador de Chabad: “se alguém faz caridade – caridade material e caridade no sentido espiritual (significando dar seu tempo para ensinar a outros), então sua mente e seu coração se tornarão cristalizados e refinados mil vezes mais.

“Em outras palavras,” concluiu o Rebe, “a hora em que este menino (falando de mim) aprende em Melbourne, e paralelamente ensina a outros, vai trazer-lhe tanto sucesso como se ele tivesse aprendido mil vezes mais.”

Mais tarde, quando eu tinha dezenove anos, organizei uma viagem a Nova York para as Grandes Festas, assim eu poderia encontrar o Rebe. Este foi um enorme empreendimento pois o custo de uma viagem dessas em 1955 era de 600 libras, o que era igual a um ano de salário para um trabalhador naqueles dias. Consegui economizar algum dinheiro e levantei o restante.

Quando encontrei o Rebe – na noite antes de Rosh Hashaná – perguntei se eu poderia ficar em Nova York, mas o Rebe respondeu: “Você acaba de chegar. Discutiremos isso depois, quando você estiver preparado para voltar.” Portanto ficou claro para mim que eu iria voltar.

Com certeza, ao final da minha viagem, o Rebe disse que eu tinha de voltar, e tinha de voltar agora, nesta noite. Protestei de que não havia voos naquela noite, mas o Rebe declarou: “Você pode ir de trem.”

Como alguém vai dos Estados Unidos à Austrália de trem? Ocorre que o Rebe queria que eu fosse até Montreal de trem antes de voltar à Austrália pela rota que eu tinha planejado previamente, o que incluía paradas em Londres e Paris. Em todos esses lugares eu deveria organizar um farbrenguen e dizer palavras de Torá e explicar ensinamentos chassídicos. Ele também delineou minha missão quando eu retornasse a Melbourne – eu deveria estabelecer alguns grupos de Chabad: Tzeirei Agudas Chabad (a organização para jovens), Bnos Chabad (organização para meninas), Neshei Chabad (organização para mulheres), etc.

Comecei a viagem de trem e fiz aquilo que o Rebe me instruíra a fazer. E quando cheguei em casa tentei iniciar todas aquelas organizações. Mas eu era um rapaz com dezenove anos e, na verdade, algumas dessas coisas estavam além do meu alcance. Consegui criar Tzeirei Agudas Chabad e Bnos Chabad, mas fiquei muito aliviado ao saber que as mulheres já tinham um Neshei Chabad, portanto não tive de tentar começar esse grupo.

Em 1960, casei-me com uma moça israelense, e quatro anos depois mudei-me para Israel com minha família, onde vivemos até 1971. Voltei à Austrália por causa do que aconteceu com meu pai.Por orientação do Rebe, meu pai tinha abandonado seu negócio de malhas e foi trabalhar para a Yeshivá Oholei Yossef Yitzchok em Melbourne como professor e levantador de fundos. Mas ele não gostou muito daquilo. Quando reclamou a respeito, o Rebe o advertiu, dizendo que aparentemente as pessoas Chabad na Austrália não entendiam a importância do seu trabalho. Embora em outras partes do mundo ensinar Chassidismo seja importante, na Austrália é ainda mais, “”como ressuscitar os mortos”. Isso por que, concluiu o Rebe, “lutei com seu filho para não deixar a Austrália. E agora, se há algo que cause dificuldades conjugais então nem mesmo mencione isso, mas se for possível, você deveria tentar trazê-lo de volta à Austrália, mesmo que por um período fixo de tempo.”

Quando ouvi isso do meu pai, aceitei uma oferta para me tornar diretor de Bais Rivkah em Melbourne. Isso se provou muito interessante, e às vezes desafiante, mas eu sempre tinha o Rebe para quem me voltar quando não sabia o que fazer. Lembro-me de uma ocasião quando perguntei a ele sobre expulsar uma menina da escola. O Rebe disse-me para fazer tudo ao meu alcance para não expulsá-la pois seria provável que quando a menina deixasse a escola, ela perderia seu rumo. Mas se, apesar dos meus melhores esforços, ela ainda fosse uma má influência sobre as outras, então os interesses da maioria deveriam ter prioridade sobre os individuais.

Em outra ocasião, escrevi ao Rebe de que eu percebera um problema no programa de estudo – as meninas achavam mais empolgante aprender matérias seculares como biologia do que a Torá. Então perguntei ao Rebe se poderia ser mais interessante para elas aprender Torá através de tópicos em vez de capítulo a capítulo. Os tópicos que eu tinha em mente eram fé, auto-sacrifício, recompensa e castigo, confiança em D'us, etc., a serem ensinados junto com versículos da Torá e outros textos judaicos.

O Rebe aprovou a ideia dos tópicos desde que fosse sob a bandeira do pensamento judaico, mas foi totalmente contra ensinar a Torá fora da ordem. Esse é outro importante conselho que o Rebe me deu no início da minha carreira de educador.

Inicialmente, eu planejava ficar no emprego durante três a quatro anos, pois minha esposa queria realmente voltar a Israel, mas quando o Rebe soube dos nossos planos ele nos escreveu o seguinte:

“Não tenho dúvida de que a sua missão (bem como seu benefício material e espiritual) é onde você se encontra atualmente, pelo menos pelo futuro próximo. E esta missão foi adoçada numa maneira sobrenatural… O único problema é que você ainda tem sua liberdade de escolha, e está estimulando ‘o perverso’ para que se afaste de sua paz mental com todos os tipos de ideias que são ilógicas. Deixo a decisão final para você.”

Portanto, após receber uma carta assim, o que poderíamos fazer exceto ficar? Estou contente porque ficamos. O Rebe nos fez um grande favor fazendo de nós seus emissários, dando-nos a oportunidade de servir. E por causa disso, milhares de meninas estabeleceram lares judaicos e estão levando vidas segundo a Torá. Desempenhamos uma parte – minha esposa e eu – em seu crescimento e desenvolvimento, e isso é suficiente para nós. Não teríamos tido isso de outra maneira.