Adaptado de Sefer HaSichos 5751, p. 62

Propósito e Sua Realização

Quando uma pessoa é enviada para cumprir uma tarefa, o objetivo deve ser claramente delineado. Às vezes, entretanto, somente uma insinuação é fornecida; a pessoa encarregada com a missão não recebe instruções explícitas. Em vez disso, cabe a ela descobrir o propósito por conta própria.

Por que alguém escolheria dar instruções desta maneira? Quando a intenção do exercício é não somente o cumprimento da missão, mas também o crescimento espiritual do agente? Se o objetivo da missão fosse detalhado, seria negada ao agente a oportunidade da descoberta e, assim, seus esforços perderiam muito de seu valor. Sua visão dependeria da luz outra pessoa. Quando, ao contrário, o agente realiza o objetivo por si só, isto desperta mais do que seu sentimento de dever; a revelação toca fundo dentro dele e se torna parte de seu próprio pensamento.

Ideias semelhantes se aplicam em relação à criação do mundo por D’us. Quando a Torá descreve a criação, suas primeiras palavras não foram “Que haja luz”. Em vez disso, ela fala de “vazio e escuridão”1.

Por quê? Nossos Sábios explicam2 que o motivo de D’us ao criar o universo foi “um desejo por uma moradia nos mundos inferiores”. Uma moradia significa um lar, um lugar onde a essência de alguém se manifesta. A expressão “mundos inferiores” se refere ao nosso universo material, no qual a Divindade não pode normalmente ser percebida.

D’us quer que Sua moradia seja uma parte integrante destes mundos inferiores. Sua intenção não é anular as limitações de nossa existência material, mas, em vez disso, manifestar a Si mesmo dentro daquelas limitações.

Onde Os Opostos Se Encontram

Se D’us tivesse iniciado a criação com luz – se Ele tivesse criado um mundo que O reconhece sem esforços – toda existência estaria unida a Ele; não haveria “mundos inferiores”. Este não foi o Seu desejo.

D’us quer que o homem exista no universo que, por sua própria natureza, parece separar criação de seu Criador. E a intenção é a de que o homem perceba a conexão por si mesmo e a desenvolva até que o mundo progrida ao estágio de perfeição completa: “O mundo será preenchido com o conhecimento de D’us, assim como as águas cobrem o leito do oceano”3.

Para que os mortais atinjam tais alturas, é necessária uma fusão de opostos, e é em tal fusão que a essência de D’us é revelada. Pois Ele não é nem luz nem escuridão, nem finito nem infinito. Nenhuma qualidade mundana nem sua antítese podem defini-Lo. Quando, entretanto, nós vemos duas qualidades aparentemente contraditórias se unindo, nós podemos apreciar que isto é possível somente porque Ele manifestou a Si próprio4.

É precisamente uma manifestação como esta que caracterizará a Era da Redenção, quando será revelado que o mundo físico de fato se tornou a moradia de D’us.

Dois Inícios

Para assegurar que os “mundos inferiores” seriam capazes de se transformarem em uma “moradia” para Ele, D’us embutiu dois elementos distintos dentro da criação desde o princípio. Assim, em relação à leitura da Torá, Bereishis, Rashi comenta5:

É como se a palavra [בראשית (bereishis, “No início”)] implorasse: “Extrapole sobre o meu significado!” [A palavra pode ser lida como ב׳ ראשית (“duas entidades que são chamadas ‘início’”)]. Como nossos Sábios comentaram: [A Criação é] em consideração à Torá, que é referida6 como “o início de Seu caminho”, e em consideração aos justos 7, que são referidos8 como “o início de Sua colheita”.

Em um contexto semelhante, nossos Sábios declaram9 que tanto o Povo Judeu e a Torá antecedem o mundo. Isto não quer dizer que houve uma precedência no tempo, pois o tempo e o espaço não existiam antes da criação10. Em vez disso, o conceito de precedência enfatiza o potencial espiritual único do Povo Judeu e a Torá.

Ao contrário do mundo em geral, que parece existir independentemente de sua fonte Divina, “Israel, a Torá e o Santo, abençoado seja Ele, são todos um” 11. Toda alma judia é “uma parte verdadeira de D’us”12 e a Torá é a vontade e a sabedoria de D’us13. Já que a Torá e o Povo Judeu são um com D’us, o cumprimento das mitsvot pelos judeus expressa o propósito da criação. “Uma mitsvá é uma vela, e a Torá, luz”14. Pela luz da Torá, os judeus podem, deste modo, revelar a intenção Divina com a qual o mundo foi imbuído e demonstrar que é a moradia de D’us.

Parceiros Na Criação

A ênfase acima sobre a Torá e o Povo Judeu não é explícita na palavra Bereshit. Ao contrário, o significado simples da palavra é “No início”, indicando que a criação é somente a primeira fase de um processo contínuo.

Isto enfatiza a importância da contribuição do homem. Pois o homem se destina a ser “um parceiro de D’us na criação”15, ajudando D’us a perceber Seu desejo por uma moradia. D’us criou o mundo material, mas deixou para o homem a tarefa de revelar o espiritual dentro dele.

Assim é, portanto, que o homem começa em um mundo de escuridão e se esforça para provê-lo com luz. E, cada brilho de luz acende outros, pois “uma pequena luz afasta uma grande quantidade de escuridão”16 e leva à luz suprema da Redenção, quando será abertamente revelado que o mundo é a moradia divina17.

O Tzemach Tzedek costumava dizer18: “De acordo com a postura que adotamos em Shabat Bereshit, todo o ano a segue”. Pois todo ano é uma renovação do ciclo da criação.

O Zohar19 declara que “D’us olhou na Torá e criou o mundo. O homem olha na Torá e mantém o mundo”.

Agora que nós começamos novamente o estudo da Torá neste Shabat, nós temos o potencial de renovar a criação, e levá-la ao seu objetivo supremo.