Conselho:
Uma amiga minha perdeu recentemente seu filho em um acidente de carro. Tenho pensado nela sem parar, mas ainda não falei com ela. Já se passaram algumas semanas e não liguei porque simplesmente não sei o que dizer. Ontem eu a vi no supermercado e me escondi para não ter que encará-la. Só estou preocupada em dizer a coisa errada e acho que talvez seja melhor não falar nada... Além disso, não sou uma amiga próxima e ela tem muitas amigas, então eu realmente não quero incomodar durante esse período. Gostaria de saber o que você sugere.
Resposta por Sara Esther Crispe:
Prezada Débora,
Você levanta uma questão que quase todo mundo enfrenta em algum momento da vida. A morte é natural. A morte acontece com todos nós. No entanto, há momentos em que a morte parece apropriada e outros não. Por mais dura e difícil que seja a perda de um ente querido, esperamos que seja em uma ordem natural: perder primeiro os bisavós, depois os avós, depois os pais, etc. Parte da vida é lidar com a realidade de que à medida que envelhecemos, o mesmo acontece com os nossos entes queridos, e que mais cedo ou mais tarde teremos que enfrentar essa perda.
Quando evitamos alguém, muitas vezes é porque nos sentimos muito desconfortáveis, e não porque não queremos confortá-lo.Mas há situações que não se enquadram neste plano, situações com as quais muitas vezes não sabemos como lidar. Quando um jovem pai fica doente, deixando para trás a esposa e os filhos pequenos, quando um bebê morre logo após o nascimento, quando uma mãe morre num acidente de carro, quando uma criança morre em uma queda... ainda assim, essas coisas acontecem. Não entendemos nem sabemos a razão por que ocorrem. E são essas as situações mais insuportáveis para quem sofreu a perda, e mais incômodas e avassaladoras para quem presencia esse sofrimento, pois não sabemos o que dizer ou fazer.
A lei judaica é extensa na forma como nos ensina a lidar com a morte, a perda e o luto. E há muitas lições que podemos aprender com isto, não só sobre o que fazer, mas também sobre porquê.
Quando alguém sofre uma perda, temos a obrigação, durante a semana de luto, de visitar e confortar o enlutado. Isto nos ensina que não cabe a nós decidir se a nossa presença é desejada porque a Torá está nos ensinando que a nossa presença é necessária.
Além disso, quando alguém vai visitar um enlutado, o visitante não deve falar até que a pessoa lhe dirija a palavra. Mais uma vez, isto mostra-nos que por vezes é melhor não falar, especialmente se não tivermos a certeza do que dizer, mas a nossa mera presença serve a um propósito e nos mostra que devemos reconhecer a dor da perda e fazer uma visita de consolo ao enlutado. E só essa visita é chamada de “conforto”. Agora, uma vez que o enlutado começa a falar, obviamente respondemos. Devemos permitir que o enlutado mostre o caminho, conduza a conversa, decida sobre o que ele ou ela está pronto ou disposto a falar.
Muitas vezes é fácil pensar que o enlutado estará melhor se não o visitarmos, não dissermos nada, não nos aproximarmos dele ou dela. Mas não é o caso. Quando alguém sofre uma perda trágica e inesperada, é então, mais do que nunca, que ele ou ela precisa do apoio, do conforto e do envolvimento de outras pessoas.
Embora eu saiba que isso pode ser difícil de ouvir, quando evitamos alguém, muitas vezes é porque nos sentimos muito desconfortáveis, e não porque não queremos deixar a outra pessoa desconfortável. É muito melhor que façamos uma tentativa, estendendo a mão, oferecendo algumas palavras de consolo ou ajuda e sejamos rejeitados, do que não o fazermos à custa de ferir ainda mais o enlutado. Porque não agir definitivamente é uma declaração clara de que não nos importamos com a dor do próximo, mesmo que isso muitas vezes não seja o caso.
Isto é especialmente verdadeiro em situações em que as leis reais do luto não se aplicam. Quando alguém senta shivá, há uma estrutura natural para as pessoas virem visitar e para as pessoas se oferecerem para trazer comida e ajudar de outras maneiras. No entanto, há momentos em que alguém não é obrigado pela lei judaica a lamentar oficialmente, embora tenha sofrido graves perdas, seja de um amigo muito próximo ou não de um membro imediato da família, ou talvez nem mesmo uma morte, mas um ferimento significativo. ou condição médica com risco de vida de um ente querido. Nesta situação, se não estendermos a mão, esta pessoa será verdadeiramente deixada sozinha para sofrer e lamentar, e ninguém deveria sentir-se abandonado durante um período tão difícil e de dor.
A lista a seguir contém uma série de sugestões que ofereço com base em minhas próprias experiências pessoais, bem como com aqueles que estão perto de mim e que sofreram perdas e compartilharam essas sugestões. Espero que lhe sejam úteis e que lhe dêem coragem para falar, visitar e dessa forma consolar a sua amiga.
Ações Positivas:
- Ligue e confirme que você está ciente da situação e disponível se a pessoa quiser conversar. Se isso for muito difícil para você, enviar uma mensagem por WhatsApp também é uma forma apropriada de mostrar que você se importa. Quando você não faz isso, muitas vezes deixa a pessoa em luto se perguntando se você sabe e, em caso afirmativo, por que não entrou em contato.
