“Companheiros! Ontem estávamos à beira do abismo. Mas hoje demos um passo enorme para a frente!” Um líder comunista russo.

O Drama de Yossef

É um dos episódios mais emocionantes na Torá.
Yossef, seguindo instruções de seu pai, faz uma visita aos irmãos, que estão pastoreando o rebanho de Yaacov na cidade de Shechem (Nablus).

Os irmãos, que desprezavam Yossef, de longe o veem se aproximando. Percebem que com ninguém para vê-los, podem matar Yossef e inventar uma história que seria impossível refutar. Somente Reuven protesta. O texto bíblico declara: “Reuven ouviu e o salvou das mãos deles. Ele disse: ‘Não vamos tirar sua vida’. E completando: ‘Não derramem sangue. Atirem-no na cisterna aqui no deserto, mas não encostem a mão nele’ - pretendendo resgatar Yossef dos irmãos e levá-lo de volta ao seu pai.”(É interessante notar que a Torá poucas vezes descreveu os anseios interiores das pessoas. Nesse exemplo, porém, a Torá faz uma exceção, revelando-nos as verdadeiras motivações de Reuven: ele desejava salvar Yossef.)

Como você pode atingir os céus enquanto seu irmão está preso na cavidade do inferno? Como pode escalar montanhas enquanto seu irmão está no abismo? Como pode liberar sua vida enquanto seu irmão está a ponto de ser escravizado?

À medida que a história continua, os irmãos concordam com a sugestão de Reuven. Atiram Yossef num poço vazio e se sentam para fazer uma refeição. No meio da refeição eles veem uma caravana árabe viajando para o Egito.

Yehuda disse aos irmãos: “O que ganharemos se matarmos nosso irmão e escondermos seu sangue? Vamos vendê-lo aos árabes e não feri-lo com nossas mãos. Afinal - ele é nosso irmão, nossa carne e sangue.” Os irmãos concordam. Yossef é vendido e levado ao Egito como escravo, onde, treze anos depois, é elevado à posição de Primeiro Ministro do Egito (Gênesis cap. 37-41).

O Jejum de Reuven

Reuven não estava presente durante a venda. “Quando Reuven retornou à cisterna,” relata a Torá, “e viu que Yossef não estava ali, ele rasgou as roupas. Voltou-se para os irmãos e disse: ‘O menino se foi! E eu, aonde posso ir?’” Os irmãos mergulharam a túnica de Yossef em sangue, e apresentaram a túnica a Yaacov, que exclamou: “A túnica de meu filho! Uma fera selvagem o devorou! Yossef certamente foi rasgado em pedaços!” (37:29-33).

Onde estava Reuven durante a venda de Yossef? O texto é obscuro, mas como sempre, oferece um vislumbre: os irmãos venderam Yossef enquanto estavam no meio de uma refeição. A Torá, talvez, partilhou conosco esse detalhe irrelevante para nos sugerir o motivo para a ausência de Reuven. Reuven saiu de cena porque não podia comer com os irmãos. Por quê?

Rashi, citando a tradição midráshica, diz que Reuven estava se vestindo em sacos de estopa e jejuando desde que pecou contra seu pai uma década antes.

“Então Rachel morreu e foi enterrada no caminho para Efrat, ou seja, Bethlehem. Sobre seu túmulo Yaacov colocou um pilar, e até hoje aquele pilar marca o túmulo de Rachel; Reuven foi e deitou-se com a concubina de seu pai, Bilhah, e Israel soube disso.” (Bereshit 35:19-22).

Rashi, seguindo a tradição talmúdica, ilumina a cena por trás desse incidente. Quando Rachel morreu, Yaacov, que geralmente residia na tenda dela, mudou sua cama para a tenda de Bilhah, sua ajudante. Para Reuven, o filho mais velho de Leah, esta foi uma provocação insuportável e um tapa no rosto de sua sensível mãe. Já era suficientemente negativo que Yaacov preferisse Rachel à Leah, mas intolerávl que ele preferisse uma criada à mãe dele. Portanto ele removeu a cama de Yaacov da tenda de Bilhah para a de Leah.

