Ao longo das décadas, de sua posição no Atara's Judaica, na Fairfax Avenue, em Los Angeles, o Rabino Yosef Mishulovin vendeu incontáveis mezuzot e pares de tefilin. Mas o ritmo dessas vendas nas últimas quatro semanas é sem precedentes.

“Esgotei a venda de todos os tefilin. Vendi muitas mezuzot nos últimos dias. Estou tentando conseguir suprimentos suficientes para todos os pedidos”, diz Mishulovin, o sheliach, emissário, que dirige o Chabad na loja Judaica da Fairfax/Atara em Los Angeles desde 1975. “Nunca vi tanta procura”.

Ele faz uma pausa para considerar a causa do aumento da demanda e da consequente escassez de objetos sagrados. “As pessoas estão despertando”, explica ele. “Pura e simples assim: elas querem cumprir muito mais mitsvot pelo bem de seus irmãos em Israel.”

No mês seguinte aos brutais ataques terroristas do Hamas no sul de Israel, em 7 de Outubro, rabinos, líderes da comunidade judaica e pessoas em todo o mundo têm observado uma onda de interesse entre judeus de todas as origens por todas as coisas judaicas. De acordo com uma recente pesquisa nacional conduzida por Chabad.org e divulgada em conjunto com o Kinus, a Conferência Internacional de Emissários Chabad-Lubavitch, os rabinos relatam um aumento maciço no envolvimento e na prática judaica. Algumas das suas principais conclusões é que 85% dos entrevistados disseram que os membros da comunidade têm experimentado uma “conexão mais profunda com a sua identidade judaica”.

Entre as maneiras pelas quais isso se manifestou entre judeus de todas as origens está a crescente demanda por mezuzot para proteger suas casas, escritórios e dormitórios universitários, bem como tefilin com os quais eles possam rezar diariamente.

Assim como os rolos da Torá, as mezuzot e os tefilin são meticulosamente escritos à mão por escriba judeu especializado, chamado sofer. Mezuzá são rolos de pergaminho enrolados com as palavras do Shemá – que é a oração central do Judaísmo e proclama a unidade singular de D'us. Os pergaminhos são colocados dentro de um invólucro, que pode ser simples ou mais decorativa, e por ordem da Torá colocada no umbral das portas das casas e empresas judaicas. Além de anunciar orgulhosamente que o lar é judeu, o “próprio propósito da mezuzá é a proteção do lar e de seus habitantes.”

Em 1974, o Rebe, Rabino Menachem Mendel Schneerson, de abençoada memória, lançou sua Campanha Internacional da Mezuzá, encorajando os judeus que não a possuía, de afixar uma mezuzá casher em suas casas e locais de trabalho, e aqueles que as tinham de verificá-las regularmente para certificar-se que estavam casher.

Tefilin são caixas de couro preto que também contêm a prece Shemá, bem como três outras passagens da Torá, e são colocados todos os dias por homens judeus com mais de 13 anos [exceto Shabat, Yom Tov etc]. O Rebe começou sua Campanha de Tefilin na preparação para a Guerra dos Seis Dias, em 1967, convocando todos os soldados judeus, e expandindo a todos os homens, para adquirirem e colocarem tefilin. Na época, Israel e seus milhões de habitantes estavam sendo ameaçados de dizimação pelos inimigos ao redor, e o Rebe citou o versículo em Devarim [Deuteronômio] que “as nações da terra verão que o nome de D'us é invocado sobre vocês e fugirão, se afastarão com medo” - o que os sábios explicam que se refere aos tefilin – como uma explicação do porquê desta mitsvá, em particular.

Nos anos seguintes, inúmeros judeus em todo o mundo colocaram mezuzot nos umbrais das portas ou colocaram tefilin, sendo estes vistos, com razão, como especialmente importantes em tempos de grave perigo para o povo judeu.

O emissário Chabad de Chicago, Rabino Zelik Moscowitz, afixa uma nova mezuzá no umbral da porta de Uri Raanan, pai de Natalie Raanan, que juntas eram sua mãe, Judith, foi sequestrada por terroristas do Hamas em 7 de outubro antes de ser libertada 13 dias depois.
O emissário Chabad de Chicago, Rabino Zelik Moscowitz, afixa uma nova mezuzá no umbral da porta de Uri Raanan, pai de Natalie Raanan, que juntas eram sua mãe, Judith, foi sequestrada por terroristas do Hamas em 7 de outubro antes de ser libertada 13 dias depois.

