O Shemá é a prece mais conhecida e, indiscutivelmente, a mais central do Judaísmo. Judeus sacrificaram suas vidas por milênios com as palavras do Shemá Yisrael em seus lábios e são louvados como o povo que “recita o Shemá duas vezes ao dia.” 1
Mas—como veremos—o Shemá é muito mais do que uma oração na qual pedimos a D’us por nossas necessidades.
O Shemá é uma afirmação e uma meditação. 2 A palavra “Shemá” significa literalmente “ouça”. A Torá usa o termo “ouvir” para conceitos que estão um pouco distantes de nós. 3 Não precisamos ser informados sobre coisas que são óbvias e tangíveis; nós as vemos. Se o Shemá fosse meramente uma afirmação da nossa certeza sobre a unidade de D’us e nossa conexão com Ele, não deveríamos dizer “Veja, ó Israel?” 4
Claramente, o Shemá não está simplesmente afirmando algo como verdadeiro. É uma contemplação dessa verdade para que ela entre em seu coração e mude você.
O Que É o Shemá?
Aqui está um resumo rápido do Shemá caso você não esteja familiarizado. O Shemá é quase inteiramente uma citação direta—sem edições ou alterações—de várias seções diferentes da Torá e é composto por três partes. A primeira seção começa com uma citação de Devarim (Deuteronômio), na qual aceitamos D’us como nosso Rei:
“Ouve, ó Israel, o Senhor é nosso D’us, o Senhor é Um.” 5
A segunda linha é a única parte do Shemá que não é da Torá. Uma “resposta” à primeira linha do Shemá, a segunda é:
“Bendito seja o nome da glória do Seu Reino para todo o sempre.”
Embora seja a única parte do Shemá que não seja da Torá, a prática de dizê-la logo após a primeira linha do Shemá possui uma interessante conexão. Yaacov a recitou em seu leito de morte, 6 e Moshe descobriu depois que os anjos a pronunciam e então “roubou” a ideia deles. 7 No entanto, como essa seção é inserida entre as citações da Torá, a pronunciamos baixo,como um sussurro.
A continuação do Shemá, bem como o parágrafo seguinte8 , fala sobre as mitsvot de amar a D’us, estudar a Torá, ensinar a Torá a nossos filhos, bem como tefilin e mezuzá. Este segundo trecho enfatiza que, se ouvirmos as palavras de D’us, Ele nos abençoará, e se não ouvirmos, todos os nossos esforços serão infrutíferos.
A seção final 9 fala sobre a mitsvá de tsitsit e a exigência de lembrar os mandamentos de D’us e como Ele nos tirou do Egito, razão pela qual está incluída.
1. D’us Está em Todo Lugar
Na sua forma mais básica, o Shemá é um reconhecimento de D’us como governante do universo. Ele é o único D’us, não há outro10 , e Ele sozinho é digno de ser servido.
Ok, você pode então pensar, então D’us existe. Isso importa? Afinal, D’us é muito elevado. Ele é infinito. Ele é perfeito. E eu não sou. Se uma pequena formiga está abaixo da minha atenção, certamente eu estou muito abaixo da atenção de D’us.
Essa pergunta é antiga. As primeiras gerações de seres humanos estavam tão conflitadas com isso que introduziram a idolatria. 11 “D’us está nos Céus,” argumentavam. “A Terra é para os humanos. Ele não se importa conosco aqui embaixo.”
O Shemá afirma a falácia desse argumento. A primeira linha termina com as palavras “D’us é Um,” ou em hebraico, “Echad.” O valor numérico 12 das três letras de echad (Alef, Chet e Daled) são 1, 8 e 4. Quando afirmamos que D’us é Um, não estamos apenas dizendo isso em um sentido teórico. D’us é Um (Alef) nos 7 Céus e 1 terra (Chet) e nas quatro direções (Daled). 13 Não há lugar que esteja fora de Sua atenção, e não há nada que não seja Dele. E Ele concentra toda Sua atenção em nós. 14
2. A Conscientização de que Sou Judeu
As palavras iniciais são comumente traduzidas como “Ouve, Israel”, mas há outra forma de traduzi-las.15 Não que nós, Israel, deveríamos ouvir, mas que deveríamos ouvir que somos Israel. “Ouça”, diz o Shemá, “e reconheça a verdade mais profunda de todas: Você é um judeu com uma alma e uma missão únicas de D’us.”
O rabino Shmuel, o quarto Rebe de Chabad, conhecido como o Rebe Maharash, perguntou a um de seus discípulos que havia acabado de compartilhar sua longa rotina diária contemplando D’us: “Com tanto tempo focado em D’us, quando você foca em si mesmo?”
