Almas Únicas

Com todos os desafios que enfrentamos diariamente, não podemos deixar de pensar de vez em quando: “Isso vale a pena?” Nossos compromissos e obrigações – e todo o duro trabalho que empregamos em toda atividade na qual estamos investidos – valem todo o esforço?

Então há momentos mágicos que deixam tudo isso claro. Momentos de verdade – que passam pela superficialidade das coisas – e mostram uma experiência real. Como você pode fazer uma diferença no mundo. Recentemente tive um momento assim. (No trabalho que faço tenho sido abençoado por ter esses momentos na minha vida; que você seja abençoado com eles também).

A criança – e os adultos em volta – podem não ter controle sobre seu humor, seus altos e baixos, mas temos controle sobre nossa atitude sobre como reagir e tratar a criança.

Após o artigo “Podemos Mudar Nossas Personalidades?” recebi muitos comentários significativos. Um que se destacou foi o comovente e-mail de uma mãe de uma criança bipolar. Com permissão dela eu o incluo abaixo, seguido pela minha resposta (com adições). É muito difícil descrever a profunda solidão e o isolamento, para não mencionar a culpa e as sensações de fracasso, que as famílias sentem quando lidam com “crianças especiais”. Estamos aqui para ajudarmos uns aos outros (sua confidencialidade é sempre garantida). Que todos possam aqui se beneficiar de seu conteúdo.

Pergunta:

Se, por exemplo, alguém nasceu com um gene furioso, ou adquiriu ataque de fúria quando pequeno – seja devido ao contato com um pai furioso, ou com ressentimento profundamente embebido no decorrer dos anos – podemos realmente esperar que essa pessoa deixará de reagir com ataques de fúria? Ou se outra pessoa é avarenta por natureza (primeira ou segunda natureza) ela pode se tornar generosa?

Caro Rabi Jacobson,

Aprecio seus e-mails mas tenho um problema com essa premissa. Meu filho nasceu com o gene da fúria. É chamado Transtorno Bipolar – e é uma doença que o faz ter raiva. Seu diagnóstico chegou quando tinha 8 anos e sua primeira tentativa de suicídio foi aos 5 anos. Meu sogro também tinha o gene – e foi dado pela mãe aos 3 anos de idade para ser criado por um Rabino na Polônia, ela simplesmente não conseguia cuidar dele. Meu marido também tem um pouco disso. E minha família foi separada pela doença.

Vejo aonde você está indo com o argumento natureza/criação. Mas estados de espírito – especialmente do tipo que está descrevendo aqui – podem ser causados por química cerebral. Sabemos muito pouco sobre a maneira pela qual o cérebro funciona – e por que essas químicas são desencadeadas em excesso ou em doses inadequadas – mas sabemos que raivas, ataques, depressão, são na verdade “incontroláveis” (mas medicação e psicoterapia ajudam a pessoa a manter o controle).

Uma criança que é desafiada numa área particular é abençoada com outras poderosas forças – forças que não foram dadas a elas sem esses desafios.

Sei que a Torá nos ordena mudarmos nossos humores em certas épocas do ano ( e até nos dá “dicas” e orientações para nos ajudar a manter o humor – ex., nenhuma música durante a sefira (o período de 49 dias da contagem do Omer) ou no período matinal ou beber Ad Lo Yodá (além da compreensão em Purim) mas há estados de espírito que precisam mais do que orientações da Torá, e B’H, Ele abriu nossos olhos para o milagre da química cerebral e nos dá entendimento e medicações para ajudar na doença mental.

Até uma Personalidade Bipolar Divina pode precisar de um pouco de ajuda (além da tefilá [prece])… A premissa de que estados de espírito são totalmente controláveis é uma que pode realmente MAGOAR a comunidade em geral e impedi-los de dar o apoio que precisam para lidar com doença mental em seus entes queridos.

Resposta:

Cara Judith,

Obrigado pelo seu e-mail esclarecedor. Suas opiniões são bem colocadas. Numa nota pessoal, meu coração vai até você e respeito sua força para enfrentar os desafios com tamanha dignidade. Recomendo a você canalizar suas experiências no livro que escreveu que pode e deve ser de grande ajuda a muitas pessoas que enfrentam o desafio de um filho bipolar.

Concordo com tudo que você escreve e estou contente porque você deu valor aos meus comentários. Para o benefício de outros, temos sua permissão para postar seus pensamentos (com ou sem o seu nome, se preferir)? Eu deveria ter divulgado isso, mas meu artigo não estava abordando traços de personalidade que não estão em nosso controle – como a cor dos nossos olhos ou desequilíbrios químicos.

Obviamente, cada um de nós tem genes inerentes, traços ou outras forças que estão além do nosso controle. Porém, a premissa do meu artigo é aplicável a todas as pessoas e todas as situações. Se somos meros seres humanos então a mudança fundamental é impossível assim como um tigre mudando suas listras; porém, sermos entidades Divinas nos permite possibilidades indescritíveis. Essas possibilidades incluem mudar ou transcender algumas das nossas faculdades “naturais” ou “inerentes”. Mas elas também incluem a capacidade de criar algo novo e inesperado, e realmente “mudar” até áreas que não parecem possíveis para mudar diretamente pelo menos no sentido técnico.

