Quem sentou shiv’á pelo Rebe de Lubavitch? Tecnicamente, ninguém; na verdade, quase todo mundo.

Devido a uma tecnicalidade trágica não houve shiv’á formal pelo Rebe. Ele não deixou família, e portanto, ninguém obrigado a pranteá-lo. Deixou, entretanto, um mundo judaico despojado, o qual perdeu um homem de grande intensidade espiritual e intelectual, um ser humano de força incalculável mas, acima de tudo, uma pessoa que amava todos os judeus incondicionalmente.

Muito do que tem sido escrito e dito desde o falecimento do Rebe tem como ponto focal o que irá acontecer no futuro: Qual será o destino do Movimento Chabad-Lubavitch? Haverá um outro Rebe e, caso haja, quem?

No período de luto, entretanto, nossas atenções deveriam mais apropriadamente estar voltadas àquele que perdemos, e portanto, ao que ele representava. O que ele era está condensado na seguinte história.

Um de seus maiores admiradores e devotados seguidores, Sr. George Rohr, que criou e conduz o serviço dos iniciantes em nossa congregação, Kehilat Jeshurun, veio ao Rebe há três anos, logo após Rosh Hashaná. Sr. Rohr contou-lhe orgulhosamente: “Rebe, o senhor ficará contente em saber que tivemos 180 pessoas para os serviços de Rosh Hashaná que vieram a nós sem nenhuma base.”

Os olhos do Rebe cintilaram ao responder: “Você está errado; eles têm uma base. São os filhos de Avraham, Yitschac e Yaacov.”

Esta resposta concentra uma visão do mundo plena de Ahavat Yisrael no seu âmago. O Rebe via cada judeu como parte da família, como tendo a mesma origem de Avraham, Yitschac e Yaacov e, portanto, tendo o mesmo potencial para uma vida judaica plena.

Para ajudar cada um de nós a realizar este potencial, o Rebe reinventou o “outreach” (contactar judeus afastados ou indiferentes sem esperar que tomem a iniciativa para retornar ao judaísmo) – uma filosofia que é fundamental à Chassidut Chabad (baseada no versículo: “Expandirás em direção ao Oeste e Leste, ao Norte e ao Sul” (Bereshit, 28:14) – e a transformou num Movimento poderoso que literalmente moveu pessoas através do mundo todo.

O impulso do Rebe, que gerou uma variedade de outros esforços por vários grupos judaicos, expressou-se em quatro níveis. O primeiro foi em direção aos abandonados. O Rebe mandou emissários pelo mundo todo, para contactar judeus que, de outra forma, teriam sido esquecidos. Os emissários foram simplesmente porque o Rebe mandou. Entrincheiraram-se em comunidades e, em geral, conseguiram os mais frutíferos resultados.

Vi três desses emissários há dez anos em Casablanca, que lá haviam estado por 25 a 30 anos. É impossível imaginar a vida judaica no Marrocos sem estes três rabinos e suas famílias. Vi emissários de Chabad na Rússia, durante os primeiros dias do movimento judaico soviético, trabalhando febrilmente para que acontecesse um renascimento espiritual. Foram pessoas que, sob outras circunstâncias, teriam preferido ir para Israel ou para outros lugares. Permaneceram porque assim lhes disse o Rebe.

Vi emissários de Chabad criando uma vida religiosa em Ladispoli, nos arredores de Roma, por onde dezenas de milhares de emigrantes judeus russos passaram a caminho do ocidente ou Israel. Não tinham base alguma, literalmente, exceto por sua origem em Avraham, Yitschac e Yaacov.

Os emissários de Chabad criaram uma escola e uma rede de instituições sociais e educacionais que trouxesse a essas pessoas, pela primeira vez na vida, o conhecimento, o sentimento e o espírito do judaísmo.