Esse é o significado dessa meditação. Nossa contemplação e meditação de D’us não é abstrata, sem relevância para nós. Você é um judeu. Você é descendente de Avraham. Yitschac e Yaacov. Não importa o que veio antes e o que virá depois deste momento—com sua mão sobre seus olhos e seus lábios sussurrando as palavras do Shemá—esse é você.
Leitura Adicional: Acabo de Descobrir que Sou Judeu… E Agora?
3. Uma Prece de Esperança para o Nosso Futuro
No versículo inicial do Shemá—“O Senhor é nosso D’us, o Senhor é Um”—os comentaristas perguntam: O que queremos dizer com “O Senhor é nosso D’us”? Ele é o único D’us. Ele é o D’us de todos. Como Ele é apenas nosso D’us? 16
Eles respondem que D’us pode ser de todos, mas eles ainda não aceitaram esse fato. Ele é nosso D’us porque o aceitamos como nosso. Mas isso é agora. Quando Mashiach vier, o mundo inteiro O aceitará como D’us, e é por isso que o versículo conclui, “O Senhor é Um.” Como explicam os comentaristas, o Shemá está dizendo: “O mesmo D’us que já aceitamos como D’us será, em última instância, aceito como Um por todo o mundo nos tempos do Mashiach.” 17
Isso também é uma interpretação do Shemá que convida à reflexão. Compreendido dessa maneira, nosso recitar diário do Shemá é uma injeção de esperança para Mashiach e a Redenção final, e um fortalecimento do nosso compromisso de trazer esses dias mais cedo e mais rápido.
Leitura Adicional: Preparando-se para Mashiach
4. D’us É Nossa Natureza
“O Senhor é nosso D’us”, é a primeira linha do Shemá. É uma frase interessante. O que significa? A tradução literal—como exploramos anteriormente—é que D’us é real. Mas, cabalisticamente, o Shemá está dizendo algo muito mais profundo.
O Shemá faz referência a dois nomes que a Torá usa para D’us. Um, que traduzimos acima como “o Senhor”,é o Tetragrama, também conhecido como Yud Key Vav Key e, na literatura Chassídica, como Havayê. O outro—que traduzimos acima como “D’us”—é Elo-kim.
Cabalisticamente, esses dois nomes representam duas maneiras diferentes pelas quais D’us interage com a existência. Havayê denota D’us, revelando o quão bondoso D’us é. Havayê é o nome da Revelação Divina — uma revelação diante da qual nada, nem mesmo as leis da natureza, podem resistir. 18 Elokim, por outro lado, refere-se a D’us ocultando Sua incrível grandeza através das leis da natureza (bem como outros métodos de ocultação).
Ao combinar esses dois pontos de vista aparentemente opostos e dizer que Havayê (Revelação Divina) é nosso D’us (nossa natureza), o Shemá está nos dizendo que o Divino está embutido dentro da natureza, e se cavarmos fundo o suficiente, as duas modalidades da interação Divina com a realidade são realmente uma. Não importa as dificuldades que enfrentamos, não importa quão escuras as coisas pareçam estar, nossa própria natureza é ser revelações ilimitadas de luz. Só precisamos acessar quem realmente somos. 19
Leitura Adicional: O Que é Alma?
5. Dois Pontos de Vista sobre a Unidade de D’us
“D’us é Um.” O pensamento Chassídico explica que essa frase famosa da primeira linha do Shemá deve ser entendida literalmente: D’us é literalmente tudo o que existe. 20 É por isso que falamos essa primeira linha com os olhos fechados. Por um momento, deixamos toda a existência desaparecer e vemos as coisas do ponto de vista de D’us. Não há mundo, não há contas, não há você, não há “eu”. Há apenas D’us.
Mas não podemos manter os olhos fechados para sempre. Eventualmente, precisamos abri-los, e quando o fazemos, o mundo volta a gritar para nós. O que você quer dizer com que não há mundo? ele exige. Eu estou bem aqui! E então falamos a próxima linha: “Bendito seja o nome da Sua glória para sempre.”
A Cabala explica que cada uma dessas palavras representa uma forma diferente de D’us ocultar Sua presença para que o mundo pareça uma entidade independente.
Essas duas linhas do Shemá representam dois pontos de vista. O primeiro não vê a existência. O segundo vê. Mas a conclusão permanece a mesma. A primeira linha termina com “Echad,” que a Cabala explica significar “Um de forma mais óbvia.” A segunda termina com “Va’ed,” que a Cabala traduz como “Um, mas você tem que trabalhar arduamente para vê-lo.” Traduzido dessa forma, o Shemá está dizendo: “Às vezes é óbvio e às vezes é necessário esforço para ver, mas não importa como você olha para isso, D’us é um.”
