As mitsvot da Torá, geralmente, pertencem a uma de três categorias:

Mishpatim - Leis Civis: "Mishpatim" são leis Divinas que promulgam a segurança e sobrevivência da sociedade humana. Incluem, por exemplo, a proibição de roubar e matar.

Edut - Testemunhos: Se uma mitsvá testemunha um evento histórico ou algum aspecto de nossa fé, é chamada de "Edut", testemunho. São exemplos a mitsvá de observar o Shabat, que atesta nossa crença de que o Todo Poderoso criou o mundo em seis dias; observar as Festas (Yom Tov), pois comemoram o Êxodo do Egito; as mitsvot de tsitsit e tefilin que demonstram nossa crença na soberania de D'us.

Chukim - Decretos Divinos: Na categoria de chok (plural: chukim) classifica-se todas as mitsvot cujo propósito ou significado não são compreendidos pela inteligência humana.

Esta categoria de mandamentos é a mais difícil de respeitar. O Talmud nos diz que essas são as leis que "a má inclinação (yêtser hará) e as nações do mundo tentam contestar." Se não compreendemos o motivo de alguma coisa é tentador achar pretextos para não faze-la. Quando tentamos explicar nossa religião aos não-judeus, as leis que não tem um motivo óbvio são as mais difíceis de compreensão. O fato de um mandamento não ter um motivo óbvio torna seu cumprimento um ato de fé, muito mais ainda. Ele indica que estamos prontos e desejosos de obedecer às ordens de D'us, até mesmo quando não podemos justificá-las racionalmente.

Todas as leis de pureza e impureza ritual pertencem à essa categoria de mandamentos conhecidos como chukim, decretos. Portanto, disseram nossos sábios, "O corpo morto não impurifica, e a água não purifica. Mas sim, disse D'us, Eu dei uma ordem, e emiti um decreto - e você não tem permissão para questioná-lo."

Demonstramos assim, que estamos colocando D'us acima de nosso próprio intelecto. Apesar de talvez não sermos capazes de justificar esses mandamentos perante o mundo, expressamos nossa segurança interior como judeus ao continuar cumprindo-os.

Há numerosos exemplos de chukim, mas o Midrash enumera quatro sobre os quais a Torá afirma explicitamente: "Este é um chok." Uma vez que contém elementos aparentemente contraditórios, são passíveis de serem ridicularizados pelos que se pautam pelo pensamento racional. Por isso, a Torá aconselha o judeu a dizer a si mesmo: "É um chok, não tenho direito de questioná-lo."

Os quatro chukim são:

1. Yibum: Um judeu que se casa com a esposa de seu irmão enquanto este ainda está vivo, ou mesmo após sua morte, incorre em pena de caret (morte espiritual), contanto que seu irmão tenha tido filhos. Porém, se a esposa do irmão não tem filhos, é mitsvá casar-se com ela (levirato, yibum).

Sendo que a lógica acha muito difícil aceitar este paradoxo, o versículo enfatiza: "E vocês guardarão Meus chukim." (Vayicrá 18:26).

2. Shaatnez: A Torá proíbe vestir-se com roupas que contenham mistura de lã com linho. Não obstante, é permitido vestir um traje de linho em cujos cantos haja tsitsit de lã atados. Por mais que questionemos esta exceção, a Torá declara, no que concerne à mitsvá de shaatnez: "E vocês guardarão Meus chukim." (Vayicrá 19:19).

3. O bode para Azazel: Um bode era enviado à morte como parte do Serviço de Yom Kipur, purificando o povo judeu de seus pecados. Ao mesmo tempo, impurificava o agente que o enviava. Por conseguinte, esta lei é chamada de "um chok eterno" (Vayicrá 16:29).

4. A vaca vermelha: As cinzas da vaca vermelha purificavam um judeu que encontra-se impuro, enquanto tornavam impuro qualquer um que estivesse envolvido em sua preparação. Uma vez que isto também desafia a lógica, a Torá introduz o assunto com as palavras: "Este é o chok da Torá" (19:2); devemos aceitar a mitsvá como uma ordem Divina.