Embora o incidente com a cama tenha ocorrido nove anos antes, Reuven ainda estava buscando maneiras de se arrepender. Portanto, não se juntou aos irmãos na refeição e não estava presente durante a venda de Yossef. Nove anos depois, Reuven ainda estava jejuando e purificando seu coração da sua intromissão na vida íntima de seu pai.

A Causa do Exílio

Há algo muito perturbador nessa narrativa. A ausência de Reuven durante a venda de Yossef foi resultado de sua intensa aspiração de purificar-se completamente; era uma consequência de sua sensibilidade espiritual e emocional única, compelindo-o a remendar sua paisagem moral interior uma década após seu erro moral. Porém este “comportamento santo” de Reuven é a causa indireta da venda de Yossef à escravidão egípcia, que terminaria por levar ao trágico exílio de Yossef no Egito.

Qual é o simbolismo por trás disso?

A mensagem é bastante clara. O exílio não se origina necessariamente em comportamento corrupto, destrutivo e cruel; às vezes é o caminho da santidade que pode levar uma pessoa ao exílio.

Você pode estar vestido de estopa; pode estar jejuando, se arrependendo, rezando e meditando, completamente afastado do materialismo e da gula. Mas se estiver engajado nesses atos nobres enquanto um amigo está enjaulado num fosso, ansiando pela liberdade, suas experiências espirituais podem ser nada mais que a gênese do exílio, uma forma de narcisismo sagrado.

Como você pode atingir os céus enquanto seu irmão está preso na cavidade do inferno? Como pode escalar montanhas enquanto seu irmão está no abismo? Como pode liberar sua vida enquanto seu irmão está a ponto de ser escravizado?

A Torá está nos ensinando a origem de todos os exílios judaicos. É quando nossas aspirações nos fazem parar de ouvir o grito de um filho preso num fosso…

Estendendo um Ombro

Hoje, também, muitos filhos e jovens se encontram à beira do abismo, física ou psicologicamente. Abuso, depressão, raiva, alienação, desesperança e cinismo têm dominado muitos jovens e os jogado num fosso sem fundo, a caminho de uma vida escravizada. Porém alguns de nós estão ocupados demais “jejuando e se arrependendo”, ocupados demais em aperfeiçoar-se espiritualment, para chegar até aqueles filhos e ajudá-los a sair de seus abismos.

Há mais de três milênios a Torá nos ensinou que essa atitude é a gênese do exílio. Quando nossos irmãos jazem morrendo em fossos de desespero e alienação, devemos cessar tudo, erguê-los de seus fossos e devolvê-los ao seu pai que espera pelo retorno deles.

Esqueça o Eu

19 de Kislev, marca o dia em que Rabi Shneur Zalman de Liadi (1745-1812), fundador do Chassidismo Chabad, foi libertado da prisão czarista em 1798. Ele e o movimento e ensinamentos chassídicos foram libertados e puderam existir e florescer.

Este, na verdade, foi um dos mais profundos e revolucionários ensinamentos de Rabi Shneur Zalman, o Alter Rebe (o Rebe mais velho, como é conhecido em Chabad). Se você escalar os céus da sua própria alma e do cosmo, pode atingir um estado mais amplo de consciência, mas isso pode ser egoísmo espiritual, focando em seus próprios desejos e anseios, em vez de naquilo que D'us deseja de você. Quando você cria coragem para sair de sua concha e descer aos fossos e abismos onde jovens almas inocentes estão perdidas e confusas, e você as ergueu com amor e paixão - agora você é um embaixador de D'us, não de si mesmo.

No céu você pode descobrir o D'us dos céus. Somente nos abismos você pode encontrar o D'us que está acima do céu.


(Este artigo é baseado numa palestra feita pelo Rebe, Shabat Parashá Chayê Sarah 5736, 1975).