Se fosse feita uma enquete para descobrir qual livro da Torá é o mais popular, não há dúvida que o Livro Bereshit ganharia facilmente. Como a parte conotativa da "Maior História Jamais Contada", as primeiras porções parecem nos proporcionar o pano de fundo necessário para entender como nos tornamos uma nação, e o que somos agora. Entretanto, sabemos que as histórias em Bereshit não são apenas narrativas para entretenimento. Cada um de nossos antepassados representa um atributo específico que devemos nos esforçar para atingir, e cada evento de suas vidas pode nos ensinar algo pertinente, mesmo nos dias de hoje.

O tema desta porção é obviamente a vida de Avraham, e a porção da Torá conecta muitos dos maiores eventos de sua vida: sua circuncisão, o nascimento de Yitschac, o exílio de Hagar e Yishmael, e finalmente o teste definitivo da akeidá. Entretanto, em meio a todos estes eventos familiares está algo que de certa forma parece não se encaixar, a história da destruição da cidade de Sodoma e as preces de Avraham pelo bem da cidade.

Quanto à história que presumimos ser uma advertência,. não nos foram dados muitos detalhes no texto sobre o que realmente aconteceu em Sodoma, para que a cidade recebesse atenção Divina tão espetacular.

A narrativa descreve como os habitantes de Sodoma abordavam os visitantes da cidade. Entretanto, entendemos que devia haver ainda mais perversidade, e há na verdade toda uma lista de ofensas que o Midrash e os comentários atribuem aos sodomitas. Uma das mais infames é que eles se opunham ferozmente a qualquer forma de hospitalidade; outra é sua sólida crença no princípio "mesmo se eu não perder, não quero que você ganhe". Mas aquilo que o Ramban nos conta ter selado o destino da cidade foi sua recusa em tomar conta dos pobres. Todas as sociedades daquela época tinham algum sistema para ajudar os menos afortunados. Mas se o comportamento deles era tão mau, por que Hashem decidiu destruí-los naquela ocasião específica?

Certamente os visitantes e os pobres da cidade tinham estado em sofrimento por muitos anos. E nossa segunda dúvida é: o que isso tem a ver conosco hoje?

Obviamente podemos sempre doar mais, porém a maioria de nós ajuda o próximo de alguma maneira, seja através da Federação Judaica local, da hospitalidade no Shabat, ou em trocados que se dá aos necessitados.

Talvez uma pergunta responda a outra. A idéia de hospitalidade ou cuidados com os pobres não seja simplesmente "ser bom". Na verdade, atinge a própria razão de nossa existência. Resumindo, a humanidade foi posta nesta terra para santificar o nome de D'us, e a maneira pela qual o fazemos é imitando tantos atributos Divinos quantos pudermos. Quando ajudamos uma pessoa, estamos na verdade manifestando os atributos de chesed de Hashem – bondade e rachamim – misericórdia. Se uma nação, grupo ou cidade se recusa a cumprir suas responsabilidades básicas nesta área, então desistiram de sua razão de existir. Esta mensagem tinha de ser transmitida na história de Avraham, que personificou as características de chesed e rachamim. Desde seu atendimento aos anjos que visitaram sua tenda até o ponto alto da akeidá, Avraham representou tudo aquilo que os sodomitas rejeitaram. Sem o episódio quase irônico do justo Avraham argumentando com Hashem para salvar os pecadores de Sodoma, teríamos omitido boa parte da história.

Estas mensagens não são apenas grandes idéias filosóficas para que pensemos a respeito. Uma das formas pela qual os sodomitas demonstravam sua falta de respeito pela humanidade e por D’us foi sua subversão das regras de "jogo limpo", ao roubarem uns dos outros quantias que eram pequenas demais para serem recuperáveis no tribunal. Na verdade, muitos de nós provavelmente já testemunhamos a seguinte cena: passeando pelos corredores do mercado local, você espiona nosso protagonista David em frente a uma gôndola de uvas com aparência deliciosa. São grandes e suculentas. Porém, David está pensando que não vai levar alguns cachos para casa sem primeiro saber se são tão boas quanto aparentam, então arranca duas uvas para "testar".

Certamente há um aviso advertindo os fregueses a não cometer este furto gastronômico, mas, reflete David: "O que podem fazer – processar-me por causa de uma uva?"

Bem, David, é aí que queremos chegar. Aprendemos de Avraham o quanto ganhamos por pensar nas necessidades dos outros e não querer tudo para nós mesmos. Em total contraste, Sodoma nos ensina que, ao usarmos nossa criatividade para tirar algo que não nos pertence, estamos apenas embarcando na funesta rota da destruição.