- Descubra que tipo de ajuda a pessoa está recebendo. Ela tem ajuda com os outros filhos? Ela tem alguém para ajudar na cozinha ou na limpeza? Fale com outros membros da comunidade e amigos e organize uma programação para as pessoas prepararem refeições por algumas semanas e convidarem as crianças para brincar. Tente lidar com caronas ou outras tarefas diárias para que a família enlutada não precise fazê-las. Ofereça-se para fazer compras. Descubra o que está faltando e tente oferecer essa ajuda sozinha ou contratar alguém que o faça.
- Se tiverem mais filhos, leve brinquedos e livros para que tenham algo com que brincar e se sintam melhor. Lembre-se de que seus pais estão lidando com o luto e não conseguem se concentrar muito neles durante esse período.
- Informe outras pessoas sobre a situação para que não causem mais sofrimento ao se aproximarem dos enlutados sem saber. Por exemplo, nada é mais doloroso para uma mulher que perdeu uma gravidez ou um bebê do que ser questionada repetidamente “O que você teve, um menino ou uma menina?” toda vez que ela encontra conhecidos.
- Ofereça-se para acompanhar sua amiga quando ela retornar a sua rotina. Ofereça-se para ir com ela pela primeira vez ao banco, ao supermercado, à escola. Seja seu guarda-costas emocional, que pode ajudar a evitar encontros dolorosos e conversas desnecessárias. Dessa forma, você pode informar aos funcionários ou outras pessoas sobre a situação, para que sua amiga evite ter que responder por si mesma. Isso também lhe dará forças para lidar com essas situações no futuro.
- Pergunte como o marido e os filhos estão lidando com a perda. É difícil para toda a família lidar com o luto, e mais pessoas próximas podem ajudar: avise aos amigos e colegas de escola.
- Tente fazer algo em memória da pessoa que faleceu. É muito reconfortante para o enlutado saber que coisas estão sendo feitas em prol da alma de seu ente querido, seja doando livros de orações judaicos para a sinagoga, dedicando o aprendizado em sua memória ou plantando uma árvore em Israel.
- Lembre-se de que cada pessoa sofre o luto de diferentes maneiras. Não é incomum que alguém fique muito forte e otimista imediatamente após uma perda, apenas para desmoronar alguns meses depois, quando a realidade dessa perda for completamente absorvida. Durante as férias e em outros momentos voltados para a família, quando a perda é ainda mais sentida e dolorosa.
- Convide sua amiga para jantar ou para passar uma tarde juntas após alguns meses. Ela pode precisar de alguma inspiração ou apenas daquele convite para poder conversar e aliviar sua dor.
Não faça isso:
Ninguém deveria se sentir abandonado durante esse período- Não diga a alguém que você sabe como é, porque você não sabe. Todos nós lamentamos de maneiras diferentes e nunca podemos saber realmente como é para o outro, mesmo que já tenhamos passado por algo semelhante. E nunca compare perdas. Nunca diga a alguém: “Eu sei o que você está passando com a perda do seu filho porque no ano passado, quando perdi meu avô, fiquei arrasado…”. Mesmo que você tenha amado profundamente seu avô e a perda dele tenha sido insuportável para você, ela não deve e não pode ser comparada à perda de um filho.
- Não evite a pessoa nem finja que nada aconteceu. Você está apenas fazendo com que o enlutado se sinta muito mais abandonado e desconfortável. A perda deles é grande o suficiente sem que eles também sintam que perderam amigos.
- Não seja invasiva. Não faça perguntas ou peça informações desnecessárias, por curiosidade. Se os detalhes não foram oferecidos, presuma que a pessoa não deseja compartilhá-los. Você não precisa saber como a pessoa morreu, se alguém estava lá, se fez isso ou aquilo... não importa. Estas perguntas podem ser muito dolorosas para o enlutado recordar e não mudam a situação ou o resultado.
- Não tente minimizar a dor ou dizer à pessoa como as coisas vão melhorar. Uma mulher que perdeu um bebê não quer saber como poderá ter outro filho ou que pode engravidar. Uma mulher que perdeu o marido não quer ouvir que é jovem e que encontrará outra pessoa no futuro. Reconheça a dor e a crueza de sua perda. Eles só precisam de apoio, não de soluções.
- Não espere que haja um determinado período de tempo para a dor e que um ano depois a pessoa já tenha “superado”.
- Não ofereça explicações para a perda nem tente dar-lhe significado, a menos que o enlutado peça seu conselho ou opinião. Não cabe a você dizer a alguém: “Tudo acontece para o melhor” ou “Seu bebê deve ter uma alma tão santa que D’us a quis de volta”. Mesmo que essas afirmações possam ser verdadeiras, a Chassidut nos ensina que tudo o que dizemos deve ser b'ofen ha'mitkabel, significando em um recipiente, de uma forma que o destinatário seja capaz de recebê-lo.
Espero que eu tenha lhe ajudado um pouco e que você entre em contato com sua amiga. Nunca é tarde demais. Deixe que ela saiba o quanto você pensou e sentiu a sua dor, mas que ao mesmo tempo lhe era desconfortável não saber como agir.
Que todos possam ser abençoados e não conhecerem mais sofrimento e perdas!
Clique aqui para comentar este artigo