Nota do Tradutor: Estes são trechos traduzidos de uma narrativa feita pelo ativista, escritor e ex-membro do Knesset, Geulah Cohen, sobre seu encontro com o Rebe. A versão original em hebraico foi publicada no jornal israelense, Maariv, em 18 de dezembro de 1964.

Já conheci pessoas sábias, já conheci eruditos, já conheci artistas, mas encontrar alguém que acredita é uma experiência totalmente diferente. Após conhecer uma pessoa sábia, você continua como era antes – sábio ou idiota; após conhecer um erudito, você continua aquilo que era antes – instruído ou boçal; após conhecer um artista, você continua sendo o que era antes, - artista ou artesão. Porém quando você se despede de um crente, deixa sua presença diferente do que era antes. Pois mesmo que a fé do crente não infectar você, afeta você. Pois o crente acredita em você, também.

O Rebe de Lubavitch, Rabi Menachem Mendel Schneerson, o líder espiritual do Movimento Chabad, é um homem sábio, instruído, mas acima de tudo, ele acredita. E se a fé é a arte da verdade, ele é também um artista. U, artista particularmente criativo. Sua criação: um exército inteiro de pessoas que acreditam, cujo comandante-em-chefe é ele. O exército da fé de Israel, dedicado ao D'us de Israel e ao povo de Israel.

O Midrash não descreve em nenhum lugar como os anjos sobrenaturais são recebidos em audiência perante o trono Divino. Mas se fosse descrever isto, poderia bem usar como modelo a maneira pela qual alguém é recebido pelo Rebe de Lubavitch. Claro que há um secretário, horas na recepção, como ocorre com qualquer ser humano. Aqui, porém, o secretário não pergunta o que você deseja discutir com o Rebe – suas questões com o Rebe são entre você e ele. Aqui, embora possa ser necessário esperar semanas ou meses até chegar sua vez, quem desejava poderia ser recebido pelo Rebe. E aqui, as horas de recepção não são durante o dia, mas à noite – durante toda a noite.

“Às onze da noite?” repeti surpreso quando Rabino Chodakov, o secretário do Rebe, notificou-me do horário de meu encontro com o Rebe.

“Amanhã às onze da noite,” veio a voz clara pelo telefone do esccritório do Rebe no Brooklyn.

Em vez de perguntar por que o Rebe não estuda à noite e recebe as pessoas durante o dia, eu me vi pensando que, talvez, isso era como deveria ser; que talvez à noite o coração fale mais livremente e os céus estejam mais abertos para escutar.

Quando leio um livro, sempre pulo a introdução. Porém a longa introdução que precedeu o momento do meu encontro com o Rebe ensinou-me quue há introduções que não devem ser deixadas de lado, pelo simples motivo de que é nelas que a história realmente começa. Os chassidim do Rebe são uma parte da personalidade dele, assim como o Chassidismo acredita que toda a humanidade é parte da personalidade de D'us. Minha audiência com o Rebe começou quando cheguei aos seus escritórios e conheci seus discípulos.

Hesitei em referir-me aos jovens estudantes de Talmud que lotavam o local como “alunos”. Sim, cada qual estava sentado com um livro aberto diante de si, mas nenhum deles parecia ser alguém que está aprendendo algo que ainda não saiba. Pareciam mais como alguém que fica num laboratório e manipula espírito e as letras do espírito como um cientista manipula matéria, dissecando, decifrando, construindo estruturas e forjando formas. E tudo isso com uma canção melodiosa. O que ainda não foi escrito sobre a melodia chassídica? O que ainda não terá sido escrito sobre ela? Pois não tem começo nem fim. Soa como uma continuação de sua própria melodia, como uma canção que você está cantando para alguém chegar e continua para você. Naquele momento ocorreu-me que os Dez Mandamentos deveriam ter sido ditos com uma melodia chassídica…

Aqueles alunos não estavam mergulhados no estudo, mas sim conversando – talvez sobre assuntos comuns, do dia-a-dia – mesmo assim tinham no rosto a expressão de um soldado na linha de frente, e a atmosfera silenciosa era a de uma batalha iminente. O comandante deles não estava visível, mas sua presença em algum local do prédio se fazia sentir. Nenhuma ordem audível tinha sido dada, mas todos estavam prontos para o momento em que seria feita.

