“As palavras são como corpos; significados são como almas.” (Moshe Ibn Ezra)

Na língua hebraica, pequenas variações da mesma palavra podem alterar não apenas o significado dessa palavra, mas o contexto de todo um conceito. Um exemplo fascinante de desacordo talmúdico sobre uma única letra hebraica revela uma ideia profunda.

Recitamos a bênção hamotzi antes de comer pão. O Talmud 1 relata um debate entre o Rabino Nechemia e os rabinos sobre a compilação apropriada dessa bênção. Rabino Nechemia acreditava que a bênção deveria ser motzi lechem min haretz (“Quem tirou o pão da terra”). Seus colegas sentiram que a bênção deveria ser ha motzi. A única diferença é a adição de uma letra hebraica, chei.

Por que essa pequena diferença na palavra deveria ser importante?

A fonte desta discordância pode ser encontrada na parashá, Porção da Torá, dessa semana. D'us ordena a Moshe que diga aos Israelitas: “Vocês saberão que Eu sou o Senhor, seu D'us, Aquele que os tira [hamotzi] dos fardos do Egito.” 2

Por que está escrito “quem os tirou” quando os israelitas ainda eram escravizados? Parece que o tempo futuro, “quem o trará para fora”, teria transmitido uma mensagem mais precisa.

A partir deste versículo, Rabi Nechemia entendeu que a palavra hamotzi implica o futuro – que os israelitas saberiam que a sua subjugação ao Egito terminaria, mesmo enquanto estivessem atualmente escravizados. Ele, portanto, argumenta que a bênção sobre o pão deveria ser recitada com a palavra motzi — no pretérito, uma vez que o trigo já foi retirado da terra.

Em contrapartida, os outros rabinos, embora concordem que a bênção sobre o pão que deve refletir o pretérito, ampliam o alcance da palavra hamotzi, implicando a sua referência ao passado, bem como ao presente e ao futuro.

Em vez de ser uma ação estática única, reconhecemos um processo dinâmico. Passado, presente e futuro são sintetizados, formando um processo redentor contínuo no qual D'us é a única fonte.

Enquanto os rabinos debatem o assunto, a lei segue os sábios, e dizemos ha motzi, que, segundo eles, pode significar passado, bem como presente e futuro.

Podemos aprender com isso que, de acordo com os sábios, a palavra hamotzi no versículo que se refere ao Êxodo, para fora do Egito, também pode se referir ao passado, presente e futuro. E assim talvez possamos sugerir uma visão mais profunda do Êxodo, na medida em que denota um processo redentor contínuo.

“Vocês saberão que Eu sou o Senhor, seu D'us, Aquele que tira (hamotzi) vocês dos fardos do Egito.” 3 Hamotzi é um atributo de D'us que está em andamento. O único D'us de Israel vivifica continuamente o ato de redenção, de nos tirar.

Esta compreensão mais ampla enfatiza a providência Divina à medida que ela transcende o tempo. Em vez de ser uma ação estática única, reconhecemos um processo dinâmico. Passado, presente e futuro são sintetizados, formando um processo redentor contínuo no qual D'us é a única fonte.

A palavra hebraica Mitzrayim (“Egito”) vem da raiz metzar, “constrição”. Assim como D'us nos tirou do Egito, Ele está constantemente criando o processo redentor que pode nos libertar daquilo que nos restringe ou escraviza.

Como indivíduos e como nações, esforçamo-nos por nos libertar das restrições que nos afligem. Veja como a sociedade se tornou escravizada pelas drogas, pela violência, pelo ódio e pelas crenças tóxicas. Muitos de nós estamos algemados por pensamentos negativos, comportamentos autodestrutivos ou até mesmo pela pressão de tentar acompanhar nossos vizinhos.

A Mishná afirma que “em cada geração, alguém é obrigado a ver-se como tendo sido tirado do Egito”. 4 Isto não se refere apenas à libertação histórica dos escravos judeus. O Egito representa um estado de constrição física, mental e espiritual.

Uma crise ou trauma pode escravizar ou capacitar cada um de nós; podemos cair no desespero ou transcender nossa situação. Da mesma forma, viver e manter a chamada “boa vida” de prazeres e confortos materiais pode tornar-se escravizador.

À medida que nos esforçamos para encontrar um equilíbrio entre nossas buscas materiais e espirituais, podemos reconhecer que a vida não consiste em ter mais, mas em ser mais.

Não estamos apenas passando pela vida, mas crescendo através dela. A nossa jornada tem valor – não apenas como meio para um fim maior, mas em si mesma. O que aprendemos ao longo do caminho pode nos ajudar a concretizar nosso potencial latente.

Tornando-o relevante

  1. Leia rapidamente a seguinte frase em inglês: “GODISNOWHERE” Você pode traduzir como “D'us não está em nenhum lugar” ou você pode ler de outra forma, “D'us está aqui agora”. Reconheça o quanto toda a sua perspectiva pode ser alterada pela compreensão de uma única palavra, letra ou mesmo espaço.
  2. Esteja atento aos significados que você atribui às palavras escritas e faladas. Reconheça que outras pessoas podem atribuir significados diferentes às mesmas palavras. Esclareça, antes de presumir que você os entende.
  3. Na próxima vez que comer um sanduíche, reserve um momento para refletir sobre o envolvimento contínuo de D'us nos aspectos mais mundanos de nossas vidas. Faça disso um alimento para reflexão.