Demanda e oferta

Entre os muitos judeus que afixaram uma mezuzá na porta desde o ataque terrorista estão Henry Brooks e Sophie Ross, do Lower East Side de Manhattan, que receberam o novo pergaminho da Tech Tribe, uma divisão de Chabad com sede no Brooklyn, onde jovens profissionais trabalham em tecnologia e mídia digital. Dez dias após o início da guerra, o diretor da Tech Tribe, Rabino Mordechai Lightstone, apareceu em seu apartamento para ajudar a fixar o pergaminho sagrado.

“O ódio e a devastação que a nossa comunidade está sofrendo fizeram com que abraçassemos nossas identidades judaicas mais do que nunca”, explica Sophie Ross.

“Não só finalmente colocamos uma mezuzá após o massacre terrorista do Hamas, mas também estou usando uma Maguen David pela primeira vez e encomendei vários livros sobre judaísmo e antissemitismo, tentando aprender tudo o que posso sobre minha herança, e aqueles que tentaram apagá-la repetidas vezes ao longo da história.”

Após o ataque terrorista, Ross leu online sobre judeus em outras partes do mundo que estavam com medo de deixar as mezuzot em suas portas. “Acho que é um privilégio maravilhoso poder orgulhosamente erguer uma mezuzá neste momento”, diz ela.

Henry Brooks e Sophie Ross, do Brooklyn, Nova York, estão entre os inúmeros judeus ao redor do mundo que colocam uma mezuzá em sua porta. “O ódio e a devastação que a nossa comunidade está sofrendo nos fizeram abraçar as nossas identidades judaicas mais do que nunca”, diz Ross. - Foto: Tribo Tecnológica.
Henry Brooks e Sophie Ross, do Brooklyn, Nova York, estão entre os inúmeros judeus ao redor do mundo que colocam uma mezuzá em sua porta. “O ódio e a devastação que a nossa comunidade está sofrendo nos fizeram abraçar as nossas identidades judaicas mais do que nunca”, diz Ross.
Foto: Tribo Tecnológica.

Talvez ainda não haja escassez em Nova York, mas esse não é o caso em muitas outras partes do mundo. Mezuzá e tefilin não podem ser produzidos em massa, exigindo atenção concentrada dos escribas que os criam. Mesmo a menor oscilação de uma pena pode tornar o pergaminho impróprio para uso. Portanto, atender ao aumento repentino da demanda é um desafio.

O rabino Avromy Super, emissário Chabad na ilha caribenha de S. Lúcia, lançou uma campanha após os ataques terroristas prometendo dar um par de tefilin grátis a quem concordasse em colocá-los todos os dias. Desde o lançamento da campanha e a sua posterior ampliação pelos proprietários do site Dan's Deals, já foram solicitados cerca de 3.000 pares. Serão meses para atender toda a demanda, afirma Super.

“Compramos tudo o que pudemos e agora temos centenas para serem escritos, mas os sofers simplesmente não conseguem escrevê-los tão rápido. Temos adquirido produtos de todo o mundo”, diz Super. “Um escriba na Austrália que contatei disse-me que só lhe restavam alguns pares de tefilin, uma vez que a procura local também aumentou nas últimas semanas.”

Como muitos outros, quando Tzvi Rappaport, do Brooklyn, Nova York, ouviu falar da guerra em Israel, ele quis fazer algo. Rappaport decidiu comprar e doar mezuzot para os soldados israelenses cujas casas podem não ter uma para ajudá-los e mantê-los seguros. Ele procurou familiares, amigos e colegas para fazer doações e, em 24 horas, arrecadou o suficiente para comprar 100 mezuzot.

Então os pedidos começaram a chegar. Vieram de pessoas que ele conhece em Israel, de listas de grupos, de bases militares. Parece que todos conheciam alguém que queria uma mezuzá. Rappaport procurou garantir mais, mas enfrentou o problema que muitos outros enfrentaram – mais demanda do que oferta.

