Sou basicamente uma daquelas pessoas do tipo de “carne e osso”. Embora os escritos e os ensinamentos do Rebe sejam de grande importância para mim, continuo a sentir o Rebe como uma parte muito ativa, envolvida em minha vida, mas mesmo assim sinto falta da conexão de carne e osso.
Talvez eu deva me desculpar por não ter me elevado a alturas espirituais maiores. Pois se eu tivesse atingido essas alturas, então talvez minha conexão espiritual com o Rebe fosse suficiente; ou talvez eu teriam interiorizado mais a verdade de que um grande tsadic, uma vez liberto de seu corpo, está livre também das limitações de seu corpo. Porém, se pretendo usar essa oportunidade para escrever, devo ser sincero. E sinceramente, apesar da minha conexão espiritual com ele, sinto falta do Rebe. Meu coração anseia por tê-lo novamente como uma parte do meu relacionamento de carne e osso com ele.
Como era esse relacionamento?
Bem, se eu lhe contasse quão poucas vezes vi realmente o Rebe, você poderia se espantar com o meu sofrimento. E ao saber que jamais falei diretamente com ele, seu assombro seria ainda maior.
Não, eu fui simplesmente uma daquelas pessoas que foram a alguns farbrenguens (nunca morei em Crown Heights), fiquei na linha dos dólares uma ou duas vezes, e enviei cartas quando precisava, recebendo respostas somente quando era necessário. Eu tinha trinta e seis anos quando vi o Rebe pela primeira vez, há cerca de dezessete anos. Porém, veja você, sempre que eu ia até o Rebe, ou mesmo quando lhe escrevia, eu me sentia conhecido por ele. Visto por ele. E digo essas palavras – conhecido e visto – no sentido mais profundo. Eu me sentia nu perante ele. E através dele eu me via completamente exposto. Despido da ilusão e do auto-engano.
Fosse o momento privilegiado de um olhar fugaz quando ele me encarava e assentia enquanto eu erguia meu copo num farbrenguen para dizer l’chaim; fosse num frenesi de empolgação quando eu passava na frente dele para receber um dólar, ou numa daquelas ocasiões extraordinárias em que ele me olhou nos olhos pelo que parecia uma eternidade, mas na verdade foram apenas dez ou quinze segundos, eu me senti despido: conhecido desde o meu ser superficial e banal até as profundezas do meu ser, mais profundamente do que eu poderia imaginar.
Meu ser consciente não pode saber, muito menos descrever, o que o Rebe colocava dentro de mim nesses encontros. As formas incompreensíveis pelas quais ele me afetava a vida, inspiração, coragem e comprometimento com os quais eu saía daqueles breves encontros mudaram minha vida muito mais do que qualquer ser humano poderia jamais ter esperado que sua vida mudasse.
Mas havia algo mais, algo muito mais simples, mais facilmente compreensível, mais conectado com a existência simples de carne e osso do Rebe que tinha grande poder em minha vida. Era meramente a expectativa de que eu veria o Rebe novamente. Ou, para ser mais exato, de que ele me veria. Eu sabia que, num determinado ponto do futuro, ficaria completamente exposto perante ele, seus olhos perscrutando através da minha melhor fachada “boa” para ver quem eu realmente sou.
E eu queria que tanto ele quanto eu nos sentíssemos orgulhosos naquele momento. E eu não queria me sentir envergonhado. E eu sabia que enquanto o Rebe tinha a maior compaixão e entendimento sobre o meu ser bastante limitado, mesmo assim, ele tinha grandes expectativas a meu respeito. Ele via meu potencial mais elevado, e acreditava que eu poderia atingi-lo. E embora eu soubesse que ele me amaria apesar daquilo que eu fizesse ou não fizesse para corresponder às suas expectativas, eu queria que ele me amasse pelo que eu fiz para corresponder a elas.
É um relacionamento infantil? Talvez. Teria sido melhor, mais maduro para mim esforçar-me pelo meu potencial mais elevado sem exigir “aprovação externa”? Talvez. Porém como eu disse, sou uma pessoa simples, limitada, de carne e osso, que ainda não atingiu grandes alturas espirituais. Então que seja.
A expectativa de encontrar-me alma a alma com uma pessoa que atingiu alturas tão maiores do que posso imaginar, e o conhecimento de que esse encontro revelaria o fosso entre quem eu sou e quem eu poderia ser, me manteve ereto. Ajudou-me a ser mais sincero comigo mesmo. Revigorou meu potencial e forçou- perante minha consciência, constantemente. Quando eu via a capacidade de amar do Rebe, isso vivificava e expandia minha própria capacidade de amar. Quando encontrei, direta e pessoalmente, as capacidades do Rebe, isso revigorou toda a minha capacidade.
E sempre, diariamente, eu levava comigo a antecipação de nosso próximo encontro.
Então, o que faço agora?
Tenho muitos conselhos para dar a mim mesmo em resposta à minha pergunta, como estou certo de que muitos de vocês que leem isto têm muitos conselhos, palavras de sabedoria para partilhar comigo. Certamente há maneiras incontáveis, talvez ainda mais profundas, de manter a comunicação e receber inspiração de um tsadic, mesmo quando não podemos mais vê-lo, ouvir sua voz e sentir sua presença física.
Porém isso não alivia a dor em meu coração. Nem substitui meus encontros pessoais e minha ardente expectativa sobre eles. Também não encontrei uma forma de substituir aquele momento em que eu era revelado perante aquele que podia me ver pelo que eu era, e ao mesmo tempo me amar.
Como homem de carne e osso, não encontro consolo nem em minhas lembranças nem nos escritos do Rebe. Em vez disso, encontro a dor em meu coração, o local em que guardo o Rebe. Pois cada vez que sinto a dor, sou lembrado porque ainda dói. Sou lembrado daquilo que ele me ensinou: que para cada doença existe um remédio, para cada sofrimento um consolo, para cada ato de D'us existe um propósito, para cada carência existe um preenchimento, pois qualquer que fosse o potencial que o Rebe via em mim, existe a possibilidade de realização.
Vou encontrar a força, sabedoria, coragem, devoção e fé durante essa época mais difícil?
Às vezes me pergunto. Mas então, nesses momentos, se eu me permitir sentir realmente a dor no meu coração, entrar totalmente ns profundezas dessa dor, acontece uma coisa estranha. Começo a me ver novamente de pé na frente do Rebe, levando a ele minhas dúvidas e meus temores, minha solidão e minhas limitações.
E dentro da dor no meu coração, numa voz suave e gentil, ouço sua resposta, claramente…
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