Em 1939, durante a invasão nazista na Polônia, o Rebe Anterior estava morando em Varsóvia, e assim que eles ocuparam a cidade, ele foi preso. Após esforços políticos e diplomáticos de alto nível, o Departamento de Estado Americano contratou a ajuda do serviço de inteligência militar Alemão Abwehr – os Estados Unidos ainda não tinham entrado na guerra – para levar clandestinamente o Rebe sob olhos da SS nazista.

Porém os Estados Unidos estavam relutantes em deixar o Rebe entrar no país sem provar que ele podia se sustentar ou que tinha um patrocinador para atestar sua independência financeira. Hoje, você poderia caminhar pela rua e encontrar dez pessoas que iriam patrocinar o Rebe. Mas estamos falando sobre 1939. As pessoas não tinham dinheiro, e poucas estavam dispostas em assumir aquele tipo de responsabilidade financeira. E foi assim que meu pai, Julius Stulman, se conectou pela primeira vez com Lubavitch.

Meu pai era um homem extraordinário. Ele possuía pouca educação – judaica e secular – e provavelmente era disléxico também , embora ele nunca quisesse ser classificado daquela maneira. Mas, ele tinha uma mente brilhante e era um empresário brilhante que conseguiu ganhar dinheiro em todos os anos da Depressão. A certa altura, ele adquiriu alguns imóveis na orla do Brooklyn, o que colocou-o em contato com um advogado imobiliário chamado Sam Kramer. Além de tornar-se seu advogado, Sam também tornou-se um amigo.

Agora, Sam foi um dos primeiros amigos desde o estabelecimento Lubavitch americano, atuando como seu conselheiro legal, e ele aparentemente falou com meu pai sobre trazer o Rebe. Eu somente soube disso depois que ele morreu, mas foi meu pai que assinou a declaração juramentada permitindo que o Rebe e sua família imigrassem.

Meu pai encontrou o Rebe pouco depois, enquanto ainda estava hospedado no Hotel Greystone em Manhattan, logo após sua chegada ao país em 19 de março de 1940. O Rebe já tinha ouvido falar dele na Polônia, e eles tiveram uma conexão imediata e instintiva. Ele tinha apenas trinta e três anos e seu pai tinha falecido quase uma década antes, portanto, o Rebe realmente se tornou o pai espiritual do meu pai.

No ano seguinte, quando eu tinha dez anos de idade, lembro claramente que meu pai me levou ao 770 e fomos até o escritório do Rebe.

Lembro-me da presença poderosa do Rebe, sua face rodeada por uma grande barba e um grande shtreimel. Ele não podia falar muito bem naquele estágio de sua vida, portanto ele estava sussurrando para meu pai, mas então olhou para mim. Era como se ele entrasse bem dentro de mim. Não me lembro de nada que foi dito, mas nunca senti nada como aquele olhar. Seu genro e futuro sucessor Rabi Menachem Mendel Schneerson, então conhecido como o “Ramash”, também estava lá.

Embora o relacionamento do meu pai com o Rebe Anterior fosse mais emocional, pessoal e espiritual, com o Ramash era mais intelectual. Próximo em idade, meu pai se sentava num banco com ele fora do escritório de seu sogro, como amigos, discutindo vários assuntos. Como diretor do Merkos L’Inyonei Chinuch, o braço educacional Chabad, o Ramash estava sempre focado na educação judaica, especialmente na educação das mulheres, o que raras pessoas falavam naqueles dias.

Após a morte do meu pai, quando eu estava organizando seus arquivos, encontrei as atas de uma reunião que eles tiveram juntamente com algumas outras pessoas.

Referindo-se à leitura da Torá da semana, o Rebe Anterior apontou que quando foi para construir o Santuário no deserto, o Mishcan, D'us instruiu Moshê a chamar o povo para participar com contribuições. Duas expressões são usadas para referir-se ao pedido, ou consagração, dessas oferendas.