6. Uma Prontidão para o Auto-sacrifício
Então passamos a ler: “E amarás o Senhor teu D’us com todo o teu coração, toda a tua alma e toda tua força.” O Talmud explica esse famoso versículo como significando que devemos estar dispostos a sacrificar nossas vidas pelo nosso Criador. 21 O que é lindo, exceto que as leis do auto-sacrifício no Judaísmo são na verdade bastante específicas. 22 Há apenas três mitsvot em toda a Torá pelas quais somos obrigados a dar nossas vidas. Que significado, então, essa ordem de estar pronto para dar nossas vidas por D’us tem para nós enquanto recitamos o Shemá?
O rabino Shneur Zalman de Liadi, fundador do movimento Chabad, conhecido como o Alter Rebe, explica da seguinte forma: cada alma, de forma inata, preferiria morrer do que se separar de D’us. 23 É por isso que a história judaica está cheia de histórias de ateus professos que morreram em nome de D’us. A alma judaica não pode suportar ser separada de Sua Fonte. A diretriz do Shemá para amar D’us “com toda a nossa alma” não é apenas um comando, mas um lembrete de quem somos e do que somos feitos. Não importa a vida que vivemos, estaríamos dispostos a morrer por D’us.
E se estamos dispostos a morrer por D’us, perguntamos a nós mesmos, não deveríamos também viver por Ele?
7. A Necessidade de Atualizar Nossas Emoções
Seguindo o Shemá você notará que o assunto muda de parágrafo para parágrafo, muito parecido com uma progressão de temas. Começa com a grandeza e a unidade de D’us. Em seguida, fala sobre amar D’us, porque reconhecer que D’us é um e que D’us é grande é uma forma infalível de começar a amá-Lo. 24 Então passa para nosso relacionamento com D’us e como Ele cuidará de nós se O ouvirmos. 25
Essa expressão de nosso anseio emocional por D’us também é uma progressão do parágrafo anterior. Mas e o último parágrafo? O último parágrafo fala sobre a Torá e as mitsvot—conforme conclui, “E você cumprirá todos os Meus mandamentos e será santo para o seu D’us.”
Como esse parágrafo flui aos anteriores?
O pensamento Chassídico explica que somente as emoções são insuficientes para construir um relacionamento com D’us. 26 Precisamos expressar e atualizar nossas emoções, porque um relacionamento que é apenas emoção carece de lealdade, devoção, significado ou propósito. E a Torá e as mitsvot são as maneiras pelas quais expressamos nosso relacionamento com D’us.
Este último parágrafo do Shemá nos lembra de tornar nosso relacionamento com D’us real—e de fazê-lo com humildade. Ter um relacionamento real com D’us significa reconhecer que não é só sobre nós. Precisamos perguntar o que D’us quer disso também.
Leitura Adicional: O que é Uma Mitsvá?
8. Uma Obrigação de Declarar que D’us É Um
O Shemá não é apenas uma reflexão, mas uma declaração. É uma meditação, sim, mas é uma meditação que compartilhamos em voz alta, em público. O Midrash 27 explica que quando o povo judeu aceitou recitar o Shemá, eles declararam a D’us: “Mestre do universo, assim como não há ninguém mais que eu queira nos Céus além de Você, não há ninguém mais na Terra que eu queira além de Você. E assim como eu não aceitei outro deus nos Céus além de Você, também não aceitei outro deus na Terra além de Você. Em vez disso, irei à sinagoga todos os dias e testemunharei que não há D’us além de Você, recitando o Shemá.”
Nesse nível, pronunciar o Shemá em voz alta é um reconhecimento e uma reflexão de propósito e obrigação. Sim, eu preciso ressoar pessoalmente o Shemá, mas ele não para por aí. Como nosso Patriarca Avraham, que, como o primeiro judeu, ensinou o mundo sobre D’us, o Shemá não pode permanecer uma meditação interna. Nesse nível, o Shemá é uma mudança de paradigma. Todas as meditações internas do Shemá realmente ganham significado quando as compartilhamos com os outros.
Conforme o Rebe ensinou: “Se tudo o que você sabe é a letra Alef, ensine a letra Alef.”
Aprender Mais Sobre as Rezas
Como vimos, há muito mais no Shemá do que parece. Mas o Shemá é apenas uma reza entre tantas, e é preciso conhecê-las e se aprofundar nelas e em suas origens.
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