Na literatura judaica, um golem é uma criatura humana, semelhante a um homem, dotada de uma forma de vida rudimentar. De acordo com certos relatos,
os golens foram criados por indivíduos santos para proteger a comunidade judaica de libelos de sangue e outras formas de antissemitismo,
principalmente na Praga do século 16.
Quanto crédito deve ser dado a essas histórias?
E como a criação de golens difere da feitiçaria e da magia negra,
ambas proibidas pela lei da Torá?
Leia mais para obter as respostas a essas perguntas e
muito mais sobre esse tema fascinante.

O que é um Golem?

Em seu significado mais básico, um golem é uma bola de argila ou bloco de madeira inacabada, que requer entalhe e cinzelamento para se tornar um utensílio funcional. 1 Também é usado para se referir a um simplório ou rude com intelecto e emoções subdesenvolvidas ou comportamento grosseiro. 2 No nosso contexto, um golem é uma criatura humanoide que, em vez de ter nascido de pais, foi criada do zero – da mesma forma que Adam foi moldado a partir da terra. 3

Tomando o papel Divino?

Mas é realmente possível que um humano crie outro? Não é isso um feito Divino, além das capacidades dos próprios seres criados por D’us?

Nossos sábios nos dizem que o mundo foi criado com 10 declarações Divinas. 4 Os Cabalistas vão um passo além, explicando que cada entidade existente foi criada através de uma combinação única de “letras” supernas – expressões específicas da energia criativa Divina. As qualidades e a composição precisas de qualquer criação são o resultado direto do arranjo preciso desses poderes espirituais, conforme designados por D'us durante os seis dias da criação. 5

Agora, e se uma pessoa de piedade excepcional e alto calibre espiritual pudesse aproveitar essas “letras” Divinas, combinando-as de modo a criar a entidade de sua escolha?

Muitas fontes indicam que esta é realmente uma possibilidade. O Talmud registra vários relatos de tzadikim (indivíduos justos) criando animais e humanos “através do Sefer Yetzirá”, 6 um dos primeiros trabalhos cabalísticos que discute o segredo de combinar essas letras Divinas.

Registros Históricos

O registro mais antigo de alguém que realizou esse feito é do nosso antepassado Avraham, que, de acordo com a tradição midrashica, criou tanto os animais 7 quanto os humanos. 8 Isto é sugerido nos versículos “...as almas que eles fizeram em Haran” 9 e “...o bezerro que ele fez.” 10 Os filhos de Yaacov também são registrados como criadores de animais através dos insights obtidos no Sefer Yetzirá.11

O Talmud registra dois relatos a seguir: 12

O sábio Rava certa vez criou um humano. Ele o enviou ao seu colega Rabino Zeira. O Rabino Zeira conversou com ele, mas ele não respondeu. “Aparentemente você é daqueles criados pelos sábios”, comentou ele. “Volte ao pó!”

Rabino Chanina e Rabino Oshaya sentavam-se juntos todas as vésperas de Shabat e estudavam o Sefer Yetzirá. Seu aprendizado causaria a criação de bezerros gordos, que eles então comeriam.

Em tempos mais recentes, além do famoso Golem de Praga (mais sobre isso abaixo), um golem tem a reputação de ter sido criado pelo santo Rabino Eliyahu, o Baal Shem de Chelm, 13 bem como por um segundo Rabino Eliyahu, o Gaon de Vilna. (Neste último caso, o projeto parou no meio do caminho quando seu criador recebeu um sinal celestial para desistir. 14 )

Prossiga com cuidado

Em contraste com a feitiçaria e a magia negra que empregam as forças da impureza, a utilização de letras Divinas para manipular a natureza é permitida pela lei da Torá. 15 Ao mesmo tempo, tais atividades devem ser abordadas com a máxima cautela.

A criação de golens pertence ao campo do misticismo conhecido como Cabala prática. O campo mais familiar é a Cabala contemplativa que discute o funcionamento interno do Divino, as interações entre o Criador e a criação e como a contemplação dessas ideias pode melhorar nosso serviço a D'us e nosso caráter moral. A Cabala prática, por outro lado, fornece formas de desbloquear poderes espirituais para fazer mudanças tangíveis na natureza – criando golens, por exemplo.

Embora a Cabala contemplativa esteja aberta às massas (desde que abordada corretamente), a Cabala prática permanece no campo dos poucos seletos capazes de aproveitar a sua força de forma adequada. 16 O Arizal, um dos Cabalistas mais famosos de todos os tempos, alertou sobre os perigos inerentes à apropriação indébita destes poderes Divinos pelos não iniciados. 17

Ramificações Haláchicas (Im)práticas

A possibilidade da criação de um golem levou a uma discussão haláchica substantiva sobre as leis que se aplicariam a tais seres. Várias questões são levantadas e debatidas, dependendo da extensão da humanidade de tais criaturas. Os exemplos incluem se um golem pode ser contado em um minyan, se alguém pode fazer um golem no Shabat e se desmantelar um golem (como fez o Rabino Zeira) equivale a assassinato. 18 Responsa Kerem Chemer 1:3.

O consenso de opiniões é que embora os tzadikim especiais podem ter a capacidade de criar criaturas semelhantes às humanas, a capacidade de investir uma alma dentro de um corpo é exclusiva de D'us. Os homens feitos pelo homem não são vistos como seres humanos de pleno direito e são, na melhor das hipóteses, subumanos.

Curiosamente, esta discussão pode ter aplicações práticas hoje. Embora não seja totalmente criada do zero, a carne cultivada - carne desenvolvida em laboratório - é surpreendentemente semelhante à carne do Sefer-Yetzirá, e o status haláchico da primeira (por exemplo, se é considerada fleishig ou parve ) pode depender deste último. 19 (É claro que um rabino conhecedor desta tecnologia deve ser consultado para orientação prática.)

O Golem de Praga

Nenhuma discussão sobre golems estaria completa sem algumas palavras sobre o famoso Golem de Praga, que se diz ter sido construído pelo Rabino Yehuda Loew, conhecido pelo acrônimo Maharal.

Muitas histórias são contadas sobre esta criatura maravilhosa e os muitos libelos de sangue e outros ataques antissemitas que ela frustrou com sucesso. 20 Embora alguns discutam a veracidade destas histórias, 21 vários pontos são claros:

  1. O Maharal foi o autor de vários volumes que deixaram uma marca eterna nos estudos e na filosofia judaica. Sua grandeza espiritual e influência de longo alcance na vida judaica excedem em muito a sua capacidade de criar um golem.
  2. Quer este golem em particular seja real ou não, o conceito de criação de tais criaturas foi registrado muito antes da época do Maharal e é discutido como uma possibilidade real nos escritos do Maharal. Ele escreveu que a criação de um golem não deveria ser vista como extraordinária, mas sim como algo que ocorre sempre que uma pessoa reza por algo e tem seus desejos atendidos. Embora reconhecendo que este não é “o caminho natural”, o Maharal escreveu que está “dentro do reino deste mundo”. 22