Levado por um fanático ódio aos judeus, naquela manhã Bilam levantou-se mais cedo que de costume. Ele mesmo selou sua mula, apesar deste serviço subserviente ser, em geral, designado a seus servos.

D'us disse: "Perverso, você pensa que sua devoção a sua missão ganhará superioridade para as forças da impureza? Há outro antes de você, o patriarca dos judeus, Avraham, que agiu com avidez similar e devoção a um propósito sagrado. Ao ser ordenado a sacrificar seu filho Yitschac, também ele levantou-se cedo e selou, ele próprio, seu burro; implantando, desta forma, uma dedicação que é mais forte que a sua."

Bilam partiu, acompanhado por dois servos e seguido pelos príncipes de Moav. D'us preencheu a rota de Bilam com obstáculos, a fim de adverti-lo de que estava prosseguindo em direção a sua própria destruição. Ele enviou o Anjo da Misericórdia para obstruir seu caminho, porém Bilam escolheu ignorar um sinal após o outro.

D'us fez com que a mula de Bilam sentisse a presença do anjo, de modo que Bilam pudesse sentir-se humilde ao perceber que seu animal sabia mais que ele.

Quando a mula sentiu que tinha um anjo diante de si, ameaçando-a com uma espada, não se atreveu a continuar. O caminho era ladeado de campos abertos, e a mula correu para as planícies.

Bilam não sabia explicar o estranho comportamento do animal. Contudo, recusava-se a refletir sobre o significado dos extraordinários eventos, apenas ficou cada vez mais irado e golpeou sua besta. O animal, voltou então para o caminho, de onde o anjo já havia desaparecido. Imediatamente, o anjo reapareceu, e a mula o viu de novo. Com receio de continuar, a mula foi para a beira do caminho, onde havia um montículo de pedras. A mula pressionou o pé de Bilam contra as pedras, machucando-o. Desde então, Bilam passou a mancar.

Por que Bilam foi ferido?

Nosso patriarca Yaacov chegou a um acordo com Lavan: "Nem nós nem nossos descendentes atravessarão este lugar para prejudicar uns aos outros." Selando o acordo, erigiram um monte de pedras (Bereshit capítulo 32:44-54). Este era o mesmo monte de pedras no qual Bilam, descendente de Lavan, esbarrou, passando por ali com o objetivo de prejudicar os descendentes de Yaacov. Ele estava violando o acordo. Como castigo, o monte de pedras feriu seu pé.

Porém isto não o dissuadiu de continuar a viagem. Quando a mula quis dar a volta, evitando o anjo, Bilam chicoteou-a novamente.

Pela terceira vez, a mula ficou parada no meio do caminho. Só que agora, o caminho estava cercado dos dois lados, e a mula não podia se desviar. Encolheu-se sob Bilam, negando-se a se mover.

Bilam deveria ter refletido. Já possuía a mula por muitos anos, e ela nunca havia se comportado daquele jeito. Deveria ter percebido que D'us o impedia de prosseguir. Ao invés disso, Bilam enfureceu-se, dando uma terrível surra na mula.

Por quê o anjo apareceu três vezes?

Da primeira vez que o anjo apareceu, havia campo aberto dos dois lados do caminho. D'us mostrava: "Se você pretende maldizer os filhos de Avraham, só pode maldizer os descendentes de Yishmael, que são perversos e merecem uma maldição. Mas não se atreva a amaldiçoar os filhos de Yitschac, pois são tsadikim."

Na segunda aparição, só podia escapar por um lado, simbolizando: "Se você quer maldizer os descendentes de Yitschac, só pode maldizer os filhos de Essav, o perverso, mas jamais os filhos de Yaacov."

Da terceira vez, o asno não podia se mexer nem para a direita, nem para a esquerda, mostrando a Bilam: "Se você quer maldizer os descendentes de Yaacov, o caminho está bloqueado de ambos os lados. É impossível. Os doze filhos de Yaacov são tsadikim, e seus descendentes são santos."