Os chukim, contudo, não são "leis sem razão"; sua lógica, porém, é Divina. Os maiores dentre nosso povo foram capazes de compreender algumas delas.

Assim, o fundamento racional por trás das leis da vaca vermelha foram reveladas de maneira Divina a Moshê.

O rei Salomão, por outro lado, que pesquisava as razões por trás das mitsvot e encontrou explicações para todas as outras, professou que esta mitsvá era incompreensível.

Salomão descobriu porque o shochet (magarefe) deve seccionar tanto o esôfago quanto a traquéia dos mamíferos, enquanto que para aves é suficiente cortar apenas um desses órgãos, e que peixes sequer necessitam de abate ritual.

Todavia, confessou: "Pensei que teria sabedoria, porém isto (a compreensão da mitsvá da vaca vermelha) está muito distante de mim." (Cohêlet 7:23).

A fim de apreciar plenamente suas palavras, exploraremos a profundidade e âmbito da sabedoria de Salomão:

"E D'us deu a Salomão bastante sabedoria e compreensão, e extensão de conhecimentos como a areia da beira do mar." (Melachim I, 5:9).

Esse versículo implica que a sabedoria de Salomão equivalia à sabedoria do povo judeu, que era "tão numeroso quanto a areia da beira do mar." A capacidade de seu intelecto era superior a de qualquer outra pessoa, e por isso conseguia captar o que se passava na mente do outro. Conseqüentemente, seu julgamento era verdadeiro mesmo em casos nos quais os fatos eram obscuros, como demonstra a seguinte história:

Três mercadores judeus estavam juntos numa jornada quando se aproximava o Shabat. Decidiram enterrar seu dinheiro em determinado local, descansar até depois do Shabat, desenterrá-lo e continuar seu caminho.

Na escuridão da noite, enquanto os companheiros dormiam, um deles aproximou-se sorrateiramente do local secreto, desenterrou o dinheiro e escondeu-o em outro lugar.

Procurando o dinheiro depois do Shabat, os mercadores perceberam que esse desaparecera. Uma vez que ninguém mais sabia do local secreto, concluíram que um deles deveria ter roubado o tesouro. Mas qual? Cada um acusava o outro, dizendo: "Você é o ladrão!"

Incapazes de determinar quem era o culpado, decidiram viajar até Jerusalém e submeter o caso ao Rei Salomão.

O Rei Salomão ouviu atentamente o relato e ordenou-os a retornar no dia seguinte. Ao voltarem à corte, o rei declarou: "Sei que todos vocês são mercadores perspicazes. Antes de julgar seu caso, gostaria de ouvir sua opinião acerca de outro caso que me foi apresentado."

Os três ouviram com atenção o Rei Salomão relatar o seguinte incidente: "Um menino e uma menina cresceram no mesmo bairro, e prometeram não se casar sem o consentimento um do outro. Mais tarde, mudaram-se e perderam contato. Quando a menina chegou à idade casadoura, ficou noiva de um jovem de sua nova cidade. Mesmo assim, não se esquecera da promessa feita na infância. Ao se aproximar a época do casamento, vendeu seus pertences pessoais a fim de levantar fundos para empreender uma longa jornada a sua cidade natal, para procurar seu antigo vizinho. Viajou a sua cidade, encontrou-o e explicou-lhe que estava noiva de outra pessoa. Pediu-lhe para libertá-la da promessa feita anos atrás e, em seu lugar, aceitar o dinheiro que conseguira.

O jovem valorizou os sofrimentos pelos quais ela passara para ser fiel a sua promessa. Apesar de lhe ser difícil, disse-lhe que estava livre para casar-se com seu noivo. Recusou o dinheiro que ela oferecera, e ela partiu em paz.

A solitária viagem de volta era tão perigosa para a jovem quanto fora sua jornada para longe do lar. Ao circular por um bairro deserto, um velho surgiu de um arbusto, atirando-se sobre ela, roubando-lhe todo o dinheiro e ameaçando utilizar-se dela para seus próprios propósitos.

