Este Shabat possui um nome especial: “Shabat Shirá” – o Shabat da Canção, assim chamado porque a porção dessa semana da Torá contém a canção entoada por Israel após a abertura do Mar Vermelho. Assim, o discurso dessa semana aborda a alma da canção – o poder que ela tem de transformar nossas vidas.

O que dá esse poder à música? Como ela tem a habilidade de nos transportar para outro tempo e lugar? Para elevar um espírito abalado? Trazer uma lágrima a uma alma feliz? Por que uma canção tem a capacidade de atingir as profundezas do nosso coração, reviver antigas lembranças, despertar nossas aspirações mais profundas e nos fazer naturalmente dançar ao seu som? Que tipo de mensagem é essa linguagem da canção, e de onde se origina? Aprendemos a linguagem falada em casa e na escola. E quem nos ensinou como cantar?

O que é a alma da canção?

Os místicos explicam dessa maneira:
Como as almas viajam? Os corpos se movem sobre pernas ou em veículos. Mas o que move uma alma? Uma alma não tem pernas e não pode ser contida num automóvel ou em outro veículo. O que leva nossas almas de um lugar para outro?

A Cabalá oferece uma resposta fascinante: A única maneira pela qual a alma pode ser mover é através de uma canção. Sem canção a alma permanece parada em um lugar.

No Templo Sagrado em Jerusalém havia quinze degraus que correspondiam aos quinze Shir HaMaalot (canção das subidas) no Tehilim, Livro dos Salmos (120-135), que os levitas cantavam quando paravam sobre os degraus. Para subir de um degrau a outro uma canção tinha de ser entoada.

Infelizmente, como qualquer força poderosa, a música também, não domada e não focada, pode ser desprezada e transformada em outro veículo hedonista de indulgência em vez de transcendência, de narcisismo em vez de abnegação, de entretenimento em vez de inspiração.

Em nosso mundo material podemos nos convencer que somos móveis – movedores e balançantes – mesmo se nossa alma nunca se move um centímetro. Há pessoas que passam por milhões de frequentes milhas de voo, outras que se movem ao redor de todos os círculos, e ainda outras que estão subindo a escada da corporação. Mas elas estão realmente se movendo? Seus corpos podem ser viajantes, mas suas almas estão em voo?

Então há pessoas que talvez se sentam no mesmo lugar, rezando ou meditando, mas espiritualmente elas estão movendo milhões de quilômetros.

Mas no Templo Sagrado espiritualmente intacto, onde espírito encontrava matéria e o físico estava totalmente alinhado com seu propósito interior, você simplesmente não podia se mover de um degrau ao próximo a menos que sua alma fosse elevada através da canção.

Por que as canções têm esse poder? Porque são a linguagem do Divino.

Uma parábola:
Quando D'us criou o universo, Ele consultou os anjos: “Eu deveria lançar sobre a raça humana o presente da música?”

Os anjos elitistas responderam unanimemente com um sonoro “não”. A raça humana não irá apreciar o sublime poder da melodia. Eles irão abusar e comercializá-la. Não vão saber como apreciar a natureza angélica, divina, da canção.

“Dê-nos seu presente de música,” os anjos disseram, “e iremos cantar seus louvores, Suas canções. Saberemos como usar o poder da melodia para atingir grandes alturas espirituais.”

D'us considerou a opinião deles, mas então não os atendeu.

“Não. Darei o presente da música aos humanos. Porque Eu quero que eles tenham algo com que Me lembrar.

“Às vezes a vida será difícil. Nesses tempos as pressões podem ser insuperáveis. O homem pode se sentir deprimido e desesperado. Portanto quero que eles tenham canções para lembrá-los que, mesmo se você estiver preso nos cantos difíceis da existência material, mesmo quando estiverem passando por solidão existencial e “desespero silencioso”, poderão irromper numa canção, que vai elevar seu espírito.

“Às vezes a vida será confortável, confortável demais. Deixe o homem então cantar para se lembrar que há mais na vida do que gratificação instantânea.

“Sim de fato,” D'us concluiu, “darei ao ser humano Minha única língua – a linguagem da música e canção, para que ele possa usá-la para descobrir transcendência.”

O motivo pelo qual a canção tem a habilidade de transportar a alma é por causa da sua verdadeira natureza e a fonte do seu poder é a linguagem Divina: canção é um dialeto de outro plano. Se a palavras convencional é a linguagem do homem, a música é a linguagem do Divino.

As canções, portanto, são as asas da alma. Elas têm a habilidade de elevar nossos espíritos para alturas sem precedentes. Elas nos permitem voar: pairar para locais distante – locais que estão além da vida terrestre e da monotonia mundana.

Canção é transportação espiritual. Como dizia um Rebe: A palavra escrita e falada é a base da mente.” Se uma alma parece uma chama, ela soa como uma canção.