Numa visita com o Gabinete Rabínico do Fundo Comunitário Norte-americano à Ladispoli, um de meus colegas de outro movimento expressou aborrecimento por que os shluchim de Chabad pareciam ter o monopólio da vida judaica naquela localidade. Perguntei-lhe: “Existem rabinos reformistas aqui? Existem conservadores? Que tal ortodoxia moderna? Ninguém está aqui, salvo os emissários do Rebe. Foi o Rebe que atingiu os abandonados”.

O segundo nível de “outreach” foi com desinformados e os não iniciados. O Rebe criou os “tanques de mitsvá”, que percor¬riam as ruas de New York e outros lugares. Quantos de nós fomos parados na Quinta Avenida e inquiridos: “Colocou tefilin hoje? Fez a bênção do lulav hoje? Gostaria de vir à nossa sucá-móvel e fazer uma berachá?”

Havia uma filosofia aqui, dizendo ser nosso trabalho levar um judeu a fazer uma mitsvá. Nunca se sabe a conseqüência de uma boa ação – que leva muitas pessoas a expressarem seu judaísmo mais plenamente que antes.

O alcance foi ampliado até os campus universitários, onde freqüentemente encontram-se casais Chabad – ambiente que sabemos constituir um desastre para a continuidade judaica.

Chabad está em El Paso, Hamptons e nos mais longínquos recantos da América. Às vezes, estes postos avançados criam problemas na comunidade. Nem sempre aproximam as pessoas. Ocasionalmente, podem mesmo criar divisões. Nenhum movimento está livre de falhas e imperfeições. Mas, de forma geral, Chabad está onde os judeus estão, e, particularmente, judeus com pouca base, exceto por serem descendentes de Avraham, Yitschac e Yaacov.

Um terceiro nível de alcance é para os próprios religiosos. Quanto a esse grupo, o Rebe incentivou a terem um maior envolvimento. Estudarem a obra do Rambam (Maimônides) diariamente. Divulgar e incentivar a prática das mitsvot ao seu redor e para todos.

O Rebe era conhecido por ter, certa vez, dito a um judeu religioso que deveria pensar em D’us enquanto estivesse ocupado com negócios durante a semana. O judeu ficou surpreso. “Como posso pensar em D’us enquanto me ocupo de negócios?”

O Rebe, com seu maravilhoso senso de humor, replicou: “Muitas pessoas parecem não ter dificuldades para pensar em negó¬cios enquanto estão na sinagoga. Por que não pensar na sinagoga e em D’us quando estão cuidando de seus negócios?”

Dificilmente haveria algum de nós que não se sentisse tocado e inspirado pelo chamado do Rebe e seu alcance na comunidade religiosa.

Além do Movimento, além das chamadas à ação, havia um homem que estava pronto a encontrar qualquer judeu, noite e dia. Quantos de nós tivemos o privilégio de ficar perante o Rebe, mesmo que por dois minutos apenas, e contemplar aqueles faiscantes olhos azuis olhando-nos individualmente, de alguma maneira enxergando através de nossas máscaras, compreendendo, e oferecendo uma palavra e um dólar como tsedacá, que nos desse conforto, encorajamento e inspiração.

Lembro-me de uma destas ocasiões, anos atrás, numa manhã de domingo, Rosh Chôdesh Sivan. Havia 3.000 pessoas na fila, aguardando para encontrar o Rebe. O que eu apenas soube depois era que o Rebe não costumava dormir nas noites de sexta-feira ou na noite de Rosh Chôdesh. E só depois que ele, de pé, me deu atenção, e preparava-se para fazer o mesmo com as outras 3.000 pessoas que aguardavam na fila, é que eu soube que ele não havia dormido por mais de 48 horas. Tinha 87 anos àquela época.

Isso foi nada menos que um ato heróico de força, da parte de um homem inspirado movido por um insaciável amor por todos os judeus – os abandonados, os não filiados, os filiados – um amor expresso em seus programas, suas políticas e acima de tudo, sua pessoa.

Quem sentou shivá pelo Rebe?

Tecnicamente, ninguém; na verdade, quase todos.