O que você faz se estiver comemorando e se alegrando com os amigos, e o homem que se opõe a você em suas maiores batalhas da vida aparece na festa?
Isso foi o que ocorreu em Simchat Torá no ano 1975, na sede de Chabad-Lubavitch, no número 770 da Avenida Eastern Parkway. Milhares de Lubavitchers lotavam o local, ao lado de qualquer outra pessoa que desejasse participar das hakafot [dança com a Torá] mais alegres do mundo no dia mais alegre do ano.
Este era apenas o homem errado na festa errada.Os gabaim — estimados administradores oficiais — da sinagoga tentavam freneticamente trazer alguma ordem à cerimônia, enquanto procuravam o contingente do consulado israelense que vinha participar todos os anos.
Foi quando eles viram Haim Cohn. E eles não sabiam o que fazer. Este era apenas o homem errado na festa errada.
Quem foi Haim Cohn?
Para os israelenses, ele ainda é conhecido como um dos principais arquitetos da lei israelense, um grande pensador e defensor dos direitos humanos. De fato, ele estava em Nova York para a Assembleia Geral das Nações Unidas, representando Israel na Comissão de Direitos Humanos. Mas Haim Cohn também era bem conhecido por sua feroz oposição a todas as coisas religiosas, especialmente quando diziam respeito ao Estado de Israel.
Cohn veio de uma família de estudiosos da Torá profundamente religiosos em Lübeck, Alemanha. Em 1929, com a idade de dezoito anos, Cohn partiu para Jerusalém, onde estudou com o rabino Abraham Isaac Kook, que ele passou a admirar muito, e na Universidade Hebraica. Voltou à Europa para se formar em direito na Universidade de Frankfurt, casando-se ali com uma jovem que não se interessava por religião.
Após retornar à Terra Santa com a ascensão do Terceiro Reich em 1933, ele gradualmente se afastou não apenas, mas contra o judaísmo da Torá, opondo-se ativamente aos rabinos, tanto como autoridade da lei israelense quanto como membro da T'hila, Movimento para o secularismo judaico israelense.
“O Elisha ben Avuya de nossa geração”, foi o título dado a ele pelo rabino Tzvi Yehuda Kook, filho de seu antigo mentor. Elisha ben Avuya foi um brilhante sábio do Talmud, professor do rabino Meir, que se voltou para a heresia. Fumaça subia de seu túmulo, conta o Talmud, por mais de cem anos – e isso foi depois que os sábios rezaram pela misericórdia de sua alma. “Porque ele conhecia a grandeza de D'us e mesmo assim se rebelou.” 1
Os gabaim conheciam a condenação direta que surgiria em muitos lugares se eles dessem a Haim Cohn qualquer participação na cerimônia.Cohn divorciou-se de sua primeira esposa e viajou para a América para um casamento secular com uma mulher que já havia sido casada - um ato que estimulou a fúria dos rabinos em Israel. Pela lei da Torá, um descendente de Aharon, um cohen como Haim Cohn, é proibido de se casar com uma divorciada.
Mas talvez o que mais preocupou os gabaim foi o papel de Haim Cohn na controvérsia sobre “Quem é judeu”.
Este era um tópico que o Rebe havia abordado incessantemente nos cinco anos anteriores, alertando na linguagem mais forte imaginável que o compromisso em uma questão tão central representava um perigo existencial para a nação judaica. Haim Cohn, por outro lado, como juiz da Suprema Corte de Israel, defendeu que o judaísmo, como o estado, é uma construção social, e qualquer um que se identifique pessoalmente como judeu deve ser abraçado pelo estado como judeu.
Os gabaim que viram este homem diante deles conheciam bem a controvérsia, na verdade, a condenação direta surgiria em muitos lugares se lhe dessem qualquer parte na cerimônia. Não é de admirar que permaneceram parados.
O Peso da Torá
Mas o Rebe notou a hesitação dos gabaim e protestou. “Um judeu quer tomar o jugo da Torá”, ele os repreendeu, “e vocês não irão dar a ele?”
O Rebe comprou pessoalmente a leitura do primeiro verso da cerimônia e disse algo a um gabai, que então gritou: “Nós honramos o ilustre Juiz da Suprema Corte, Reb Haim haKohen, com o verso, “Atá Hareisa”.
Haim Cohn gritou seu verso, alto e orgulhoso, e o Rebe, os gabaim e a multidão de chassidim o seguiram em pleno coro.
O episódio não havia terminado. Quando os gabaim retiraram os Rolos da Torá, o primeiro e o mais pesado – aquele conhecido como “Sefer Torá de Mashiach” – estava indo direto para Haim Cohn.
Novamente o gabaim hesitaram. Afinal, este era um rolo de Torá muito pesado, e Haim Cohn não era jovem. Faria mais sentido entregar a ele uma das torot menores e mais leves.
O Rebe olhou Cohn diretamente nos olhos. Ele perguntou: “Você está pronto para aceitar sobre si o peso do jugo da Torá?”
“Você está pronto para aceitar sobre si o peso do jugo da Torá?” o Rebe perguntou a ele.Se você nunca experimentou esse olhar, é difícil relatar. Dois olhos azuis afiados perfuram sua carne até seus ossos e profundamente em sua alma. Não há onde se esconder e nada de você que permaneça escondido diante daqueles olhos.
Haim Cohn respondeu afirmativamente. Os gabaim cedeu.
Quando o canto e a dança começaram, Haim Cohn ainda estava segurando sua Torá, cantando e dançando junto com os membros do consulado e os chassidim por três quartos de hora. Mesmo enquanto o Rebe cantava, batia palmas e encorajava a multidão com alegria explosiva, seus olhos nunca deixaram Haim Cohn.