Ah, quem não foi atraído pelo desejo de sair e cantar, sem ser incomodado, sem limites, aos céus abertos. Afastar-se de tudo e cantar, com suas mãos balançando livres, como se não houvesse amanhã. Fechar seus olhos, e permitir que a música o leve a locais desconhecidos além da angústia e do sofrimento das tribulações da vida?

Isso pode explicar o forte poder da música nos últimos 50 anos. Por que a juventude hoje é atraída pela música – em maneiras que não tem precedência na história. Sendo uma linguagem da alma, a música preenche o profundo vácuo espiritual deixado pela corrupção ou futilidades ou outros sistemas. Para o bem e para o mal, a música tem se tornado os “hinos” das almas de hoje e dos concertos. Começando nos anos 50 a música representou a voz da rebelião, a expressão da individualidade, o desafio do status-quo do conformista. A alma encontrou sua expressão em canção – para se libertar do vínculo materialista do corpo; uma maneira para nós dialogarmos com D'us (saibamos isso ou não).

Infelizmente, como qualquer força poderosa, a música também, não domada e não focada, pode ser desprezada e transformada em outro veículo hedonista de indulgência em vez de transcendência, de narcisismo em vez de abnegação, de entretenimento em vez de inspiração.

Mas no fundo a canção tem um lugar em nossas almas porque é a Divina linguagem – a linguagem natural da alma. (Não é por acaso que a música é chamada de “alma”.)

Nosso desafio é reconhecer a verdadeira natureza do poder da canção e o motivo pelo qual este presente foi dado a nós: permitir-nos tocar o Divino e integrá-lo em nossas vidas. Não apenas ouvir as agradáveis harmonias e dançar ao seu ritmo, mas permitir que a linguagem profunda da música refine nossa personalidade, fortaleça nossos compromissos, nos conecte com nosso chamado mais alto, nos ajude a construir lares e famílias saudáveis e ilumine cada um dos nossos respectivos cantos do mundo.

Vivemos num mundo dicotômico, fragmentado. Matéria e espírito reunidos tornam uma grande dificuldade ouvir a música de nossas almas. Em vez disso, fabricamos uma linguagem superficial para manobrar nossa vida mundana. A música então se torna uma fuga exótica para uma ilha. Em busca de algum alívio do cotidiano, você se liga nos seus fones de ouvido, e bloqueia o mundo ao seu redor – e flutua nas asas da música. Mas então você tem de retornar, e então a música morre...

Na verdade, porém, um zumbido interior preenche toda a existência Toda criatura, toda molécula, todo átomo emite seu único som próprio . Toda alma pulsa e toca. Mesmo quando a “hora do rush” de nossas vidas com todos seus barulhos estranhos vence a “voz gentil, sutil” dentro, a música continua a tocar (mesmo se você não estiver ligado).

Num mundo inconsútil todas as nossas experiências soariam como uma canção, todos nossos movimentos iriam parecer como uma dança. Se nosso interior e exterior fossem alinhados, iríamos cantar o tempo todo, e não poderíamos nos mover a menos que tivéssemos uma canção para cantar junto conosco (como era no Templo).

Imagine; Como seria ouvir a música do cosmos? Como seria sentir a canção de sua alma? De outras almas? Como a vida seria diferente se você pudesse criar uma canção à sua vontade?

Toda vez que você passa por um momento de verdade – uma experiência que ressoa – estamos ouvindo a música interior da existência.

Como acessamos a música lá dentro o tempo todo? Entrando em contato com seu objetivo de vida, e reconhecendo que todo momento de seu dia, toda atividade, toda interação é uma oportunidade espiritual. Você está encarregado com a missão de entender cada uma dessas oportunidades assegurando que todo o material ganho é simplesmente um meio para expressar verdades espirituais mais elevadas e trazer mais virtude a este mundo. Essa atitude entra na própria fábrica dos coros harmônicos da existência, que nos permitem ouvir a música interior.

Em toda experiência de vida você tem duas escolhas:
Servir às suas próprias necessidades, ou servir a uma causa mais elevada. Quando você toca a superfície da experiência geralmente vai alcançar resultados narcisistas. Mas quando você aborda o significado interior da experiência, sua música vai tocar.

Em toda experiência podemos apenas passar por ela, ou podemos aprender a tocar os coros interiores que formam uma canção.

Há pessoas neste mundo que transformam tudo que tocam em música, toda coisa com que entram em contato em uma dança. Elas são vivas, brilhando com energia. Elas são elétricas, e tudo que tocam se torna vibrante. Algumas pessoas matam tudo aquilo que tocam. Outras deixam toda coisa viva. Imagine um mundo no qual a música é tocada o tempo todo. Imagine ouvindo uma canção em cada respiro que você dá, em todo passo que dá. Imagine uma vida na qual todo movimento faz você sentir o ritmo interior.

Quando entramos no “Shabat da canção” somos imbuídos com o poder de transformar nossas vidas numa sinfonia ampliada.
Chega a hora de começar a cantar.
Você vai eletrificar o seu canto do mundo ou vai apagá-lo?