“Como estamos fazendo isso como uma shmirá, uma 'proteção', não queríamos usar a mezuzá mais barata do mercado”, disse ele. “Limitamo-nos a um tipo específico. Uma empresa me disse que levaria de duas a quatro semanas para obtê-las. Procurei outra empresa. Às vezes, leva um ou dois dias até que possamos obtê-los, mas estamos conseguindo.”

Neste momento, Rappaport obteve quase 600 mezuzot e tem pedidos de outras 160. Desta vez não são apenas de soldados, mas também de pessoas que foram evacuadas do norte e do sul de Israel à medida que a guerra se intensificava.

Além do minucioso trabalho do escriba, para fazer um par de tefilin são necessários caixas de couro preto que também são feitas à mão.
Além do minucioso trabalho do escriba, para fazer um par de tefilin são necessários caixas de couro preto que também são feitas à mão.

Demanda intensa, mas itens espirituais a caminho

Rappaport é apenas um dos muitos indivíduos que conduziram uma campanha de mezuzot. Campanhas semelhantes de conscientização e promoção de divulgação estão ocorrendo em todo Israel, e também nos Estados Unidos, onde estudantes universitários de diversas faculdades têm solicitado mezuzot para serem colocadas nos dormitórios.

No centro Otzar HaStam Tzfat, na cidade de Safed, no norte de Israel, um grupo de 30 escribas habilmente treinados trabalha o ano todo para produzir tefilin e mezuzot de alta qualidade. Mesmo antes do início da guerra, explica o rabino Chaim Kaplan, emissário do Chabad na cidade e diretor executivo do Otzar HaStam, havia falta dos itens para abastecimento, com um grande cliente à espera de cerca de 2.000 mezuzot.

“Quando você cria uma mezuzá, não pode simplesmente apertar um botão e criar mais”, diz ele. “É tudo feito à mão e sempre que há uma grande demanda, um grande gargalo.”

Pode levar de três a 10 dias para escrever um par de tefilin e um ou dois dias para escrever uma mezuzá, dependendo da qualidade do trabalho. Depois que um item é concluído, ele passa por um processo de verificação em duas etapas: primeiro, é verificado por um computador e depois por outro escriba para garantir que não haja erros. Só então ele poderá ser considerado casher, apropriado, para uso.

Nesse ponto, a mezuzá pode ser enrolada e colocada em uma caixa para uso. Os tefilin precisam de ainda mais tempo, exigindo que a caixa de couro seja costurada e montada – tudo à mão – antes de poder ser usado.

Safed não está sentindo os efeitos da guerra da mesma forma que as vilas e cidades da linha da frente, embora Kaplan diga que ainda está afetando a produção do centro. Tanto o gestor como o diretor de Otzar HaStam foram convocados para servir nas Forças de Defesa de Israel e, como muitos outros, os escribas estão preocupados com a guerra e têm os seus filhos em casa porque as escolas estão fechadas [ou funcionando parcialmente], o que torna difícil trabalhar.

“Um dos meus sofers me ligou e disse que acha que sua cabeça não está totalmente focada para escrever corretamente e pode cometer um erro se escrever agora. E este é um sofer verdadeiramente especialista”, relata Kaplan.

Apesar das dificuldades envolvidas, Kaplan está confiante de que os escribas de todo o mundo serão capazes de estar à altura da situação e atender à enorme demanda. A exigência, diz ele, é um indicador de uma verdade maior que às vezes pode parecer oculta.

“Tal exigência só poderá surgir quando Am Yisrael – o povo judeu – estiver conectado às suas raízes”, diz Kaplan. “As pessoas não querem mezuzá e tefilin apenas como lembranças; eles querem esses itens porque querem proteção espiritual para si e para seus irmãos e irmãs aqui em Israel. Isso só pode vir de D'us.”

É por isso que os escribas de todo o mundo estão trabalhando duro para garantir que cada judeu no mundo tenha uma mezuzá à sua porta e tefilin para si: seus irmãos dependem deles.

“Se há uma coisa que aprendi desde 7 de outubro”, diz Ross, “é que a comunidade judaica global se une fortemente, mesmo em nossos momentos mais sombrios”.

Um soldado das FDI coloca uma mezuzá na ombreira de sua porta.
Um soldado das FDI coloca uma mezuzá na ombreira de sua porta.