Eu, também, estou esperando uma palavra – de que posso entrar na sala do Rebe. Já são onze e quinze, onze e meia – quando chegará a minha vez? Estou a ponto de perguntar a um dos rapazes no escritório, quando uma mulher vestida na última moda, saltos altos ressoando e uma mecha de cabelo loiro saindo por debaixo do chapéu, entra na sala. Ouço sua voz antes que possa ver o seu rosto.

“Já têm uma resposta,” pergunta ela numa voz ardente, engasgada.

Em vez de responder, o rapaz vai até uma pilha de cartas, retira uma – a carta que a mulher tinha escrito ao Rebe – e diz a ela que a resposta está dentro. A mulher pega a carta da mão dele, abre e a lê. Seus olhos se congelam por um instante, depois se enchem de lágrimas – se de alegria ou tristeza é impossível dizer. Sem uma palavra, ela deixa a sala.

Logo em seguida, ela volta. “Neste caso, tenho outra pergunta. Alguém pode perguntar novamente ao Rebe?”

“Claro,” diz o jovem chassid. “A qualquer hora, qualquer coisa.”

A face dela se ilumina de alegria.

Quando a porta se fechou atrás de mim e fiquei sozinho com o Rebe na sala, era meia-noite. Porém o Rebe se ergueu para cumprimentar-me com um sorriso de meio-dia.

Se me permite, diante de você está um rosto simpático, um chapéu preto sobre ele e uma barba grisalha por baixo, expressando graça e benevolência. Porém se me permite, um par de olhos o enfrenta, olhando para você não para ver, mas para revelar. Numa situação dessas, você se sente um tanto desconfortável se tiver algo a esconder, bastante desconfortável se tiver pensado em dizer uma mentira.Você sente uma necessidade de abotoar todos os seus botóes até em cima – de alguma maneira parece que todos estão abertos. O Rebe realmente tem olhos tão mágicos, ou foi você que trouxe essa magia com você, o resultado da noite e da impressão provocada em você pelos discípulos dele? Porém agora não é para pensar em coisas desse tipo. Você veio aqui com um objetivo, não foi? Então começo a me apresentar.

Ocorre, porém, que isso não é necessário – ele já sabe mais sobre mim do que eu pretendia contar-lhe. Ele me diz não apenas o que tenho feito, como também aquilo que pensa que eu deveria fazer; não somente o que estou fazendo, mas também aquilo que ele acha que não estou fazendo.

“Eu soube que você agora está trabalhando como jornalista. Nu, isso também é bom. Escrever é muito bom, mas não é o principal. O principal é a juventude. Para os jovens você deve falar, não escrever. Por que não fala aos jovens? O jovem está esperando que alguém fale com ele, e ninguém está fazendo isso. Fazem discursos para eles – mas não falam com eles. E então eles se perguntam por que não estão motivados.

“Os jovens,” continuou o Rebe, “estão esperando por uma ordem – uma ordem emitida na mesma voz em que foram feitos todos os grandes comandos na história judaica. Onde estão todos os comandantes? No Knesset! O que aconteceu a todos os líderes que ardiam com um fogo sagrado? O que estão fazendo aqueles que sabem como comandar? Hoje eles estão discutindo se aumentam ou reduzem a taxa de juros e em qual porcentagem…
Uma lei básica da física é que nenhuma energia jamais se perde. Aquilo que já foi sempre será. A juventude de Israel tem demonstrado sua força no passado; esta força ainda existe, e vai retornar. Tudo que precisa é a força que a despertará…”

Quando saí da sala do Rebe, já eram mais de duas da manhã. Mal se passara um segundo quando os estudantes me perguntaram: “O que o Rebe falou?” eles queriam saber. Meus conhecidos que tinham me acompanhado na minha ida ao Brooklyn imediatamente quiseram saber, “Então, o que achou do Rebe?”

Muitas semanas após meu encontro com o Rebe [hoje na verdade, anos!], posso dizer apenas aquilo que senti na ocasião. Quando entrei na sua presença pela primeira vez, pensei: “Aqui está alguém que acredita.” Quando me sentei e o ouvi falar, reavaliei:

“Não, um sábio.”
Quando saí da sua presença, disse comigo mesmo:
“Porém ele realmente crê.”