D'us realizaria agora um milagre cujo potencial Ele estabelecera durante os seis dias da criação - fazer a mula conversar com Bilam em linguagem humana.

Este milagre tinha como objetivo incutir em Bilam a impressão de que a fala é um dom de D'us. Exatamente como Ele pode investir uma besta muda com o poder da fala, assim Ele impediria Bilam de fazer quaisquer declarações não favoráveis contra os judeus.

A mula reclamou a Bilam: "O que fiz a você para merecer apanhar três vezes?"

Bilam deve ter ficado assombrado e aterrorizado ao ouvir a mula falar. Todavia, estava tão obcecado em atingir seu perverso objetivo que estava insensível sequer às mais bizarras ocorrências.

Replicou a sangue frio: "Você me fez de bobo! Se apenas tivesse uma espada em minhas mãos, te mataria agora!" Começou a procurar uma arma para matá-la.

A mula comentou: "Aparentemente, você não pode destruir-me sem uma espada, não obstante está a caminho de erradicar uma nação inteira com palavras?!"

Os príncipes de Moav, cavalgando com Bilam, ficaram sem palavras. Jamais testemunharam algo tão extraordinário quanto uma conversa entre um ser humano e um animal. Além disso, as palavras da mula faziam sentido.

"É verdade," os príncipes começaram a rir. "Vejam, este homem proclama que pode destruir um povo inteiro apenas com palavras, e agora está procurando freneticamente uma espada para matar sua mula!"

Essa ridicularização foi um golpe devastador para o orgulho de Bilam.

"Por que você está montando uma mula que não lhe obedece?" - perguntaram os príncipes.
"Ela não me pertence, tomei-a emprestado," explicou Bilam.
"Não é verdade," desmentiu-o a mula, "Sou sua mula."
"Contudo," continuou Bilam, "ela não está acostumada a transportar pessoas, apenas cargas."
"Não," objetou a mula. "Estou acostumada a que me monte."
"Talvez eu a usei uma vez," desconversou Bilam.
A mula corrigiu-o: "Você sempre montava em mim durante o dia, e à noite usava-me para seus baixos propósitos! Alguma vez já agi de maneira similar desde que me conhece?"
"Não, não agiu," confessou o envergonhado Bilam.

Somente depois é que D'us abriu os olhos de Bilam, que de repente notou o anjo a sua frente, brandindo a espada.

Bilam compreendeu que fora ameaçado de morte. Ajoelhou-se e prostrou-se ao solo, em sinal de reverência.

O anjo censurou-o: "Por que bateu na mula três vezes? Se ela não tivesse se desviado de mim cada vez, eu teria te matado. No entanto, não fui enviado para cá para defender sua mula. Vim para avisar você a não prosseguir com seus planos perversos. A nação que você procura exterminar é tão amada pelo Todo Poderoso, que Ele ordenou a todos os seus varões que viessem visitá-Lo três vezes por ano no Templo Sagrado (para as Festas)."

Temendo por sua vida, Bilam tornou-se submisso e fingiu remorso.

"Pequei," confessou impetuosamente, esperando que o anjo poupasse sua vida. "Deveria ter percebido, pelos acontecimentos extraordinários, que D'us estava tentando impedir-me de seguir meu curso. Agora, se você desaprova que eu continue viajando, voltarei."

As palavras: "Se você desaprovar," que Bilam dirigiu ao anjo, eram insolentes. Implicavam: "D'us permitiu-me partir, e agora Ele envia um anjo para relembrar Suas palavras. Se Ele quer que eu volte, Ele Mesmo deveria ter me dito. Também no passado D'us foi inconsistente. Primeiro, Ele ordenou a Avraham que oferecesse seu filho em sacrifício, e depois Ele ordenou que um anjo contradissesse Sua Palavra."

Bilam era astuto. Intencionalmente, disse: "Pequei." Sabia que se alguém confessa seu pecado, o anjo não tem poder de tocá-lo. Em seu coração, porém, continuava o mesmo perverso de antes sequioso por maldizer os judeus. Por isso, D'us permitiu que ele continuasse na vereda do mal que ele próprio escolhera.

