Lembro-me da empolgação que senti quando cheguei ao portão para meu primeiro voo, quando criança. Apertei meu cinto de segurança, e depois do que parecia uma eternidade, o avião taxiou e levantou voo. Olhei enquanto o solo se afastava, simultaneamente apavorada e encantada, como somente uma criança pode ficar. Eu estava acostumada com montanhas russas e rodas gigantes, mas isso era realmente impressionante! Então entramos nas nuvens, e era como estar numa bola enorme, de algodão branco.

O avião continuou a subir, e emergimos das nuvens. Da minha janela, eu podia ver o céu mais azul imaginável e um sol brilhante. Até aquele dia, quando eu olhava para cima do chão e via nuvens, eu presumia que elas se estendiam até o espaço sideral.

Jamais me ocorrera que acima delas, o céu azul e a luz do sol reapareciam! Uau, pensava comigo mesmo, é sempre um dia ensolarado se você subir o suficiente!

Com certeza eu era jovem demais para saber como escrever a palavra “epifania”, mas era aquilo que aquele momento era. Sim, as coisas podem parecer cinzentas e sombrias no solo, mas diretamente acima de você – se você pudesse olhar longe o suficiente – a escuridão se transforma em luz. Está ali, um pouco além das nuvens.

A mensagem espiritual era clara, até para uma criança: os seres humanos podem somente ver até ali, mas se tivermos a habilidade de ver tudo através dos olhos de D'us, veremos o “brilho do sol”, a bondade, em tudo que Ele criou. Este conceito é tão importante que o primeiro capítulo da Torá ensina isso. D'us criou o universo inteiro em seis dias. Cada dia da Criação é descrito, detalhe por detalhe. Ele criou a luz, e Ele a considerou “boa”. Ele separou a terra do mar, e a considerou “boa”. Ele trouxe vida à planta e a considerou :boa”. E o sol, lua e estrelas foram criados e considerados “bons”. Assim foram os peixes e os animais da terra. Ele terminou criando os seres humanos e “viu D’us tudo o que fez, e eis que era muito bom.” (Bereshit 1:31).

Incluídas nas criações de D'us estavam coisas que normalmente não consideramos como boas. Animais ferozes. Cobras venenosas. Desastres naturais. E mesmo assim, D'us considerava tudo “bom”. O Talmud (Berachot 54a) aborda este conceito contra-intuitivo: “Uma pessoa é obrigada a abençoar D'us pelo mal, assim como ele abençoa a D'us pelo bem... qualquer coisa que Ele envia a você, seja boa ou má, você tem de agradecer a Ele.” Por quê? Porque é sempre um dia ensolarado se você subir o suficiente. Sob a visão de D'us, tudo é bom.

Décadas depois, em outro voo, tive uma experiência diferente. Dessa vez, quando passamos pela nuvens, o sol brilhou diretamente em meus olhos, e fiquei cega pelo brilho. Naquele momento, tive outra epifania: Se está muito escuro, ou muito brilhante, o efeito é o mesmo. Você não pode ver claramente.

Tanto a escuridão quanto a luz brilhante podem nos cegar para o que está bem na nossa frente. Às vezes, estamos presos ao chão na escuridão, e não podemos ver o céu ensolarado acima da nossa cabeça no outro lado das nuvens. E às vezes, a vida está indo bem para nós, e estamos passando acima das nuvens, mas ficamos tão cegos pelo sol que deixamos de aproveitar e apreciar nossa boa sorte. Em ambos casos, somos incapazes de ver claramente.

O Talmud (Brachot 54a) lista muitos exemplos disso. Fazemos bênçãos após ver “terremotos”, trovão, ventos ou relâmpagos” – todos os fenômenos naturais que causam grande dano. E também pronunciamos bênçãos ao ver “montanhas, colinas, mares, rios ou desertos” – fenômenos naturais cujo poder e beleza poderíamos ignorar ou tomar como certos.

Esses dois voos – um quando criança pequena e outro como adulto – me proporcionaram imagens mentais duradouras para ajudar a entender esses dois conceitos espirituais. Quando eu furei através das nuvens naquele primeiro voo, entendi que não importa o quão sombrias as coisas possam ser, céus azuis e brilho do sol esperam no outro lado. As nuvens podem encobrir às vezes, mas eles estão ali. E naquele vôo posterior, eu entendi que é tão fácil perder os bons momentos da vida... deixe todo aquele sol te cegar para as bênçãos em sua vida.