Jamais esquecerei aquela noite, há cinco anos, quando meu marido e eu quase morremos. Foi um evento de puro terror aliado à mais profunda fé em D'us. Mesmo agora, passado tantos anos, lágrimas vêm aos meus olhos quando falo sobre isso.
Era o terceiro dia de Chanucá, 27 de Kislev (9 de dezembro de 2015), e eu estava ocupada no centro de Jerusalém. Quando terminei, liguei para meu marido, Shaul, para me buscar e fomos até Tel Aviv para fazer algumas compras.
Então, nossa filha mais velha, Livnat, ligou para nos convidar para ir à sua casa em Avnei Hefetz, a cerca de uma hora de distância. Livnat é viúva e tem cinco filhos; o seu marido, Natanel, foi morto num ataque terrorista há 16 anos. Shaul e eu achamos que era o momento oportuno para visitá-la, então partimos, parando primeiro em Yehud para visitar minha irmã Tzipora.
Enquanto estávamos lá, recebemos um telefonema da nossa outra filha, Hili, informando-nos que ela tinha acabado de dar à luz. Era seu oitavo filho e seu primeiro menino em 11 anos. Além disso, o bebê nasceu no aniversário de 40 anos de Hili. Shaul e eu ficamos muito felizes e decidimos visitá-la mais tarde naquela noite, ao retornarmos a Jerusalém.
Ao sairmos da casa da minha irmã, pedi que ela nos acompanhasse até o carro. O Talmud diz que acompanhar os convidados na estrada lhes proporciona proteção espiritual e física, mesmo depois de saírem de casa. Tenho o cuidado de sempre fazer isso com meus hóspedes e incentivo nossos anfitriões a fazerem o mesmo conosco quando viajamos. Tzipora nos acompanhou e nos abençoou para que chegássemos em segurança ao nosso destino. Lembro que ela parecia muito preocupada naquele momento e eu não sabia o por quê. Acredito que ela também não soubesse.
Chegamos a Avnei Hefetz antes do anoitecer. Livnat estava lá com todos os seus filhos. Acendemos a chanukiyá, cantamos, dançamos e tivemos uma refeição maravilhosa. Por volta das 19h, Shaul sugeriu que começássemos o caminho de volta a Jerusalém, para chegar a tempo de visitar Hili no Hospital Shaare Zedek.
Também aqui pedi a Livnat que nos acompanhasse alguns passos em direção ao carro. Enquanto dirigíamos lentamente pela estrada estreita e escura que ia da cidade até a rodovia principal, senti uma enorme sensação de gratidão a D’us por tudo o que Ele nos deu. “Veja quantas bênçãos temos em nossas vidas!” Comentei com Shaul. “Nossos filhos, nossos netos, a mais nova adição... há muito pelo que agradecer a D'us!”
Alguns momentos depois, algo maciço atingiu nosso carro com força.
“Alguém está jogando pedras em nós?” — perguntei a Shaul.
"Não! Não são pedras, são tiros!”
Um instante depois, Shaul pisou no acelerador e o carro atravessou a estrada e parou em uma vala rasa ao lado da pista oposta. Em choque, vi que todo o lado direito do rosto de Shaul estava coberto de sangue. Ele foi atingido na cabeça! No momento seguinte, uma dor aguda percorreu minha mão esquerda. “Meu Deus -, ele está certo, são balas!” De repente, uma saraivada de tiros sacudiu nosso carro. Um terrorista árabe estava disparando contra nós com uma Kalashnikov a cerca de dez metros de distância. Flashes de luz cortaram a escuridão e o barulho era ensurdecedor! Todas as janelas do carro foram quebradas pelos tiros.
Senti que iria morrer. Toda a minha vida passou diante dos meus olhos. Embora a manga de minha camisa estivesse encharcada de sangue, não senti dor. Minha mente estava cristalina e não senti vontade de gritar ou chorar. Imaginei-me e a Shaul já mortos, e aos nossos filhos chorando por nós no nosso funeral. Foi como assistir a um filme.
As balas que atingiram nosso carro foram 36 no total. Eu nem pensei em me abaixar, eu apenas fiquei lá esperando a morte. “Quantos tiros mais serão necessários para matar nós dois?” Eu me perguntei.