Naquela noite, Cohn voltou ao hotel. Voltou a Israel, ao seu posto e às suas opiniões. Dez anos depois, ele ainda escrevia sobre “Who Is a Jew”, “Quem é Judeu”, sem qualquer desvio de sua posição original.
Um Olhar Mais Profundo
Se você nunca encontrou o Rebe, se você não conhece seus caminhos, você pode interpretar mal esta história.
Você poderia dizer: “O Rebe era muito inteligente. Ele sabia como lidar com seus detratores. Ele sabia que, em vez de discutir com um judeu, era melhor fazer amizade com ele. Dessa forma, você tem uma chance muito maior de alistá-los em sua causa – ou pelo menos mitigar seus tiros. Pena que não funcionou neste caso.”
Mas esse não era o Rebe. E a prova: neste caso, o risco era grande demais para fingir.
Com total confiança, o Rebe declarou que este judeu estava aqui com um propósito: “aceitar o jugo da Torá”. E ele até arriscou perguntar publicamente a um homem que lutou contra a Torá por 30 anos – sem nenhum sinal de arrependimento: “Você está pronto para aceitar o jugo da Torá?” E se Cohn tivesse dito “não”?
E mesmo que ele não dissesse não, e se ele não quis dizer o que disse? O Rebe era certamente um defensor quando se tratava de halachá. Como ele poderia permitir entregar um Rolo da Torá a um homem conhecido por sua luta contra coisas sagradas para o povo judeu – e pedir-lhe para liderar uma congregação inteira em Simchat Torá (como de fato os críticos do Rebe exigiram saber ao ouvir a história)?
Mas o Rebe não viu diante dele uma oportunidade de vencer um jogo. Ou para ganhar um novo adepto. Ou até mesmo para ganhar terreno.
O Rebe viu diante dele um judeu. E ele acreditou naquele judeu. Ele acreditava que, independentemente de tudo o que esse judeu havia dito e feito nos últimos trinta anos, um Rolo da Torá permaneceu para ele o objeto mais precioso e sagrado do mundo. E que seu desejo mais íntimo e profundo era carregar e abraçar essa Torá.
E isso ajudou? Digamos que não. Mas, conforme escreveu o primeiro Rebe de Chabad em sua obra clássica chamada Tanya, quando você vir um judeu que não está fazendo a coisa certa, puxe-o com cordas grossas de amor. Talvez ele mude seus modos, talvez não. De qualquer forma, você cumpriu a mitsvá de amar outro judeu. Mas acredito que ajudou.
Veja, anos depois, um certo Chabadnik fez amizade com um certo israelense que morava em Manhattan. Antes de Simchat Torá, ele o convidou para vir ao 770 e celebrar com o Rebe.
O Rebe viu diante dele um judeu. E ele acreditou naquele judeu.Mas o homem se recusou, inflexivelmente. “Tenho um amigo”, explicou ele, “que foi lá há um ano. E isso mudou sua mente sobre muitas coisas. Não estou interessado em mudar de opinião sobre nada. Eu não vou."
O amigo, como você deve ter adivinhado, era Haim Cohn. Externamente, talvez, pelo menos no imediato, nada mudou. Mas então, Maimônides escreve em suas Leis do Arrependimento que se um judeu se arrepende nos recessos de seu coração, mesmo que ele permaneça recalcitrante, seu arrependimento é aceito e sua quota no Mundo Vindouro restabelecida.2
E, eventualmente, como Maimônides escreve em uma famosa carta aos judeus do Iêmen, esse judeu chegará a um arrependimento completo. Conforme o versículo: “Voltem, filhos rebeldes, e eu curarei o seu retorno”.3
Judaísmo como Fé nos Judeus
Algumas pessoas hoje perderam a fé em seus companheiros judeus. Com a fusão de política e religião e a força intensamente polarizadora das mídias sociais, alguns chegaram ao ponto de declarar que nos tornamos, D’us não o permita, dois povos separados.
Tal percepção só pode surgir quando nossos olhos não enxergam sob a aparência mais externa de um judeu. Quando julgamos as pessoas por seu comportamento, por suas opiniões declaradas, por suas escolhas nas urnas que vão contra as nossas. Mas isso não é judaísmo. O judaísmo não é uma ideologia ou mesmo um conjunto de práticas que determinam se o mantemos como judeu ou o expulsamos como um estranho.
O judaísmo não é sobre quem está dentro e quem está fora, mas sobre a fé absoluta em seu companheiro judeu, que o seu desejo mais profundo é abraçar a Torá.Em vez disso, o judaísmo é uma sabedoria divina, conhecida como Torá, que, quando apresentada em toda a sua autenticidade, tem a capacidade única de despertar a centelha interior de um judeu, conectando assim todos nós como um só povo com uma só Torá e um único D'us. Conecte-se com aquele outro judeu e você verá o bem que está lá. Provavelmente não está tão longe da superfície. Você pode até descobrir que há muito mais coisas com as quais concordam do que discordam.
Assim como Haim Cohn e o Rebe. Cohn era um defensor dos direitos humanos, algo que imagino que o Rebe admirava nele. Ele também era conhecido por visitar os prisioneiros que ele havia condenado à prisão, para garantir que eles fossem bem tratados. "Se eu pudesse", disse ele uma vez, "destruiria as prisões". Curiosamente, o Rebe disse praticamente o mesmo ao juiz J. B. Weinstein.
Então, quando você ver outro judeu em sua festa, mesmo que ele não seja a pessoa que você quer ver lá, mesmo que você pense que ele é um pecador, mesmo que você acredite que ele está destruindo ativamente os elementos mais sagrados e essenciais de nosso povo, mesmo que ele votou no partido que você mais despreza, olhe mais a fundo.
Por mais que você acredite em D'us, acredite naquele judeu.
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