Sentar é o vilão. Assim diz o novo mantra da saúde. Passe muito tempo numa escrivaninha ou na frente de uma tela e você está em grande risco para sua saúde. A Organização Mundial de Saúde tem identificado a inatividade física como o quarto maior risco à saúde atualmente, à frente da obesidade. Nas palavras do Dr. James Levine, um dos maiores especialistas do mundo sobre o assunto e o homem creditado com o mantra, diz: “Estamos nos sentando para a morte.”
O motivo é que não fomos feitos para permanecermos parados. Nosso corpo foi feito para movimentar-se, ficarmos de pé, caminhar e correr. Se deixarmos de praticar exercícios regulares para o corpo, ele pode facilmente funcionar mal e nos colocar em risco de doenças graves. A pergunta é: o mesmo se aplica à alma, ao espírito, à mente?
É fascinante olhar para a sequência de verbos no primeiro versículo do livro dos Salmos: “Feliz é o homem que não andou no conselho dos perversos, nem se colocou no caminho dos pecadores, nem sentou na companhia de zombadores.” (Salmos 1:1).
Este é o quadro da vida má, vivida em busca dos valores errados. Veja como o homem mau começa caminhando, depois fica de pé, então se senta. Uma vida má imobiliza. Este é o ponto dos famosos versos em Halel:
Seus ídolos são de prata e ouro, a obra das mãos do homem. Eles têm boca, mas não falam, olhos mas não vêem, ouvidos mas não ouvem, nariz mas não cheiram. Eles têm mãos mas não podem sentir, pés mas não podem andar, nem podem fazer um som com suas gargantas. Aqueles que os fazem serão como eles; assim serão todos que confiam neles. (Tehilim 115:4-8)
Se você vive por coisas inanimadas, “Aquele que morre com a maior parte dos brinquedos, vence” – você se tornará sem vida.
Exceto na Casa do Senhor, os judeus não se sentam. A vida judaica começou com duas jornadas difíceis, Avraham da Mesopotâmia, Moshê e os israelitas do Egito. “Caminha à Minha frente e seja sem culpa” disse D'us a Avraham (Bereshit 17:1).
Aos noventa e nove anos, tendo acabado de ser circuncidado, Avraham viu três estranhos passando e “correu para encontrá-los.” No versículo “Yaacov habitou [vayeshev, o verbo que também significa “sentar”] na terra onde seu pai tinha permanecido” Rashi, citando os sábios, comentou: “Yaacov procurava viver em tranquilidade, mas imediatamente caíram sobre ele os problemas de Yossef.” Os justos não permanecem sentados. Eles não têm uma vida tranquila.
Raramente o ponto é atingido com mais sutileza como no final da parashá desta semana e no livro de Shemot, como um todo. O Tabernáculo tinha sido feito e montado. Os versos finais nos falam sobre o relacionamento entre ele e a “nuvem de glória” que encheu a Tenda da Assinação. O Tabernáculo foi feito para ser portátil.1 Poderia ser desmontado e suas partes carregadas quando os israelitas viajassem no próximo estágio da sua viagem. Quando chegou a hora para eles se moverem, a nuvem se moveu da Tenda a uma posição fora do acampamento, assinalando a direção que os israelitas deveriam tomar. Eis como a Torá descreve isso:
Quando a nuvem se erguia acima do Tabernáculo, os israelitas subiam em toda a sua jornada, mas se a nuvem não tivesse subido, eles não partiriam até que o dia nascesse. Portanto a nuvem do Senhor estava sobre o Tabernáculo durante o dia, e o fogo estava na nuvem à noite, à vista de toda a casa de Israel em todas as suas jornadas. (Shemot 40:36-38)
Há uma diferença significativa entre as duas ocorrências da frase “em todas as suas jornadas”. Na primeira, as palavras têm o sentido literal. Quando a nuvem subiu, os israelitas souberam que estavam para começar um novo estágio da sua jornada. Porém no segundo exemplo, elas não podem ser levadas literalmente. A nuvem não estava “sobre o Tabernáculo” em todas as suas jornadas. Ao contrário, foi somente quando eles pararam a jornada e montaram acampamento. Durante as jornadas a nuvem seguia em frente. Rashi nota isso e faz o seguinte comentário: O local onde eles acamparam é também chamado de massa, “uma jornada”… porque a partir do local de acampamento eles sempre iniciavam uma nova jornada, portanto são todas chamadas “jornadas”.