De repente, pensamentos sobre nossa filha Hili e seu bebê recém-nascido surgiram em minha mente:
“Se morrermos agora, ela terá que fazer shivá por sete dias, até o dia do brit milá de seu filho.Por favor, D' us”, gritei silenciosamente. “Não está certo! Temos que estar no brit de nosso neto! Hili esperou tanto por isso. Por favor, não cause dor e tristeza a ela em um evento tão alegre!”
Meu coração se inundou de súplicas, preces com toda emuná. Durante anos, venho trabalhando para ver o lado bom de cada situação, e isso me permitiu evocar esses pensamentos, mesmo naquele momento tão difícil.
“D’us, por favor”, sussurrei, “Você é bom para todos e tudo o que faz é para o melhor. Por favor, permita-me enxergar o que há de bom mesmo em toda esta situação!”
Repeti várias vezes uma prece de agradecimento, bem como alguns salmos que sabia de cor. Imaginei minha falecida sogra invadindo os céus, não querendo deixar seu filho ser levado.
Olhei para Shaul. Ele estava perdendo a consciência. “Meu dedo... acho que o perdi”, ele murmurou, quase inaudível. Sua mão esquerda, ainda segurando o volante, estava coberta de sangue.
“Shaul! Não desista! Passe-me seu telefone, vou ligar para a emergência!”
Joguei um pouco de água de uma garrafa nele, mas seus olhos estavam se fechando...
Houve uma pausa no tiroteio. De repente, vi um carro esportivo vermelho parar na faixa da direita, à nossa frente. A porta se abriu e um homem saiu e caminhou em nossa direção. Até hoje, lembro-me claramente de sua aparência: de meia-idade, elegantemente vestido com um cardigã laranja e calças claras.
“Graças a D'us”, pensei, “a ajuda finalmente chegou”.
Aproximando-se do meu lado do carro, ele se dirigiu a mim pela janela quebrada.
"O que aconteceu com vocês?" ele perguntou. Reconheci seu sotaque imediatamente.
“Ah, não”, pensei comigo mesmo. “Não, outro árabe! Isso é tudo que precisamos!”
Mas então meu próximo pensamento foi: “D'us, eu confio em Ti. Tudo o que você nos envia é para o bem!”
“Fomos baleados!” Chorei. "Chame uma ambulância! Por favor!"
Mas ele não ligou – nem pegou o celular. Fiquei chocada!
“Oh D’us, só você pode nos salvar agora”, gritei silenciosamente. “Só você sabe o que é melhor.”
Meu marido estava prestes a desmaiar. Novamente gritei: “Acorde! Fale comigo! Não desista!”
“Perdoe-me”, interrompeu o árabe. “Qual é o nome do seu marido?”
Surpresa respondi. “Shaul.”
O homem deu a volta na frente do carro para o outro lado e olhou para meu marido.
“Shaul, Shaul!” Sua voz ressoou alto durante a noite – ressoa em meus ouvidos até hoje. "Não se preocupe. Tudo ficará bem! Você vai ficar bem!"
Um momento depois, um motorista judeu de Avnei Hefetz parou perto do carro. Ele chamou o exército e uma ambulância. Nesse ínterim, o homem de suéter laranja desapareceu.
Vinte longos minutos depois disso, chegaram duas ambulâncias. Fui levada para o Centro Médico Meir, em Kfar Saba, enquanto meu marido foi levado para o Hospital Beilinson, em Petach Tikva. Ele sofreu falência de órgãos ao chegar e passou por 15 horas de cirurgia para salvar sua vida. Ainda na ambulância, entrei em contato com alguém em Avnei Hefetz, que convocou uma corrente de Tehilim de emergência. Outro encontro também foi realizado em nossa comunidade na Cidade Velha de Jerusalém.
Infelizmente, meu marido perdeu um dedo da mão esquerda no tiroteio e outros três dedos ficaram danificados. Sua perna direita também ficou gravemente ferida. Mesmo assim, as balas não penetraram em seu joelho nem no tornozelo por poucos centímetros. Consideramos isto um milagre, pois os danos poderiam ter sido muito mais graves.
