Existe uma antiga expressão iídiche: in tachrichim iz nishto kein keshines, que significa "Os sudários funerários não têm bolsos." Em outras palavras, você não pode levar suas posses com você. Então, o que nos acompanha? A resposta está no título da porção da Torá desta semana.
Chayê Sara significa "a vida de Sara." Por isso, alguém poderia assumir que esta porção é inteiramente sobre a vida de Sara. No entanto, o segundo versículo fala sobre a morte de Sara, e o restante da porção discute eventos que aconteceram após a sua morte.
Como esta porção pode ser sobre a vida de Sara, se há 105 versículos falando sobre o que aconteceu após a sua vida?
Ao responder esta clássica questão, aprendemos uma lição de vida profunda: a vida de uma pessoa justa continua mesmo após sua morte física.
Nossos sábios nos dizem que os ímpios, "mesmo enquanto estão vivos, são considerados mortos." Os ímpios não têm continuidade, não têm eternidade. Os justos (tzadikim), por outro lado, "mesmo quando falecem, são considerados vivos."1
O exemplo clássico deste ensinamento é “David Melech Yisrael chai vekayam” — “David, Rei de Israel, está vivo e bem.” No entanto, sabemos, é claro, que o Rei David foi sepultado milhares de anos atrás. Então, por que cantamos sobre ele estar vivo e bem? Porque apenas seu corpo físico foi enterrado; sua verdadeira essência, o "real" Rei David, permanece viva e bem, e estamos aguardando a chegada de Mashiach, um descendente de David, para nos liderar para fora do exílio.
Outro exemplo desse ensinamento é nosso patriarca Yaacov. O Talmud (citado por Rashi) nos diz: “Nosso patriarca Yaacov não morreu. Assim como seus filhos estão vivos, ele também está vivo.”2
Quem foi Sara?
Sara foi muitas coisas: uma mulher justa, uma profetisa, a esposa de Avraham. Mas, acima de tudo, Sara foi nossa matriarca. E não apenas isso, ela foi nossa primeira matriarca. Foi através de Sarah que a promessa de D’us de que seu filho, Yischac, continuaria o legado de Avraham foi cumprida.3
“Porque Eu o conheci,” diz D’us sobre Avraham, “porque ele comanda seus filhos e sua casa depois dele, para que guardem o caminho do Eterno para fazer justiça e retidão.”4
Conforme explica Rashi, "Porque Eu o conheci" implica amor. Conhecê-lo é amá-lo. Por que D’us o ama? Porque Avraham e Sara estabeleceram uma continuidade para D’us. E até hoje somos chamados de filhos de Avraham e Sara.
A vida não são os prazeres que encontramos; esses são transitórios, passageiros. O que é permanente na vida são aquelas coisas que vivem para sempre.
É por isso que essa porção é chamada Chayê Sara, porque ela nos ensina o que é real na vida.
Transitório vs. Eterno
Existem duas perspectivas contrastantes sobre a realidade: Uma abordagem sugere que se algo não pode ser percebido com nenhum dos cinco sentidos, então não existe. Só é real se você pode ver, ouvir, cheirar, provar ou tocar. A outra perspectiva é que tudo o que pode ser percebido com os sentidos é temporário. Hoje está aqui, amanhã já não está. Apenas experiências intangíveis podem representar a eternidade.
Um bolo de sete camadas é delicioso, mas não dura para sempre. Uma ideia, uma crença, um axioma matemático – um mais um é igual a dois – esses sempre permanecem. Isso explica por que mesmo os governos mais poderosos falharam em erradicar certos ideais, valores e aspirações.
Chayê Sara nos ensina que a verdadeira "vida de Sara" está nos aspectos bons e divinos da vida, ou como conhecemos, no estudo da Torá, na prática das mitsvot e na vivência como judeu. Essas são realidades eternas.
Lugar de Vida
De acordo com a lei judaica, uma pessoa deve ser enterrada imediatamente ao falecer. Em hebraico, existem três expressões diferentes para a palavra "cemitério":
- Beit Hakevarot, que significa "lugar dos túmulos." A vida é vida, e a morte é morte. Quando você morre, acabou.