Primeiro diz: “Ele devem pegar Minha oferenda.” Então, no versículo seguinte, menciona “a oferenda que você pega deles.” A conotação é que, com caridade, dois componentes são exigidos, um é a carteira, o outro é o coração. Quando a Torá diz que a doação deveria vir “deles”, está se referindo à generosidade que vem do interior da pessoa.

“Eu estou consciente,” o Rebe continuou, “que no que diz respeito a doar da carteira, o Sr. Stulman tem contribuído para a yeshivá e outras causas dignas. Mas agora eu desejo sugerir ao Sr. Stulman uma maneira na qual ele poderá se envolver com todo seu coração, algo que irá se tornar sua tarefa essencial. E, como dizem nossos Sábios, mais do que o doador faz ao pobre, o pobre faz pelo doador.”

O Rebe prosseguiu dizendo que durante os dois anos e meio passados, Merkos estava operando em uma configuração piloto, sem qualquer esforço sistemático feito para conseguir fundos ou outros preliminares. Quando algo tinha de ser feito, ele destacou, o método de seu santo pai – o Rebe Rashab – era de fazer, e mais tarde assegurar os meios financeiros. Assim, no período inicial, ele tinha aceitado o fardo de ele próprio levantar fundos. Agora que o sucesso deste teste foi definido, tinha chegado a hora de colocar a organização num nível adequado.

Após passar por alguns dados estatísticos mostrando como era insatisfatório o estado da educação judaica na América, o Ramash mencionou duas áreas particulares onde era exigida uma pronta ação. Matricular crianças em um programa semanal “Release Time” [um programa criado pelo governo americano que virou lei municipal para que crianças de qualquer credo, alunos de escolas públicas, tivessem uma hora livre semanal para participarem de uma aula sobre a sua religião], e a necessidade de livros didáticos e literatura judaica adequados.

O Rebe Anterior então declarou que, para o presente, o estabelecimento de dez novas instalações educacionais para meninas, levando um adicional de 10.000 criança para o programa “Release Time”, e produzindo literatura para uso neste programa eram consideradas grandes prioridades. Para ajudar a financiar essas atividades, ele propôs estabelecer uma Fundação Stulman, com Sr. Stulman como Presidente do Conselho de Curadores.

Além de seu grande respeito e apreciação por Lubavitch, meu pai contribuía generosamente com esses tipos de atividades, mas aquilo não era exatamente onde ele estava. Ele não era um judeu tradicional, observante, ou uma pessoa tradicional, parra esse assunto. Ele queria mudar o mundo. Enquanto isso, o Rebe Anterior dizia: “Há uma casa pegando fogo, e temos de salvar os judeus que estão dentro dela! Nossas prioridades devem ser judeus e manter o Judaísmo vivo.” Meu pai também era um idealista, e o Rebe era muito prático. Essas eram as constantes conversas que eles mantinham.

Quando meu pai escreveu para contar o que estava fazendo, o Rebe disse: “Isso é bom, mas e quanto à educação?” Às vezes ele me mostrava estas cartas e dizia: “O Rebe não está errado.” Eles sempre se respeitaram, mas meu pai sentia que ele tinha uma maneira diferente.

Eu também tinha grande respeito por ambos os Rebes. O Ramash enviou-me uma carta maravilhosa pelo meu Bar Mitsvá, e frequentei algumas das suas reuniões públicas quando ele era Rebe. Porém, eu não queria ter uma audiência privada com ele, embora as pessoas me convidassem ao longo dos anos. Era tolice mas eu tinha esse sentimento de que o Rebe iria mudar minha vida, e eu não queria que minha vida fosse mudada. O Rebe disse ao meu pai para começar a colocar tefilin, e meu pai o fez. Então talvez seja por isso que eu fiquei longe.

O Rebe era o grande líder espiritual do nosso tempo. O Judaísmo tinha se tornado frio e impessoal, os judeus estavam sendo alienados, e o Rebe trouxe um fogo para o Judaísmo. Mesmo assim, continuei distante, eu não queria chegar muito perto do fogo.