Entrevista com o autor do livro, Rabi Mendel Kalmenson

Encarar morte e tragédia são temas com os quais as pessoas lidam e os rabinos aconselham todo dia, porém geralmente não fazem parte do currículo da yeshivá, e não são temas que as pessoas geralmente abordam de boa vontade antes que ocorra a tragédia. O que despertou seu interesse em pesquisar e escrever sobre o tema com tamanha profundidade?

Na verdade eu nunca escrevi um livro sobre perda e tragédia. Eu estava trabalhando como editor em Chabad.org durante uma época bastante sofrida para a comunidade judaica, quando muitas tragédias ocorreram uma atrás da outra, incluindo o horrível assassinato da família Fogel em Itamar, Israel, e o sequestro de um menino chamado Leiby Kletzky no primeiro dia em que seus pais permitiram que voltasse sozinho para casa do acampamento, entre outras. Essas me abalaram profundamente, É interessante como diferentes tragédias tocam as pessoas em maneiras diferentes, e como judeus somos ensinados a sentir pessoalmente o sofrimento de outros. É emocionalmente desgastante estar sempre aberto ao sofrimento dos outros.

Qualquer que seja a razão, senti pessoalmente esses incidentes, e tentei formular uma reflexão e resposta que pudesse pelo menos aliviar o sofrimento que resulta de passar por sofrimento e tragédia. Um artigo se transformou em dois, e depois em três, e não demorou muito, eles se expandiram no decorrer dos anos e formaram a base para Um Tempo de Curar.

“Tempo de Curar” explora numerosos exemplos no decorrer da décadas de liderança do Rebe, quando ele ofereceu ajuda e consolo a indivíduos e comunidades em seus momentos de maior necessidade.

Em que a abordagem do Rebe sobre perda e luto difere daquelas apresentadas em outras obras sobre o assunto? O que este livro acrescenta ao que já existe publicado?

Enquanto pesquisava algumas obras da literatura clássica judaica sobre o tema, percebi que, para generalizar um pouco, havia duas categorias: a mais Teórica, que lidava com o assunto de modo menos direto, empregando linguagem intelectual e ferramentas para atacar as questões filosóficas e teológicas, mas são discutíveis e de certa forma inacessíveis a alguém que passa por profundo trauma emocional de sofrimento; e então havia o material que ia ao outro extremo, abrindo espaço para uma expressão de sofrimento, mas às vezes às custas de alguns dos princípios fundamentais da fé.

O que tornava a abordagem do Rebe tão especial para mim foi que em sua correspondência e interações com as pessoas que buscavam seu conforto e conselho, ele sempre conseguia fundir essa fé nos caminhos do Todo Poderoso com seu profundo amor e empatia pela humanidade. Ele era inflexível quando se tratava de comunicar os princípios da fé judaica que às vezes são difíceis de entender, e o fez numa maneira e num tom que transmitem sua profunda compaixão e entendimento da própria raiz e o verdadeiro sofrimento que aqueles com quem ele se comunicava estavam passando.

Citando minha introdução no livro: “Na correspondência do Rebe com os enlutados, há uma insistência em que todos os eventos são parte de um plano Divino e que tudo acontece para o melhor, bem como uma real aceitação do sofrimento humano e sua expressão. Na visão do Rebe, expressões de fé e de vulnerabilidades humanas não são contraditórias. Gratidão pela vida que se foi pode encontrar expressão com a tristeza, e a fé inabalável pode coexistir mesmo com um desafio aos caminhos de D'us.”

Para captar o equilíbrio único do Rebe entre o filosófico e o emocional, entre os princípios do luto judaico e suas práticas, escolhi no livro enquadrar as palavras do Rebe – sejam extraídas de cartas, interações particulares ou palestras públicas – dentro de uma linha histórica sempre que possível. Em vez de simplesmente prover o leitor com uma coleção de textos do Rebe sobre o tópico da perda, achei que era também importante apresentar o contexto humano que o Rebe estava abordando. Portanto o formato contem histórias pessoais daqueles que sofreram perda e as respostas compassivas do Rebe a eles. Assim, eu espero poder manter viva a maneira pela qual o Rebe aplicava os ensinamentos da Torá e chassidut para levar consolo e esperança a tantos.