O anjo respondeu: "Você pode prosseguir viagem. Mas saiba que será capaz de dizer apenas o que colocarei em sua boca."

Bilam montou alegremente, esperando "persuadir" o Todo Poderoso a deixá-lo amaldiçoar os judeus.

Bilam é recebido por Balac, e ambos preparam-se para maldizer o povo judeu

De acordo com instruções anteriores de Balac, ao chegarem às proximidades de Moav, os delegados notificaram o rei, que saiu para prestar a Bilam a honra de uma recepção real.

"Por que não aceitou minha oferta imediatamente?" Balac reprovou Bilam. "Você acha que sou incapaz de honrá-lo?" (Involuntariamente, uma faísca de profecia escapou de seus lábios. Na verdade, não seria capaz de honrar Bilam.)

Bilam explicou a Balac que ele não concordara imediatamente porque D'us proibiu-o de partir. "Agora também tenho poder para falar apenas as palavras que D'us coloca em minha boca."

Não obstante, ambos confiavam em que Bilam seria capaz de enfraquecer os judeus com seus poderes e prejudicá-los através de seu mau olhado.

Conforme Balac e Bilam cavalgavam ao longo do rio Arnon em direção aos subúrbios da capital, o rei mostrou a Bilam, à distância, faixas de terra que os judeus conquistaram de Sichon e Og, terras que originalmente pertenceram a seu próprio país.

Ao chegarem à capital, Bilam percebeu que era densamente populosa, e fervilhava de atividade. Antes da chegada de Bilam, Balac ordenara a todas as grandes lojas e mercados dos subúrbios de Moav que se transferissem para o centro da capital. Esperava que a visão da cidade agitada com vida e atividade despertasse a simpatia de Bilam. Desta maneira, cheio de compaixão por uma população inocente de homens, mulheres e crianças ameaçadas por uma invasão, Bilam esforçar-se-ia ao máximo para incapacitar os judeus.

Bilam e os príncipes de Moav instalaram-se em alojamentos pré-determinados. O rei Balac enviou-lhes uma refeição de sua cozinha, porém a despeito de suas grandes promessas, era realmente escassa. Naquele dia, Balac abateu muito gado para seu próprio banquete suntuoso; para Bilam, contudo, enviou de má vontade não mais que um bezerro e um carneiro, ambos pequenos e defeituosos. Bilam ficou ultrajado, e jurou furiosamente: "Eu o ensinarei a não ser tão avarento. Amanhã, mandarei erigir sete altares em sete lugares diferentes, e oferecer um touro e um carneiro em cada um. E deverá repetir as oferendas cada vez que eu estiver pronto para maldizer os judeus. Que isto lhe sirva de lição."

Na manhã seguinte, Balac e Bilam encontraram-se a fim de começarem os preparativos necessários para amaldiçoarem os judeus. Bilam esperava reconhecer o minuto exato de ira de D'us, para aproveitar a oportunidade e pronunciar a maldição.

Balac, que era superior a Bilam no conhecimento de onde uma maldição deve ser pronunciada, levou Bilam a uma colina de onde podiam observar a Tribo de Dan.

Balac sabia que os judeus eram uma nação bendita por D'us. Não obstante, propunha-se a aniquilar os judeus que cometiam pecados. Se os encontrasse, D'us teria que cumprir a maldição, pois esses judeus mereciam uma punição.

No futuro, alguns homens da tribo de Dan erigiriam um ídolo; Bilam exultou quando viu a tribo que pecaria, pois acreditava que sua maldição faria efeito sobre esta tribo.

Bilam instruiu Balac: "Construa sete altares neste local, e ofereça um novilho e um carneiro a D'us."

