De Pernas Para o Ar - Por Rabi Lee Jay Lowenstein
O nome da porção desta semana da Torá, Êkev, literalmente significa "calcanhar." Uma tradução simples do versículo introdutório seria portanto: "E será nos calcanhares de seu cumprimento dos mandamentos… que D'us cumprirá Sua aliança e Sua bondade que Ele prometeu aos seus antepassados."
Rashi cita um Midrash que oferece uma leitura alternativa do versículo. O Midrash declara que se você for cuidadoso em observar os mandamentos que as pessoas normalmente esmagam sob os calcanhares, então o Todo Poderoso cumprirá Suas promessas a você.
À primeira vista, a pessoa poderia dizer instintivamente que o Midrash significa que se você for tão cuidadoso em cumprir até mesmo as minúcias da Torá, então as recompensas ilimitadas de D'us serão suas. Entretanto, um escrutínio mais cuidadoso revela o que isso quer dizer: A recompensa vem por cumprir as "menores" mitsvot e por não fazer distinção entre elas e aquelas consideradas mais "sérias". Isso levanta várias dificuldades. Por que não deveríamos distinguir entre elas? É justo determinar que a recompensa vem por realizar as "menores" mitsvot da mesma forma que ocorre com o cumprimento das mais 'sérias"? Além disso, qual é a definição de uma mitsvá que alguém "esmagaria sob o calcanhar"? Finalmente, por que nossos sábios selecionam o calcanhar como oposto a nomear todo o pé como o culpado que tão impiedosamente pisoteia a palavra de D'us?
De volta ao Jardim do Éden, o homem falhou no maior teste de todos os tempos. O problema de comer da Árvore do Conhecimento não foi meramente uma questão do homem procurando o alimento mais exótico para agradar suas papilas gustativas. Foi sobre a própria existência, e sobre quem comanda o espetáculo.
D'us, em Sua infinita sabedoria, sabia que era melhor para o homem não receber parte da árvore naquela ocasião. Mesmo assim o Homem acreditou que sabia mais; ele determinou que era ele quem controlava seu destino e que era capaz de fazer tudo certo. Talvez para expressar isso em um nível mais profundo: O homem pensou que merecia existir, que tinha o direito de ser, e que estava devidamente habilitado a exercitar seu direito, tornando-se o único senhor de seu destino. Após sua queda, quando ele, sua mulher e a serpente foram amaldiçoados, D'us declarou que haveria inimizade entre a serpente e a raça humana; "a cobra morderá seu calcanhar e ele esmagará sua cabeça" (Bereshit 3:15).
O outrora grandioso e potencialmente eterno homem torna-se agora uma perpétua vítima da serpente; e onde especificamente estaria seu "calcanhar de Aquiles", o próprio calcanhar. Por que?
Existe uma expressão que descreve a firma resolução de alguém que deseja conseguir um cargo – "ele está cavando com os calcanhares". O calcanhar representa a afirmação do homem sobre a terra. Como diz o versículo: "Os céus pertencem a D'us, mas a terra foi dada à Humanidade" (Tehilim 115:16).
O homem reivindica que a terra é sua propriedade, e portanto tem o direito de controlá-la, de exercer domínio sobre ela. A conexão com a terra através do calcanhar incentiva o homem. Observe quantas guerras foram travadas sobre limites territoriais! Quanto mais o homem "cava" a terra, mais poder ele pensa que exerce, e quanto mais direitos sente que tem, mais se distancia de um relacionamento significativo com D'us.
Ironicamente, a mesma força que dá ao homem tanto poder, é a causa de sua queda – o calcanhar. Não é surpresa, portanto, que está seja a área de ataque, sobre a qual a serpente sempre terá um ponto de vantagem.
A palavra hebraica para sapato é "na'al". Etimologicamente, pode derivar da palavra hebraica "no'el" que significa "trancar", ou da palavra "aliyah" que significa "subir". De qualquer forma, a conotação é que sapatos rompem nossas amarras com o solo e isolam o homem da atração impetuosa da terra. Assim fazendo, os sapatos nos dão uma alyiah, uma ascensão espiritual, porque nos removem da força que busca arrastar-nos para baixo e para longe de D'us – a terra.
Não temos dificuldade em entender filosoficamente que a Torá foi criada por D'us para o aperfeiçoamento da humanidade. Obviamente, deve haver um livro mestre que governa o universo e estabelece um padrão de valores e comportamentos desejáveis. Entretanto, qual é realmente nossa atitude com a Torá? Cumprimos a mitsvot porque nós desejamos o que é melhor para nós e o estilo de vida da Torá preenche esta necessidade? Sentimos que temos o direito de decidir por nós mesmos o que é verdadeiro e justo? Ou, talvez, afastamo-nos da equação e dizemos que um ser humano não pode saber independentemente o que é melhor para si, e que portanto devemos conceder a total determinação sobre o certo e o errado à Torá?
O Maharal explica que as mitsvot que tendem a ser pisoteadas são aquelas que entendemos como não merecedoras de grande recompensa. Se nossa atitude para com a Torá é meramente utilitária, que temos o direito de escolher o que é melhor para nós e portanto escolhemos a Torá, pode-se prontamente entender como aquelas mitsvot que não proporcionam os maiores benefícios possam ser "varridas para debaixo do tapete" em favor das "grandes mitsvot". Por que eu deveria escolher o que é melhor para mim?
Entretanto, entendemos que, afinal, não temos quaisquer direitos de escolher de quais mitsvot gostamos ou não, e reconhecemos que D'us nos abençoou com a oportunidade de servi-Lo quando guardamos Sua Torá e que Sua vontade é correta não importando aquilo que pensamos, então agarraremos a oportunidade de cumprir qualquer mitsvá, independente de seu "valor" percebido.
Portanto, o que torna-se evidente é que as mitsvot "menores" tornam-se o teste crucial através do qual demonstramos nossa verdadeira atitude em relação à Torá. Se fizermos uma pausa para considerar que a liberdade de escolher não significa uma liberdade de escolha, saberemos instantaneamente o que é a verdadeira humildade. Então ficaremos realmente de cabeça para baixo!
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