O Rolo
A porção dessa semana (Vayelech) relata os eventos dramáticos que ocorreram durante o último dia de Moshê sobre a terra. Dentre as muitas coisas que ele fez naquele dia fatídico esteve a escrita de toda a Torá (os Cinco Livros de Moshê) 1
Os Rolos de Torá que usamos atualmente são cópias das cópias das cópias do Rolo de Torá original escrito por Moshê no dia de seu falecimento, 7 de Adar de 2488, há 3278 anos. [Todos são idênticos, sem um ponto a mais ou menos, o que o invalidaria.]
Após completar a escrita da Torá inteira, Moshê ordenou aos levitas:
"Peguem este Rolo de Torá e coloquem-no ao lado da Arca do Pacto do Eterno seu D’us, e será como testemunha para vocês.”2 O Tabernáculo no deserto, e mais tarde o Templo em Jerusalém, abrigavam uma Arca Sagrada contendo Duas Tábuas inscritas com os Dez Mandamentos e o Rolo de Torá recentemente completado que precisou ser colocado ao lado dessa Arca.
O local exato do Rolo de Torá ao lado da Arca inspirou um debate entre os sábios talmúdicos 3. Rabi Meir afirmava que o Rolo de Torá precisava ser colocado dentro da Arca, ao lado das Duas Tábuas. Rabi Yehuda era da opinião de colocar sobre uma prateleira ao lado de fora da Arca e o Rolo de Torá.
A lógica entre o argumento deles está na interpretação correta das palavras de Moshê acima citadas:
"Peguem este Rolo de Torá, e coloquem-no ao lado da Arca.”
Segundo Rabi Yehuda “ao lado da Arca” deve ser entendido literalmente – que o Rolo de Torá deveria ser colocado não dentro, mas fora da Arca. Por outro lado, Rabi Meir acredita que as palavras “ao lado da Arca” estão meramente nos dizendo que o Rolo de Torá deve ser colocado não entre as Duas Tábuas, mas sim ao lado delas, perto da parede interna da Arca 4.
Três Questões
Aí surgem três dúvidas.
Por que Rabi Meir sentiu-se obrigado a impor uma interpretação aparentemente contraditória das palavras “ao lado da Arca”? Por que Rabi Meir não adotaria a explicação simples e direta de Rabi Yehuda, de que quando Moshê instruiu que o Rolo de Torá fosse colocado “ao lado da Arca” ele quis literalmente dizer isto?
Como repassamos a dádiva de “No princípio D’us criou o céu e a terra” a pessoas formadas em Yale e Stanford, para quem Charles Darwin tem mais cartaz que Moshê?A segunda questão que surge é: por que havia uma necessidade de ter o Rolo de Torá colocado em tamanha proximidade da Arca 5?
Finalmente, discutimos numerosas vezes que a Torá e todos os mandamentos e episódios foram transcritos para servir como o Projeto Divino para a vida, como um mapa para as jornadas da vida.
Como um ser humano do Século 21 pode vislumbrar a sabedoria e inspiração de um antigo mandamento para colocar um Rolo de Torá ao lado de uma Arca, numa época em que não temos Arca nem Tábuas? Que tipo de relevância possui a instrução de Moshê aos levitas para as nossas vidas atualmente?
A Raiz vs. os Galhos
Nossos Sábios disseram 6 que os Dez Mandamentos apresentados no Sinai e inscritos nas Duas Tábuas do Pacto incorporaram a quintessência de toda a Torá, todos os Cinco Livros. Todas as perspectivas, temas, ideias, leis, ética e histórias da Torá estão encerradas nas breves 620 letras dos Dez Mandamentos 7. Os Cinco Livros de Moshê, então, servem essencialmente como um comentário aos Dez Mandamentos, elaborando e explicando o pano de fundo, o significado e a importância desses dez pilares da fé judaica.
As Tábuas, em outras palavras, constituem a fonte, o epicentro, os núcleos do Judaísmo; os Cinco Livros são a elaboração, a explicação, o desenvolvimento.
O debate entre Rabi Meir e Rabi Yehuda sobre a semelhança entre o Rolo de Torá e as Tábuas não é meramente uma discussão técnica sobre a proximidade de duas entidades físicas; mas sim um profundo desacordo sobre as metodologias fundamentais do desenvolvimento e comunicação do Judaísmo.
O quanto devemos considerar próxima a conexão entre a expansão da Torá e seu âmago? Somos capazes de “deixar a caixa” contendo as Tábuas sem perder de vista o principal?
Isso de maneira alguma é um dilema abstrato. Como se comunicam verdades antigas a uma geração jovem moldada num ambiente secular? Como alguém apresenta uma Torá com mais de 3.000 anos a um moderno viciado em Blackberry no Século 21? Como repassamos a dádiva de “No princípio D’us criou o céu e a terra” a pessoas formadas em Yale e Stanford, para quem Charles Darwin tem mais cartaz que Moshê? Devemos apresentar o Judaísmo em sua forma e composição originais, sem empregar a terminologia moderna, técnicas e estruturas de pensamento? Ou devemos “tirar o Judaísmo da caixa” e reempacotá-lo numa linguagem contemporânea?
