Em todo o livro de Bereshit, quem é o personagem com quem mais podemos nos identificar? Não é um dos nossos três patriarcas ou quatro matriarcas, nem um de seus filhos ou parentes. Esse personagem, em quem vemos nossa própria história, não é outro senão o herói da porção da Torá desta semana: Eliezer, o servo de Avraham.
Os patriarcas e matriarcas são mais do que apenas os pais e mães fundadores do nosso povo. De acordo com os ensinamentos cabalísticos, a alma de todo e cada judeu compreende as qualidades e atributos incorporados por eles.
E, no entanto, muitas vezes, pode ser difícil para nós nos identificarmos com nossos patriarcas, Avraham, Yitschac e Yaacov. O Midrash nos ensina que “os Patriarcas são verdadeiramente a carruagem [Divina]” - assim como uma carruagem não tem vontade própria e é apenas um veículo para o condutor, também os Patriarcas também serviram como veículo para nada além da vontade Divina.
Assim, enquanto nossa alma possui amor que é o atributo de Avraham, disciplina que corresponde ao atributo de Yitschac e compaixão, o atributo de Yaacov, também nos apegamos às nossas próprias aspirações. Navegamos pela vida e queremos saber "o que há para mim". Nem sempre nos identificamos com a "carruagem" de nossa história, com aqueles homens e mulheres que se viam exclusivamente como veículos da vontade Divina.
Entra Eliezer.
Eliezer era o servo de Avraham, enviado para uma terra distante para encontrar uma noiva para Yitschac .Eliezer foi encarregado de facilitar o casamento que originaria o povo judeu. Era seu trabalho promover a união do céu e da terra.
O próprio Eliezer tinha sentimentos contraditórios sobre sua missão. Por um lado, ele entendeu a importância de cumprir o pedido de Avraham de encontrar uma esposa para Yitschac dentre a família de Avraham, mas por outro lado, ele tinha uma resistência psicológica ao sucesso da missão. Segundo o Midrash, Eliezer esperava que sua própria filha fosse se casar com Yitschac; assim, o sucesso de sua missão significaria o fim de sua aspiração pessoal.
Antes de Eliezer embarcar em sua missão, ele disse a Avraham: “Talvez a mulher não me siga?” Rashi ressalta que havia um significado mais profundo nessa pergunta de som inocente: Talvez a mulher não me siga: Ela [a palavra אֻלַי (talvez)] está escrita [sem um vav e pode ser lida] אֵלַי (para mim). Eliezer tinha uma filha, e ele estava procurando um pretexto para que Avraham lhe dissesse, que se voltasse para ele, que casasse sua filha com Yitschac).1
Eliezer não era um filho capaz de se envolver completamente com seus pais. Era uma pessoa independente. Um emissário. Um indivíduo com sua própria personalidade, perspectiva e agenda. E, no entanto, foi especificamente Eliezer, apesar de suas dúvidas sobre a missão, que foi bem sucedido em encaminhar o casamento encontrando a noiva certa. Foi ele quem, confiando em sua própria iniciativa, usando sua própria criatividade, empregando seu próprio julgamento, foi fundamental no casamento que perpetuaria o legado de Avraham para todas as gerações futuras.
Se o objetivo da criação é unir espírito e matéria, então esse objetivo deve ser realizado por pessoas como você e eu, que, como Eliezer, possuem ambos pólos opostos. Ao combinarmos nossa própria identidade e perspectiva com a vontade Divina, somos capazes de usar nossos dons pessoais, talentos e toque único para realizar a visão do Criador. Somente quando nossas duas partes diamétricas, a voz de Avraham e a voz de nossa própria individualidade, colaboram para alcançar um objetivo, somos capazes de unir nosso “céu” e “terra” internos cumprindo assim o propósito da criação.2
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