O ponto é linguístico, mas a mensagem é notável. Em poucas palavras, Rashi sintetizou uma verdade existencial sobre a identidade judaica. Ser um judeu é viajar. O Judaísmo é uma jornada, não um destino. Até um local de descanso, um acampamento, ainda é chamado de jornada. Os patriarcas viviam, não em casas mas em tendas.2 A primeira vez que fomos informados de que um patriarca construiu uma casa, prova o ponto:
Yaacov viajou a Sucot. Ali ele construiu uma casa e fez abrigos (sucot) para seu rebanho. É por isso que ele chamou o local de Sucot. (Bereshit 33:17).
O versículo é impressionante. Yaacov acaba de se tornar o primeiro membro da família do pacto a construir uma casa, porém ele não chama o local de “Casa” (como em Bet-El ou Bet-lechem). Ele chama de “abrigo para rebanho”. É como se Yaacov, consciente ou inconscientemente, já soubesse que levar a vida do pacto significa estar preparado para se mudar, viajar, fazer uma jornada, crescer.
Alguém poderia ter pensado que isso tudo se aplicava somente ao tempo antes de os israelitas cruzarem o Jordão e entrarem na Terra Prometida. Porém a Torá diz de modo diferente:
A terra não deve ser vendida em perpetuidade porque a terra é Minha; vocês são estrangeiros e residentes temporários naquilo que me diz respeito. (Vayicrá 25:23).
Se vivermos como se a terra fosse permanentemente nossa, nossa estada ali será temporária. Se vivermos como se apenas temporariamente, então viveremos permanentemente. Neste mundo de tempo e mudança, crescimento e queda, somente D'us e Sua palavra são permanentes. Uma das linhas mais pungentes no Livro dos Salmos – um versículo querido pelo filósofo judeu Frances Emmanuel Levinas – diz:
“Sou um estrangeiro na terra. Não esconda seus comandos de mim” (Tehilim 119:19).
Ser judeu é estar leve sobre seus pés, pronto a começar o próximo estágio da jornada, literal ou metaforicamente. Um lar de um inglês é seu castelo, como eles costumavam dizer. Mas o lar de um judeu é uma tenda, um tabernáculo, uma sucá. Sabemos que a vida na terra é uma morada temporária. É por isso que valorizamos cada momento e sua novidade.
Recentemente um inglês importante, Lord George Weidenfeld, faleceu aos 96 anos. Foi um editor de sucesso, amigo e confidente de líderes europeus, um lutador inveterado pela paz e um apaixonado sionista. Em 1949-50, foi conselheiro e Chefe de Gabinete de Chaim Weizmann, primeiro Presidente de Israel. Um dos seus últimos atos foi ajudar a resgatar 20.000 refugiados cristãos fugindo do ISIS na Síria. Era alerta e ativo, até mesmo hiperativo, até o fim de uma vida longa e significativa.
Numa entrevista ao The Times em seu nonagésimo segundo aniversário, foi feita a ele a seguinte pergunta: “A maioria das pessoas com 90 anos diminui o ritmo. Você parece estar acelerando. Por quê?”
Ele respondeu: “Quando você chega aos noventa e dois, começa a ver a porta em vias de se fechar. Tenho tanto a fazer antes que a porta se feche que quanto mais velho fico, mais tenho de trabalhar.”
Esta é uma boa fórmula para permanecer jovem.
Como nosso corpo, nossa alma não foi feita para ficar sentada imóvel. Fomos feitos para nos mover, caminhar, viajar, aprender, pesquisar, lutar, crescer, sabendo que não cabe a nós completar a obra, mas também não podemos ficar fora dela. No Judaísmo, como o livro de Shemot nos lembra em suas últimas palavras, até um acampamento é chamado de jornada.
Em questões espirituais, não apenas físicas, sentar não é uma boa ideia.
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