O debate sobrevive até hoje. Alguns professores e apresentadores do Judaísmo são acusados de não terem a capacidade de se comunicar com uma “nova geração” de judeus, enquanto outros professores são acusados de “liberalizar” o Judaísmo, diluindo suas ideias puras a fim de acomodar o judeu moderno ou o não-judeu.
Um dos Dez Mártires executados em Roma foi Rabi Chutspis Hameturgeman, que significa o elucidador. Os cabalistas comentam que para elucidar realmente algo e apresentá-lo numa nova forma você precisa ter chutspá, portanto o nome dele era Chutspis.
A Luz e os Vasos
O Talmud 8 diz algo profundamente tocante sobre Rabi Meir: é sabido pelo Criador do mundo que Rabi Meir superou toda a sua geração e ninguém se igualava a ele. Por que então eles não estabeleceram a lei segundo a sua opinião?
“Porque os sábios não podiam compreender a profundidade de sua sabedoria.”
Rabi Meir foi mal entendido pelos seus colegas; suas ideias eram avançadas demais para sua época.
“Meir” em hebraico significa “o iluminador” 9. A luz que emanava da mente e do coração de Rabi Meir era profunda demais para seus colegas e alunos. Por quê? Porque Rabi Meir era da opinião que toda a interpretação e desenvolvimento do pensamento de Torá deve permanecer intimamente conectado com sua fonte. O comentário e exposição jamais devem ser removidos do espaço de seu progenitor. A Torá deve ser colocada bem perto das Tábuas. Diluir a luz a fim de acomodar os vasos faria uma injustiça com a integridade da mensagem.
Segundo Rabi Yehuda, no entanto, a palavra de D’us precisa deixar os parâmetros da Arca Sagrada, e ser levada para fora.
O nome Yehuda em hebraico significa rendição ou submissão. É preciso submeter seu estado elevado de consciência a fim de fazer contato e apresentar a Torá ao aluno que não conseguiria absorver a intensa luz “dentro da caixa”. O Judaísmo, argumentava Rabi Yehuda, precisava ser apresentado de uma maneira que o tornasse acessível, relevante e pertinente a pessoas treinadas numa inclinação diferente e educadas nas escolas de Atenas. Pois segundo Rabi Yehuda esta não é uma rendição, mas sim um notável ato de auto-rendição (Yehudá!). É mais fácil repetir as antigas frases e ditos, para permanecer seguro nas antigas trilhas; porém você precisa transcender sua área de conforto a fim de levar a luz e a verdade da Torá àqueles que estão do lado de fora.
Leal à Fonte
Porém aqui há um truque crítico: mesmo segundo Rabi Yehuda, a Torá deve sempre permanecer conectada à sua fonte por meio de uma prancha de madeira. Isso significa o seguinte: Há uma diferença entre apresentar o Judaísmo na terminologia e metodologia que possam penetrar no homem moderno, vs. tentar provar que o Judaísmo se adapta às modernas tendências de pensamento.
O primeiro é mais nobre; o último é intelectualmente desonesto, pois não busca descobrir a mensagem autêntica do Judaísmo, apenas para criar um Judaísmo bonitinho que não desafia as áreas de conforto do homem e da mulher progressistas.
Essa distinção entre as duas abordagens têm sido profundamente desvirtuada nos últimos anos, e os resultados têm sido óbvios. A antiga abordagem deu a incontáveis estudantes a oportunidade de desafiarem a si mesmos pelas verdades Divinas da Torá; a última abordagem tem levado a Torá a servir à fantasia do homem moderno.
Por fim chega à questão do quanto você acredita na veracidade da Torá? Você está usando o pensamento moderno meramente para comunicar Torá, ou está empregando-o a fim de confirmar a si mesmo e a outros a autenticidade e apelo do Judaísmo?
O que Rabi Yehuda está dizendo é que por mais longe que você viaje para fora da caixa, uma “prancha de madeira” deveria sempre conectar você às “Tábuas” originais, puras, dentro da caixa. O elo entre o núcleo da Torá e sua expansão devem sempre continuar evidentes. Caso contrário, você pode estar se privando das vibrantes, pulsantes, Divinas fontes da palavra de D’us.
Quem tem o direito de “reempacotar” o Judaísmo? Somente alguém que seja altruísta (Yehuda), não tenha o ego envolvido, e sua única agenda seja partilhar a palavra de D’us com outros, uma pessoa que é completamente leal à autêntica fonte.
Porém se alguém não possui estas qualidades, elas irão frequentemente se diluir e comprometer, se não perverter, as águas puras do Judaísmo com as impurezas de tendências e noções que são estranhas à Torá.
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