"Por favor, ouça-me," suplicou a moça, "você é um homem velho, por quê traria esta terrível culpa sobre si pouco antes de ser convocado perante o Juiz Eterno? Pegue meu dinheiro, mas deixe-me retornar ilesa a meu noivo." Contou-lhe sua história, e encerrou: "Meu amigo de infância certamente teve mais dificuldade em me deixar partir que você; ele é jovem, e reivindicou um direito a mim. Você, um homem velho, deve aprender dele a como se controlar."

O ladrão ficou tocado pelo relato. Não a molestou, e restituiu-lhe o dinheiro.

"Agora," concluiu o Rei Salomão, "coloco-lhes a seguinte questão: Quem é o verdadeiro herói da história - a moça, o jovem ou o ladrão? Gostaria de ouvir suas opiniões sobre o assunto."

"A moça é extraordinária," replicou o primeiro mercador. "Imagine, empreender uma longa e perigosa jornada apenas para cumprir sua promessa!"

"Admiro o jovem," apartou o segundo. "Agiu de maneira nobre e altruísta."

"A ação do ladrão é a mais admirável," comentou o terceiro mercador. "Depois de conseguir ter em sua posse tanto a moça quanto o dinheiro, não apenas libertou a moça, como também restituiu o dinheiro!"

"Prendam-no!" gritou o Rei. "Ele só pensa em dinheiro! Mesmo ouvindo esta história, em seu íntimo, desejava o dinheiro da moça. Quando teve oportunidade de pegar o dinheiro para si, com certeza o fez! Prendam-no imediatamente!"

O mercador foi preso, e confessou imediatamente sua culpa.

O Rei Salomão era perito em todas as ciências, ultrapassando seus antepassados. Por exemplo, seu conhecimento sobre animais era maior que a de Adam (Adão), que deu nome a cada espécie de acordo com suas características essenciais.

Sua compreensão sobre astronomia ultrapassava a de Avraham, um mestre dessa ciência.

Sua perícia em negócios de estado excedia a de Yossef, ele próprio um legislador habilidoso. Também era melhor lingüísta que Yossef, que falava setenta idiomas. Além de falar todas as línguas, comunicava-se com todos os animais.

O Rei Salomão brilhava mais que os reis e nações de sua época em todos os ramos da ciência. Apesar dos reis egípcios orgulharem-se de seu conhecimento em astrologia, a competência de Salomão era superior, como demonstra o seguinte incidente:

Quando o Rei Salomão estava prestes a construir o Templo Sagrado, pediu ao rei egípcio, o Faraó Necho, que lhe enviasse artistas e artesãos.

O Faraó pediu a seus astrólogos para adivinharem quais de seus súditos estavam destinados a morrer naquele ano. Subseqüentemente, enviou a Salomão uma equipe de trabalhadores desenganados.

Contudo, assim que os artesãos egípcios chegaram, Salomão percebeu o segredo. Ordenou que vestissem mortalhas brancas e enviou-os de volta à terra natal com uma mensagem ao Faraó Necho: "Aparentemente, faltam-lhe mortalhas para enterrar seus mortos. Por isso, estou enviando algumas para seus trabalhadores."

A sabedoria de Torá do Rei Salomão era imensa. Ultrapassava a da geração do deserto, conhecida como "a Geração do Conhecimento."

Sua grandeza em Torá torna-se patente através dos três maravilhosos e sagrados Livros que escreveu com espírito de profecia: Cohêlet (Eclesíastes), Mishlê (Provérbios) e Shir Hashirim (Cântico dos Cânticos) - que estão incluídos nos 24 livros do Tanach (Bíblia). Também compôs alguns dos salmos no Tehilim.

Fez com que a Torá fosse cara e amada pelo povo, pois podia ilustrar o significado de cada halachá (Lei da Torá) com três mil parábolas, e citar mil e cinco diferentes razões para cada ordem rabínica.

Quão profunda é, portanto, a mitsvá da vaca vermelha, se o Rei Salomão, o mais sábio dos homens, declarou: "Estudei-a e empenhei-me em entendê-la, porém está bem além de minha compreensão."

Na verdade, mesmo as mitsvot da Torá que parecem compreensíveis são "chukim". Seu verdadeiro significado está muito além do intelecto humano.