Até uma criança ou adulto com bipolaridade é um ser Divino com forças e desafios únicos. Jamais poderemos entender os caminhos misteriosos de D'us, mas sabemos que essa criança é especial e tem um papel indispensável a desempenhar na coreografia Divina. A criança – e os adultos em volta – podem não ter controle sobre seu humor, seus altos e baixos, mas temos controle sobre nossa atitude sobre como reagir e tratar a criança. Com frequência adultos, em seu próprio desconforto, insegurança ou ignorância, são embaraçados ou julgam uma criança especial e erradamente esperam controle do humor, o que magoa a criança e a comunidade (como você declara corretamente). Basicamente, muitas pessoas projetam suas próprias distorções sobre crianças mentalmente desafiadas.

São abençoadas com forças extraordinárias que outros simplesmente não têm. Temos o poder de abrir seu enorme potencial somente quando começamos a olhar para elas e para a vida em geral com “novos” olhos.

A abordagem da Torá é que sempre temos controle e escolha pra tratar a criança com a dignidade que ela merece e permitir que a criança brilhe com verdadeira beleza Divina. Uma criança que é desafiada numa área particular é abençoada com outras poderosas forças – forças que não foram dadas a elas sem esses desafios. Mas temos de aprender a ver e apreciar essas forças, e não impor nossas opiniões sobre aquilo que torna alguém especial. E quando mudamos nossas atitudes e “pensamos diferente”, na verdade mudamos a realidade “natural”: mudamos nossa personalidade – e até a personalidade da criança – para melhor.

Coisas maravilhosas podem brotar de uma criança tratada com verdadeira dignidade. Acabo de ouvir sobre uma mãe que ignorava todos os conselhos pessimistas dos médicos e profissionais, e engajava seu filho autista com persistência, ensinando e atingindo sem jamais desistir, mesmo quando era zombada por todos os chamados especialistas. Seu filho hoje, um adulto, ainda enfrenta desafios, mas aquilo que ela fez por ele é considerado milagroso aos olhos dos médicos. Sua sensibilidade e amor abriram dimensões no filho que ninguém julgava possíveis.

O Talmud chama um cego de “sagi nohor” [aquele que tem] “luz abundante” (sic)! Ostensivamente isso é por respeito e sensibilidade: em vez de usar um título negativo (Cego) que implica a incapacidade de ver qualquer luz, dizemos alguém que tem “luz abundante”.

Mas essa expressão não é um pouco insultante? É como chamar uma pessoa aleijada de “velocista”. Nossos sábios místicos explicam no pensamento chassídico que “sagi nohor” é na verdade uma expressão acurada da cegueira. A visão adequada é dependente do equilíbrio correto da luz e sombra. Partes do olho servem como um filtro que permite entrar uma imagem com apenas a quantidade certa de luz sem nos cegar. Quando luz demais entra ficamos cegos.

A cegueira é portanto uma forma de “sagi nohor”, permitindo luz demais entrar no olho sem nada para velar e sombrear a luz cegante. Levando um pouco mais além: o cego tem mais poder e luz que aquele que enxerga. Já encontrei algumas pessoas “com problemas na visão” que veem mais do que a maioria de nós com olhos abertos.

Jamais esquecerei as comoventes palavras do Rebe há quase trinta anos quando ele falou a um grupo de israelenses feridos, veteranos de guerra, muitos dos quais sentados em cadeiras de rodas. Em suma ele disse que se opunha ao termo “deficiente”. Se uma pessoa foi privada de um membro ou faculdade, isso indica que D'us lhe deu poderes especiais para superar as limitações, e superar as conquistas das pessoas comuns

“Você não é incapacitado ou aleijado,” disse o Rebe a eles naquela quente quinta-feira de agosto em 1976, “mas especiais e únicos, pois possuem potenciais que o restante de nós não tem.”

“Portanto sugiro,” ele continuou, com um sorriso, “é claro que não cabe a mim, mas os judeus são famosos por expressar opiniões mesmo em assuntos que não lhes dizem respeito– que vocês não deveriam mais ser chamados nechei Yisrael (“os incapacitados de Israel”, como é designado pelas FDI, mas metzuyanei Yisrael (‘os especiais de Israel’).

“Crianças especiais” não é apenas um eufemismo. Expressa o verdadeiro poder dessas crianças (ou adultos): não são pessoas incapacitadas; são especiais – abençoadas com forças extraordinárias que outros simplesmente não têm. Temos o poder de abrir seu enorme potencial somente quando começamos a olhar para eles e para a vida em geral com “novos” olhos. Não informados pela miopia das experiências humanas subjetivas, mortais, estáticas e moribundas, mas pela perspectiva dinâmica do Divino, vivo, renovador e sempre florescendo.

Portanto sempre temos uma escolha: olharmos a vida com nossas ferramentas sensoriais ou com faculdades mais profundas. Se medirmos a experiência somente num nível sensorial, então beleza, qualidade e outras virtudes são definidas pelos limites dos sentidos humanos – beleza é apenas o que parece, soa, tem gosto e cheira ou se sente belo. E quanto a todas as dimensões que jamais podem ser vistas ou ouvidas, cheiradas, provadas ou tocadas com nossas faculdades tangíveis?

Portanto temos uma outra forma de sentir a vida: com ferramentas Divinas. Então podemos ver e ouvir dimensões novas e frescas, não definidas por parâmetros convencionais.

Música, poesia, amor – e acima de tudo, a busca pelo Divino – são apenas algumas das poucas experiências transcendentais que expressam as infinitas fontes do espiritual.

Agradeço novamente a você por partilhar suas comoventes palavras.

Bênçãos e os melhores votos,

Simon Jacobson