Quatro protótipos
A leitura da Torá na Parashá Mishpatim é a base dos princípios mais fundamentais da lei civil até os dias de hoje: responsabilidade, danos, injúria pessoal, criminal, relações de trabalho e transações financeiras. Além das espantosas ideias nas leis da responsabilidade, há outra dimensão de relevância dentro dessas leis: Sua aplicação pessoal.
Baseado em vários versículos na porção dessa semana (Shemot 21-22), o tratado Talmúdico Baba Kama, destaca “quatro protótipos de danos – o animal, o poço, o destruidor e o fogo.” Num nível básico, na superfície, esses protótipos são as categorias básicas de atos errados, intencionais ou negligentes que ofendem outra pessoa. Mas a alma dessas categorias define quatro protótipos de abuso psicológico, emocional e espiritual, cada um com muitos derivativos:
Agressão ativa, indiscriminada – “o boi”.
Comportamento egoísta, no qual uma pessoa vai,“atropelando tudo em seu caminho, pensando somente em si – insensível ao fato de que pode estar ofendendo outros no processo. Como um animal na floresta, continua servindo a si mesmo sem considerar os limites e necessidades dos outros. As escolhas são feitas basicamente pelas suas próprias necessidades emocionais, incluindo a tendência para seguir cegamente e indiscriminadamente seus próprios rumos e desejos.
Negligência: Agressão Passiva – “o poço”.
Em contraste à agressão ativa, o abuso também pode vir na forma de passividade. Um genitor que permanece em silêncio enquanto o outro genitor está machucando o filho deles é um cúmplice do crime. Abuso nem sempre significa que o abusador fez um ato; pode também se manifestar na falta de ação. Como o dano passivo causado pela negligência de deixar um poço descoberto, permitindo que possa ocorrer um dano a um transeunte inadvertidamente e inocente.
Indulgência Excessiva – “o destruidor”
Abuso é feito pelo prazer pessoal. As outras três formas de abuso, egoísmo, passividade e fúria, não são necessariamente motivadas pela gratificação pessoal do abusador.
Fúria e outras forças destrutivas – “o fogo”
Fúria, vergonha e outras forças destrutivas na psique podem levar uma pessoa a ferir outras.
Todos os quatro métodos causam dano, porém cada um tem suas próprias características particulares, portanto a necessidade de enumerar a todas elas. A primeira e a terceira categoria (o boi e destruidor) são forças animadas, enquanto a quarta (fogo) é inanimada. A segunda (poço) é estática, em oposição às outras três que são móveis.
Há duas opiniões no Talmud sobre o significado do termo usado para a terceira categoria de dano (mavê). Rav afirma que significa uma pessoa causando prejuízo. Segundo Shmuel, significa um animal pastando (e a categoria de “boi” inclui estritamente um animal esmagador). Segundo esta opinião, as “quatro categorias principais” são apenas categorias de danos feitos pelas possessões de uma pessoa, i.e., faculdades, não pela própria pessoa. A própria pessoa abusiva – a fonte de toda a destruição – merece sua própria classificação.
Mas segundo ambas as opiniões, essa terceira categoria é impulsionada pela auto-gratificação, e assim, é chamada a “destruidora” sendo a pior forma de abuso: a primeira opinião a vê como prazer do coração, prazer que consome a pessoa inteira, enquanto a última opinião o classifica como prazer do “dente”, uma forma “penetrante” de abuso que “obstrui a fala,” i.e., impede a transmissão Divina (como é explicado pelo Arizal na porção dessa semana). Em termos psicológicos, isso se relaciona com os deleites deletáveis do palato (sefer Hasichot 5701 pág. 64).
Quais são as consequências dessas quatro formas de abuso?
Quando um boi causa dano com seu dente ou pé em domínio público, seu dono não é considerado responsável, pois espera-se que ele paste e caminhe ao léu, e portanto as pessoas deveriam ser cuidadosas sobre deixar suas coisas num local público. Se, no entanto, o boi passa por locais de outra pessoa que não o seu dono e ali causa danos, seu dono é responsável pelo total valor do prejuízo causado. Em contraste, se um boi causa dano em local público ou privado com seu chifre, seu dono é responsável pela metade do valor do prejuízo feito. Como não esperamos que um boi ataque sem ser provocado, o dono não pode ser considerado plenamente responsável não importa onde isso provoque dano.
A aplicação psicológica dessa lei é profunda: determinados padrões que são aceitáveis em âmbito público são destrutivos no âmbito privado. O ambiente na área de mercado é de competição, negociação e acordos. Num clima de auto-interesse e desconfiança, o mundo dos negócios espera e exige de nós que às vezes sejamos severos, quando “pastamos” e estabelecemos nosso “gramado”. No mundo material precisamos usar nossas ferramentas “animais” para proteger nossos interesses. Todos seguem essas regras universais, e embora elas sejam morais e justas (masa u’matan b’emuná), comportar-se dessa maneira não pode ser considerado prejudicial, mesmo se alguém possa ser ferido no processo de práticas de negócio aceitáveis.
Essa atitude é bastante aceitável no domínio público. Mas no domínio privado, essa mesma atitude agressiva é danosa e destrutiva. Nossos lares não deveriam ser poluídos pela mecânica do local de trabalho. Até no domínio público também há limites para agressão. “Pasto,” alimentando lucros legítimos e cuidar do solo é aceitável. Usar os “chifres” para ferir e machucar os outros, porém, não é. Além disso: até os padrões aceitáveis de “pasto” devem ser feitos com profunda discrição. Se causar dor ou dano a alguém a lei declara que está livre de responsabilidade. Mas se o dano persiste, então o perpetrador é classificado como um agressor, e é considerado responsável pelos danos.
Muito mais pode e deveria ser dito sobre esse tópico. Confiantemente, as ideias aqui – baseadas nos ensinamentos do Zohar, o Arizal e Chassidut – podem servir como um trampolim para fazer um estudo mais abrangente sobre as diferentes formas de abuso, e todos os seus derivativos. Portanto podemos desenvolver melhores intervenções para curar nosso mundo aflito.
O foco de entender esses fundamentos de abuso é, obviamente, servir como medicina preventiva, e não permitir que essas forças tóxicas mergulhem em nossas vidas. E mesmo se tragicamente o fizerem, tomemos as medidas certas para remediar a situação.
Que sejamos abençoados, muito em breve, para atingir o dia quando essas questões não mais afetarão a raça humana. Em vez disso, iremos aplicar sua relevância para a busca interminável de desenvolvimento espiritual ao infinito e além.
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