Há muitas causas e tipos de perda e luto, e as respostas do Rebe aos indivíduos envolvidos eram únicas para cada situação. Você pode identificar alguns temas específicos que orientavam a abordagem do Rebe?

Sim, com certeza, eu resumiria esses temas em fé, espiritualismo e ação. “Fé” é a crença de que tudo vem de D'us, entendamos ou não Seu motivo, e consequentemente, a fé de que uma pessoa somente deixa sua vida e existência física quando D'us escolhe chamá-la de volta.

Por “Espiritualismo” quero dizer que a “verdade” da realidade é o conteúdo espiritual dentro de tudo que existe, incluindo o ser humano. Olhado sob um outro ângulo, não somos seres físicos tendo uma experiência espiritual; somos seres espirituais tendo uma experiência física. Em outras palavras, o verdadeiro “eu” ou “você” – i.e., o aspecto significativo da nossa existência – e a parte em cada um que realmente conectamos e amamos não é a casca ou “conteúdo” de nossos corpos, mas o espírito, a personalidade, o caráter ou a alma dentro de nós todos. E aquela parte de nós é eterna.

“Ação”: Na opinião do Rebe, havia uma constante ênfase na ação construtiva. A mensagem do Rebe era que embora o Judaísmo não racionalize ou justifique a tragédia, tem uma resposta (portanto, o subtítulo para o livro A Resposta do Rebe à Perda e Tragédia). Em vez de perguntar “Por que Eu?” somos redirecionados a questionar “E Agora?”

Todos nós já vimos como a dolorosa energia criada pela tragédia pode permanecer dentro de uma pessoa e infeccionar, sugando a alegria da vida e talvez até produzindo algo doentio. O Rebe em vez disso canalizava gentilmente e com amor a experiência das pessoas para animar e incrementar uma iniciativa ou causa positiva.

Seu livro parece focalizar bastante sobre o equilíbrio entre ter fé e questionar D'us. Poderia dar um exemplo do livro de como o Rebe atacou aquele delicado equilíbrio?

Para mim, sem dúvida, a resposta do Rebe ao assassinato da Sra. Pesha Leah Lapine (veja no livro cap. 28: O Clamor do Crente) é um exemplo poderoso do equilíbrio delicado e sensível que o Rebe fazia entre a fé inabalável e o “desafio” de partir o coração a D'us Todo Poderoso para trazer um fim a toda a dor e sofrimento através da vinda de Mashiach.

Quando se trata disso, para quem o livro foi realmente escrito?

É uma boa pergunta. Obviamente, o livro contem muita coisa para aqueles que realmente passaram pela perda, D'us não o permita, e ainda estão enlutados. Também provê uma base para pensamento e discussão àqueles que querem ajudar um amigo ou ente querido que esteja sofrendo. Mas também tem relevância e urgência para pessoas vivendo em Israel que estão passando por uma assustadora onda de violência e terror, bem como para muitos de nós sofrendo por aquilo que nossos irmãos e irmãs em Israel estão passando.

Baseado em algumas respostas anteriores que tive, parece que muitos na comunidade de saúde mental podem encontrar novas ideias a partir das palavras do Rebe. Agora, mais do que nunca, a mensagem de esperança e otimismo do Rebe (Capítulo 20), de fé na supremacia do bem sobre o mal (Capítulo 21), do efeito tangível do pensamento positivo (Capítulo 13) e do poder protetor das mitsvot (Capítulo 24) são especialmente pertinentes.

Minha esperança e prece mais fervorosa são de que num futuro próximo, quando a dor e o sofrimento serão erradicados, e a bondade intrínseca dentro do mundo será revelada com a vinda de Mashiach (Que seja brevemente em nossos dias!) este livro será relegado aos âmbitos mais teóricos e acadêmicos.

Até então, porém, creio que a atenção para este livro é muito, muito ampla. É uma verdade que atualmente, todos conhecemos alguém perto ou muito perto de nós que está passando por muito sofrimento e dificuldade. Creio que todos podemos nos beneficiar bastante do sábio conselho do Rebe, para nos orientar e curar, e ajudar a divulgar a cura para outras pessoas.

Que a verdadeira cura chegue a este mundo brevemente em nossos dias!


“Tempo de Curar: a Resposta do Rebe à Perda e Tragédia” – é uma colaboração entre Chabad.org e Ezra Press, publicado pela Kehot Publication Society –em inglês