- Beit Olam, ou "lugar da eternidade." A humanidade foi criada da terra e a ela retorna. “Porque pó és, e ao pó retornarás.”5 Embora o corpo seja enterrado no solo, a alma, a verdadeira consciência da pessoa, a essência dela, especialmente uma pessoa justa, vive para sempre. É por isso que é chamado de "lugar da eternidade."
- Beit Hachaim, o "lugar da vida." Agora, isso soa estranho! Por que chamar um cemitério de lugar da vida? Pode parecer uma piada, mas não é. A alma é eterna. As bênçãos que emanam das almas são eternas. Uma pessoa passa 70, 80, 120 anos — ou no caso de Sara, 127 anos — e então o corpo é devolvido à terra. Mas a alma permanece viva; a verdadeira pessoa continua a viver.
Como? Primeiro, através de suas conquistas, suas mitsvot e seu estudo da Torá. E segundo, através de seus filhos, netos e todos os seus descendentes até o fim dos tempos.
O Único Verdadeiro Amigo
Uma parábola tocante frequentemente vem à mente sempre que estudo esta mishná. É sobre um homem que foi convocado pelo rei. Naquela época, se o rei queria vê-lo, nunca era um bom sinal. Dominado pelo medo, ele buscou consolo com seus três amigos mais próximos.
“Escute,” ele disse ao seu primeiro amigo, “eu recebi uma convocação do rei. Estou apavorado. Você pode me acompanhar?”
Seu amigo imediatamente o tranquilizou, “Claro que irei com você! Eu sou seu amigo. Vou acompanhá-lo até a capital,” ele disse, “mas é o máximo que posso ir. Espero que entenda.”
Ele fez um pedido semelhante ao próximo amigo. “Claro que irei com você,” respondeu o amigo, “mas só posso ir até os portões do palácio. Espero que entenda.”
Por fim, ele se voltou para seu único amigo que restava e implorou, “Você é meu amigo mais querido. Você virá comigo? Estou tão assustado.” Com uma voz firme, o amigo devoto declarou: “Eu o acompanharei até a capital, pelos portões do palácio e até mesmo na corte do rei. Ficarei ao seu lado, mesmo quando o rei estiver interrogando você. Estou com você; jamais vou te abandonar.”
Quem são esses três melhores amigos que uma pessoa possui?
O primeiro amigo é a riqueza e as posses que acumulamos neste mundo — nossas ações, títulos, valores, imóveis. Quando chega a hora de partirmos para o próximo mundo, pedimos ao nosso dinheiro para nos acompanhar. O dinheiro, no entanto, responde: "Eu vou acompanhá-lo, mas apenas até o cemitério. Carros funerários não têm bagageiros. Sudários não têm bolsos. Você não pode levar-me com você."
O segundo amigo é nossa família. Voltamo-nos para nosso cônjuge, filhos, netos e irmãos e imploramos: "Por favor, venham comigo!" Nossos entes queridos nos asseguram: “Claro que o acompanharemos. Nós te amamos. Iremos até o cemitério e compareceremos ao funeral. Vamos acompanhá-lo até sua sepultura.” Mas então," nossos parentes continuam, "teremos que voltar para casa e comer bagels e ovos, e outras coisas redondas, representando o ciclo da vida. Vamos fazer uma festa ao completar a shivá. E talvez vamos brigar pela herança."
Com um senso de desespero, a pessoa exclama: "Ei! Eu não posso levar meu dinheiro comigo, e meus parentes não podem vir comigo também?!”
Então nos voltamos para nosso único amigo restante — a Torá que estudamos, as mitsvot que realizamos e as boas ações que acumulamos. A pessoa pergunta: "Vocês virão comigo?"
A Torá e as mitsvot respondem: "Não só iremos com você, como estaremos com você o tempo todo. Vamos acompanhá-lo onde quer que vá."
Provando a Eternidade
Que possamos sempre estar conscientes do que é transitório e do que é eterno. Que nossos atos de bondade, nosso estudo da Torá e nossa prática das mitsvot sejam nossa luz a nos guiar, iluminando o caminho da eternidade. Que todos sejamos abençoados para levar vidas dedicadas à busca e ao encontro do Eterno.
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