Mais tarde, o médico que operou meu marido me disse o seguinte: “Eu estava no exército e sei como é uma bala de Kalashnikov. Mas nunca vi nada assim. Seu marido levou um tiro na cabeça. Fraturou seu crânio, mas por algum motivo não penetrou. Seu cérebro está absolutamente ileso. Tudo o que tive que fazer foi limpar e costurar a ferida. Um verdadeiro milagre!”
Meu marido ficou sedado por uma semana inteira. Ninguém sabia então qual seria a sua condição – os médicos previram que ele ficaria numa cadeira de rodas pelo resto da vida. Na melhor das hipóteses, ele levaria seis anos para ficar de pé.
Mas nunca perdi a esperança e, depois que ele voltou a si, projetamos juntos várias imagens. Eu lhe disse para se imaginar dançando com um sefer Torá em Simchat Torá e subindo as escadas até sua yeshiva.
“Você vai voltar para casa sozinho”, eu disse a ele.
Meu marido ficou cinco meses no hospital, principalmente devido a danos na perna. No final, porém, outro milagre aconteceu: meio ano depois do tiroteio, ele conseguiu ficar de pé durante os serviços das Grandes Festas, dançou em Simchat Torá e subiu sozinho as escadas até nosso apartamento.
Quanto a mim, quando cheguei ao centro médico, os funcionários levaram minha bolsa, pois notaram um buraco de bala na parte externa. Nele, encontraram uma moeda que havia sido atingida por uma granada. "Olha!" eles me mostraram entusiasmados. “Esta moeda salvou sua vida. Foi um escudo para a bala! Guardei aquela moeda e gosto de pensar nela como meu Chanucá Guelt.”
Logo depois disso, quando me pediram para retirar minhas joias para uma tomografia computadorizada, percebi que minha preciosa pulseira de ouro estava faltando. Comecei a gritar: “Alguém roubou minha pulseira! Chame a polícia!"
Minha irmã, que é enfermeira, estava comigo. “Por que você está tão chateada por causa de uma pulseira?”, ela me repreendeu. “Mantenha as coisas em perspectiva: você foi atingida por uma bala na mão. Você vai precisar de uma cirurgia séria!”
Mas ela estava errada. Uma bala me atingiu, mas atingiu a pulseira e a quebrou em duas, enquanto minha mão permaneceu praticamente ilesa. Apenas o tendão do meu polegar foi ligeiramente danificado e com o tempo cicatrizou. Quanto à cicatriz que ficou, considero-a uma marca do acontecimento. Sempre que olho para ela, lembro-me do versículo: “Será um sinal na sua mão”. Outra bala atingiu meu pé, mas deixou apenas um arranhão. Mais um milagre!
Lembro-me do médico que enfaixou minha mão e me disse: “Vejo que você teve um dia difícil hoje”, ao que respondi: “Na verdade, não. Foi um dia muito bom!”
Eu estava repleta de gratidão a D'us.
A coisa mais inexplicável de todas, porém, era o homem no carro vermelho. Veja, de acordo com o relatório do exército, na verdade havia dois terroristas. O primeiro disparou contra nós da estrada com a Kalashnikov, enquanto o segundo se aproximou de nós pelo lado esquerdo com uma pistola, aparentemente para “acabar conosco” à queima-roupa.
A poucos metros do lado do motorista, o exército encontrou vários cartuchos usados. Isso explica os ferimentos nas pernas do meu marido, que claramente vieram de uma direção diferente da dos tiros iniciais.
Quando aquele homem misterioso contornou nosso carro e falou com meu marido, ele ficou bem na linha de fogo. Os pistoleiros devem ter percebido que ele tratava-se de um árabe e pararam de atirar. Então foi ele quem salvou Shaul da morte certa.
O exército queria falar com ele e eu lhes dei todos os detalhes – sua aparência, suas roupas, seu carro – mas, apesar de uma extensa busca, nunca descobriram sua identidade.
Eliahu, o Profeta, é conhecido como Malach haBrit – o Anjo da Aliança. Até hoje sinto que foi ele quem nos salvou, por mérito dobrit milá do nosso neto, ao qual tanto rezei para estarmos presentes.
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