No final da Porção da Torá, Chayê Sarah, (Bereshit 23:1-25:18) lemos sobre o casamento de Yitschac e Rivca. Como este é o primeiro casamento a ser narrado em detalhes pela Torá, podemos esperar que transmita percepções sobre a essência do relacionamento no matrimônio.

Um aspecto dos mais curiosos sobre o relacionamento entre Yitschac e Rivca é que pelos três anos anteriores ao casamento Yitschac literalmente desaparece. Um sumário sobre a vida de Yitschac nos deixa com uma lacuna de quase três anos. A Torá nos relata que ele tinha sessenta anos de idade quando seus dois filhos gêmeos, Essav e Yaacov, nasceram (Bereshit 25:26).

Segundo o Midrash, no entanto, o avô dos gêmeos, Avraham que faleceu aos 175 anos (ibid. v. 7), morreu no dia em que eles completaram treze anos (Midrash Rabá Bereshit 63:10) e 63:12); como Yitschac nasceu quando Avraham contava cem anos (Bereshit 21:5), isso significaria que Essav e Yaacov nasceram quase 63 anos depois do nascimento de Yitschac. Em outras palavras, quando Yitschac completou sessenta anos, perto de 63 anos já tinham se passado desde o tempo de seu nascimento. De alguma forma, ele tinha "perdido" três anos de sua vida.

Uma das explicações oferecidas por nossos Sábios é que antes do casamento com Rivca (aos quarenta anos), Yitschac passou três anos no Jardim do Éden. Durante esse tempo, levou uma existência inteiramente espiritual, de modo que estes anos não são contados como parte de sua vida física.

Embora poucos de nós possamos nos esforçar para imitar o exemplo de Yitschac em seu sentido supremo, as implicações são claras: um pré-requisito para o relacionamento do casamento é que a pessoa deve primeiro devotar um determinado período de tempo exclusivamente aos assuntos espirituais e Divinos, com o mínimo de envolvimento nos aspectos materiais da vida.

O Edifício Impossível

O próprio casamento parece ser exatamente o oposto disso: um tempo de mergulho intensificado no material. É um tempo no qual a pessoa começa a engajar o mais físico dos impulsos humanos; é também um tempo no qual é forçado a envolver-se, seriamente, em ganhar o sustento, muitas vezes às custas de objetivos mais elevados e mais idealistas. Na verdade, o Zohar considera o casamento como um segundo nascimento da pessoa; primeiro, a alma entra no corpo e assume uma existência física; depois, num ponto mais avançado da vida, a alma "desce" ao estado físico por intermédio do casamento. Mesmo assim (na verdade, como veremos, por causa disso), o casamento é a estrutura dentro da qual o aspecto mais Divino do potencial humano é realizado.

A tradicional bênção dada ao noivo e à noiva é que eles mereçam "construir um edifício eterno." Pelo casamento vem a criação da vida humana – vida com o potencial de produzir mais uma geração de vida, que por sua vez proporciona outra, e assim por diante. O poder da reprodução nos apresenta uma impossibilidade lógica: como pode uma entidade finita conter dentro de si um potencial infinito? Na verdade, nossos Sábios disseram: "Há três parceiros na criação do homem; D’us, o pai e a mãe." D’us, o único ser realmente infinito, fez o impossível: imbuiu o homem finito com uma qualidade infinita. No casamento, duas criaturas finitas e temporais estabelecem um edifício infinito e eterno.

Portanto, não é por acidente que a qualidade que o homem mais imita em seu Criador seja realizada somente por meio de uma "descida" até o material. Pois assim é com o próprio D’us: a infinita natureza de Seu poder é expresso mais fortemente com Sua criação do universo físico. Um ser verdadeiramente infinito não é limitado por quaisquer definições e parâmetros: ele é encontrado em todo e qualquer lugar, mesmo nos mais confinado e corpóreo dos ambientes. A criação dos mundos sublimes e abstratos por D’us não pode transmitir o infinito alcance de Seu poder na mesma maneira que pode Sua criação de – e Seu constante envolvimento com – nossa existência "inferior" e finita.

O mesmo se aplica ao poder da criação investido no ser humano. Devido à sua natureza divinamente infinita, ele pode e encontra realização na área mais física da vida humana.

Prelúdio Espiritual

O ser humano recebeu o livre arbítrio. Portanto, quando um homem e uma mulher unem suas vidas, cabe a eles decidir o que fazer com o Divino presente da procriação. Eles podem escolher desperdiçá-lo num relacionamento sem conteúdo espiritual – uma relação na qual eles se tornam apenas mais envolvidos com o material e somente no sentido mais básico e biológico. Ou eles podem optar em investir no esforço de construir um relacionamento altruísta e generoso, e um lar com uma família comprometida com os valores eternos estabelecidos pelo Criador da vida.

Esta é a lição do desaparecimento de Yitschac da vida física antes de seu casamento. A fim de assegurar que a "descida" da pessoa até o casamento proporcione os resultados desejados, deve ser precedido por um período de preparação espiritual. Embora a missão do homem na vida seja o desenvolvimento positivo do mundo material, deve-se entrar na arena do material bem equipado com a visão espiritual do propósito Divino, e com a força espiritual para cumpri-lo.