Bilam esperava encontrar graça aos olhos de D'us com esses sacrifícios. Proclamou: "Construí sete altares, correspondendo aos sete altares erigidos pelos sete tsadikim: Adam e seu filho Hêvel, Nôach, Avraham, Yitschac, Yaacov e Moshê. "

Apesar de Bilam e Balac não oferecerem sacrifícios por motivos puros, mas com perversos propósitos posteriores, não obstante D'us recompensou-os. Balac, como resultado, tornou-se o ancestral de Ruth, a moabita, convertida e matriarca da real dinastia de David.

Aprendemos disso que devemos sempre realizar atos externos de retidão e virtude, estudar Torá e cumprir as mitsvot, mesmo se seus motivos não forem totalmente puros. Subseqüentemente, realizará esses atos com sinceridade.

É certo e apropriado que um judeu estude Torá e cumpra as mitsvot, mesmo que, naquele momento, falte-lhe a requerida dedicação mental a D'us. O cumprimento de Torá e mitsvot na prática exercem, por si sós, uma influência benéfica sobre ele.

Bilam ordenou a Balac: "Permaneça ao lado dos sacrifícios, enquanto eu subo ao topo da colina. Tenho de meditar sozinho para que D'us possa falar comigo. No passado, Ele nunca Se dirigiu a mim durante o dia, e não tenho certeza de que Ele virá ao meu encontro agora."

Bilam andou sozinho até o topo da colina, arrastando com dificuldade sua perna defeituosa. Apesar de seu ferimento ainda doer, recusava-se a atrasar a missão e dar-se o tempo para recuperar-se; pois estava ansioso demais para amaldiçoar os judeus.

Bilam pensou: "Logo chegará um momento no qual D'us fica desgostoso com o mundo." Todavia, ele esperou, esperou, mas esse momento jamais chegou.

Na verdade, D'us agiu com muita bondade com o povo judeu. Durante todos aqueles dias em que Bilam tentou maldizer os judeus, D'us conteve sua ira.

Depois que Bilam meditou um pouco, D'us apareceu para ele, em honra ao povo judeu. (Contudo, a revelação de Bilam foi inferior à experimentada pelos profetas judeus. D'us dirigiu-se a ele de maneira casual e desdenhosa, e não com amor.)

A Torá não diz "vayicrá" - D'us chamou Bilam. A Torá emprega a palavra "vayicar", significa que D'us "encontrou por casualidade" com Bilam. Também significa que D'us ficou aborrecido por ter de falar com alguém tão impuro como Bilam.

D'us perguntou a Bilam: "Perverso, o que você está fazendo aqui?"

"Preparei sete altares com sacrifícios," replicou Bilam, "como presentes a Ti."

Um vendedor sempre trapaceava seus clientes, usando falsos pesos. Certo dia, um inspetor entrou na loja e disse-lhe: "Você está sendo acusado de fraude."

"Eu sei," replicou o vendedor, "já enviei um presente a sua casa."

Similarmente, Bilam esperava o favorecimento de D'us subornando-O com sacrifícios.

D'us respondeu: "Prefiro uma colher cheia de farinha oferecida pelos judeus, descendentes de Meu amado Avraham, aos suntuosos sacrifícios daqueles que Eu odeio. Não quero as oferendas de um perverso. Volte para o rei Balac e fale com ele."

Bilam implorou a D'us para que o deixasse amaldiçoar o povo judeu; mas enquanto no seu íntimo formulara uma maldição, D'us enrolou sua língua, forçando-o a pronunciar o oposto do que pensava. (De cada bênção pode-se adivinhar a maldição que Bilam pretendia proferir.)

Foi como se D'us tivesse posto um freio em sua boca, obrigando-o a dizer apenas o que D'us queria que ele dissesse. Bilam já não podia escolher suas próprias palavras. Bilam retornou a Balac e aos príncipes de Moav. Encontrou-os ainda concentrados sobre as oferendas dos sacrifícios.

Bilam estava pronto para lançar sua primeira maldição. Mas o "freio" que tinha em sua boca alterava tudo o que ele pensava dizer. Qual não foi a surpresa de Balac e dos príncipes de Moav ao ouvir Bilam pronunciar as bênçãos mais portentosas.