Pela Graça de D'us
20 de Tamuz, 5709 [17 de julho, 1949]
Brooklyn, NY
Saudações e Bênção:
Recebi sua carta de 3 de Sivan. Como você não especifica qual de nossas publicações deseja, peço que entre em contato com nosso representante, Rabino Abraham Paris, que tem muitos dos nossos livros e panfletos, bem como um catálogo completo.
Como você escreveu para mim, vou me permitir a oportunidade de escrever a você.
Estou certo de que você viu escrito nos ensinamentos do Chassidismo que “de cada coisa e cada evento, a pessoa deveria extrair uma lição no serviço do homem ao seu Criador.”
Na verdade, isso é óbvio também a partir de um entendimento básico da nossa crença em D'us – ocorre apenas que o ensinamento chassídico o enfatiza. Considere: acreditamos que (a) D'us é o exclusivo Criador e governador da existência criada; (b) que D'us representa o supremo em bondade e perfeição e não tem qualquer deficiência; (c) é óbvio que não ter propósito implica uma falta de inteligência, e assim não pode ser atribuído a D'us; e (d) é ainda mais óbvio que o mesmo se aplica à circunstância do ato – seu tempo, local, etc. O que fica implícito de todo o acima é que quando um ser humano vê, ouve ou é informado de algo, há um propósito aqui que é específico a ele, individualmente. Se ele utilizar sua experiência para elevar-se – ou seja, aproximar-se do Mestre do Universo, que é a única verdadeira elevação – ele assim cumpre o intento sobrenatural ao testemunhar o evento.
No entanto, se ele não o fizer, não apenas deixa de fazer uso daquilo que lhe foi concedido, como também cria uma lacuna na dinâmica da criação, pois fez com que um processo cósmico ocorresse em vão.
Se uma pessoa deve derivar um lição na vida a partir de cada evento que testemunha, muito mais então deve fazê-lo a partir da própria vocação, na qual investe a melhor parte de seus talentos, tempo e energia.
A respeito da profissão de farmacêutico, há muitas lições que podem afetar nossa missão na vida. Vou me restringir a duas delas:
1 – Ao entrar numa farmácia e ver a grande e variada seleção de remédios e drogas que fornecem alívio e cura para todos os tipos de doenças, incluindo a mais mortal delas – o observador informado fica bastante impressionado, sem dúvida.
Porém o farmacêutico deve explicar a ele – e, mais importante, explicar a si mesmo – que tudo isso não passa de um prefácio e preparação. Para que uma pessoa doente seja realmente curada, duas coisas fundamentais devem ocorrer: (a) um especialista deve instruir qual droga específica, e qual a maneira de administrar, é adequada para esta doença; (b) isto, também, não é suficiente em si mesmo – o paciente deve realmente tomar o remédio.
Aplicando à nossa vida cotidiana: todo e cada indivíduo é um emissário do Todo Poderoso, e recebeu sua “porção específica do mundo” para “curar” e retificar. Ele também recebeu os “remédios” e meios com os quais pode conseguir isto. Porém tudo é apenas um preâmbulo e preparação, pois ele ainda precisa de um especialista para instruí-lo sobre quais “remédios” deve aplicar para corrigir sua “porção” e seu próprio ser hoje, qual para amanhã etc. Caso contrário, ele pode prejudicar em vez de curar, destruir em vez de construir.
(Algumas pessoas poderiam argumentar: “A comunidade inteira é sagrada,”1 incluindo eu mesmo. Vou consultar o Código da Lei Judaica para saber o que deve ser feito, tanto a meu respeito quanto sobre a minha missão na vida. O resultado de uma abordagem dessas pode ser entendido considerando o caso de uma pessoa que, tendo aprendido a ler, adquire textos médicos e instrumentos e começa a praticar medicina…)
Então deve vir a coisa básica – sair e fazer o trabalho de “curar” a si mesmo e o mundo. A pessoa pode ser um erudito, e estimar muito este “médico especialista”, e comprar os remédios na maneira exata que o doutor prescreve; mas se não os tomar realmente, ainda não começou a obra da cura.
Ele poderia ter muitas boas desculpas: a hora não é propícia, não é o local apropriado, ele não tem a influência etc. Mas tudo que uma desculpa pode fazer é determinar o grau de sua culpabilidade – ele é culpado, apenas negligente ou totalmente absolvido? A desculpa mais impecável não irá curar a doença que ele deveria tratar. E como, sem dúvida, a Divina intenção é que ele obtenha a cura, seus argumentos são obviamente falhos e prejudicados pelo auto-interesse.
2 – Ao entrar no interior da farmácia, a pessoa nota uma seção marcada com um aviso: Cuidado! Veneno Mortal! A pessoa poderia perguntar-se o que o veneno está fazendo num lugar destinado a curas e melhorias? Mas a pessoa informada entende que algo que em circunstâncias normais e quantidades certas é veneno para uma pessoa saudável pode em circunstâncias especiais e pequenas dosagens ser o único tratamento que pode salvar a vida de alguém que está doente.
Aplicado à nossa vida diária: A Torá é uma “lei benevolente”2 e “todos os seus caminhos são de prazer e paz.”3
Apesar disso, ordena: se você for convidado à casa de seu amigo e houver dúvida sobre a cashrut daquilo que está sendo servido, é proibido a você participar da refeição, mesmo que isso cause ofensa. Se o seu amigo viola o Shabat e há esperanças de que o seu protesto impeça isso, você é obrigado a fazê-lo. Se uma determinada instituição adquiriu controle de crianças judias e as está despindo de sua fé, é sua obrigação opor-se a isso e anunciar que embora essa instituição possa estar salvando a vida temporal dessas crianças, está destruindo a vida eterna de suas almas. É sua obrigação salvar a vida dessas crianças de todas as maneiras possíveis, incluindo meios escusos e ilegais.
A mente poderá objetar: Sou uma pessoa civilizada; além disso, a própria lei da Torá declara que “o comportamento civilizado vem antes da Torá.”4 Como posso quebrar a lei da terra e raptar crianças? Como posso ir para as ruas e demonstrar contra tal e tal violação do Shabat e insultar alguém em público?
A resposta é que, de fato, para pessoas e circunstâncias saudáveis isso é um veneno mortal; mas no caso de doença crítica é o único remédio que pode salvar uma vida.
Um exemplo muito mais sutil, sobre o relacionamento do homem com D'us: Existem aqueles que consideram errados os chassidim que estudam Chassidut e meditam longamente antes das preces matinais e, como resultado, rezam depois da hora prescrita.
Mais uma vez, a resposta é que para pessoas e circunstâncias saudáveis isso de fato é prejudicial. Mas para aqueles doentes da alma, é impossível fazer diferente. Pois sem tal preparação eles rezariam apenas com os lábios e não com o coração, e suas preces seriam inválidas (veja Mishnê Torá, Leis da Prece 4:15; Shulchan Aruch HaRav, Orach Chaim 98; Tanya, parte 5, págs. 307-309).
No entanto, e isto é o mais importante, assim como na parábola: a pessoa deve tomar muito cuidado para que este “veneno” não seja tomado em dose muito alta, e que tudo deve estar de acordo com as instruções de um “médico qualificado”.
Minha carta ficou longa; concluo com meus melhores votos. Se houver algo acima com o qual você discorde, gostaria que me informasse e o porquê.5
[Assinaturado Rebe]
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