Como alguém que chegou a Chabad vindo do zeloso setor de Jerusalém de ortodoxia religiosa, e que ficava em contato próximo com a comunidade haredi em Israel, eu sentia que havia uma falta de literatura de filosofia Chabad apresentada na escola numa maneira que aquelas comunidades poderiam apreciar. Por algum tempo, havia Bitaon Chabad, um jornal que a Organização Juvenil Chabad começou a publicar em 1952, mas deixou de publicar após dezenove edições.
Então, quando viajei para Nova York em 1962 para minha primeira visita ao Rebe, abordei o assunto durante minha audiência privada com ele. Ao fornecer algum motivo para a falta do jornal, o Rebe mencionou a versão hebraica traduzida de suas palestras em iídiche que foram publicadas em Bitaon Chabad. “Os rascunhos de algumas das traduções que chegaram aqui têm de ser completamente refeitos,” ele disse, “e não havia tempo para isso. Se você aceitar a responsabilidade pela tradução, pode começar a editar Bitaon Chabad,” Ele me instruiu a incluir vários outros no trabalho de escrever e editar o jornal, mencionando Rabi Chanoch Glitzenstein e Rabi Adin Even-Yisrael Steinsaltz pelo nome.
E assim Bitaon Chabad novamente viu a luz do dia, e pela nossa primeira edição, publiquei uma opinião de minha visita ao Rebe. A publicação inteira, meu diário de viagem incluído, foi revisada pelo Rebe, que fez diversas correções e edições substantivas.
Na verdade, eu já havia começado o meu trabalho traduzindo os ensinamentos do Rebe enquanto eu ainda estava em Nova York. Duas vezes por ano – antes das Grandes Festas e de Pêssach – o Rebe costumava enviar uma carta aberta endereçada aos “filhos e filhas de Israel, onde quer que estejam.” Essas cartas, originalmente escritas em iidiche, eram traduzidas para o inglês e hebraico, e distribuídas em toda parte, incluindo nas páginas dos jornais israelenses e americanos.
Rabi Uriel Zimmer, que durante anos estava encarregado da tradução hebraica daquelas cartas, faleceu em 1961. Então, após minha audiência com o Rebe, seu secretário Rabi Leibel Groner aproximou-se de mim com a última carta. “O Rebe pediu que você traduza essa para o hebraico,” ele disse. Eu traduzi quase todas aquelas cartas abertas, que por fim foram compiladas nos dois volumes de Igrot Melech.
Antes da era do fax – muito menos e-mail – o processo para preparar essas cartas era bem complicado. Uma única cópia da carta original em iidiche seria enviada para Israel e então alguém viajando de volta aos Estados Unidos iria trazer minha tradução de volta ao Rebe. Uma vez que o Rebe a tivesse editado, , um secretário iria ditaria suas correções por telefone para nós. Então o rascunho seria formatado e preparado para publicação.
As correções e citações do Rebe eram profundas e interessantes, e extremamente meticulosas. Sua atenção ao detalhe podia ser vista nas extensas notas e fontes acompanhando as cartas, que às vezes se referiam até a pontos menos importantes como a data no alto da página, ou à bênção com a qual o Rebe assinava.
Além disso, após aquela primeira viagem em 1962, comecei a traduzir as palestras do Rebe para uma publicação semanal. Após um ano repleto de palestras, pedi ao Rebe para continuar com um segundo ciclo, e ele deu sua aprovação, mas com uma condição “desde que não seja uma tradução palavra por palavra.”
Esta é uma instrução muito importante. Ao lidar com sagrados ensinamentos da Torá, há uma tendência de tentar permanecer fiel a toda e cada palavra do original, até quando elas estão traduzidas numa nova linguagem. Mas o Rebe não acreditava que essa era a abordagem correta. Ao traduzir, a pessoa deve prestar atenção ao estilo da nova linguagem, bem como à audiência padrão para quem a tradução é destinada. Quando alguém permanece ligado às palavras originais a qualquer custo, a apresentação da mensagem tende a ficar comprometida. O principal é preservar o conteúdo e apresentá-lo fielmente, mas sem ser muito específico com a forma de escrever.
Em 1964, após o falecimento de sua mãe, Rebetsin Chana, o Rebe começou uma série de discussões sobre os temas de Rashi, o famoso comentarista bíblico. Com o tempo, aprendemos que o Rebe estava tendo uma abordagem nova e revolucionária para entender o comentário de Rashi, no coração do qual havia um princípio expresso em vários locais pelo próprio Rashi: “Eu venho somente para explicar o significado básico da Escritura.” Quando ele fazia cada vez mais palestras e análises, ficou claro que ele estava identificando e desenvolvendo muitas regras, ou princípios interpretativos, que guiavam o comentário de Rashi sobre a Torá. Comecei a resumir e compilar essas regras para mim mesmo no decorrer dos anos, e quando eu tinha compilado sete regras básicas, escrevi um ensaio chamado “A Abordagem do Lubavitcher Rebe Para o Comentário de Rashi”, o qual foi publicado no jornal da Torá Shma’atin.
É claro, também enviei ao Rebe o ensaio publicado. Algum tempo depois, recebi uma instrução do secretário do Rebe, Rabi Hodakov: “Como a Divina Providência levou você a este campo, e como você tem tido sucesso deveria fazer um folheto sobre o assunto dos Príncípios de Rashi.”
Comecei a trabalhar nisso, mas quando me aprofundei no assunto, tornou-se evidente que o Rebe havia desenvolvido um número realmente grande dessas regras. O trabalho de compilação e formulação começou a se arrastar por anos, não apenas porque eu também estava ocupado com outras coisas. Comecei a receber várias mensagens do Rebe me estimulando.
Uma vez, recebi uma mensagem de Rabi Hodakov, o secretário do Rebe, referindo-se a Rabi Yosef Karo, o autor do Código da Lei Judaica. A tradição diz que em sua geração, havia três rabinos que eram capazes de escrever o código. Por fim, no entanto, foi Rabi Yosef Karo que foi selecionado, do Alto, com a honra de compilar o código, em vez dos outros.
Eu entendi a dica: Se eu não me apressasse e entregasse o livro, o projeto seria dado para outra pessoa. Após fazer um esforço especial, a primeira edição dos Princípios de Rashi foi publicada a tempo para o aniversário do Rebe em 1980. Após enviar uma cópia ao Rebe, fiquei feliz ao receber uma carta dele contendo algumas palavras encorajadoras – “há sabedoria (e trabalho considerável) aqui,” ele me elogiou. E expressou seu desejo de que eu seguisse em frente para publicar uma segunda e uma terceira edição.
Na verdade, onze anos depois, durante os quais o Rebe continuou a expor regularmente seu comentário de Rashi, uma segunda edição surgiu. E então, em 2018, uma terceira edição, expandida, dos Princípios de Rashi apareceu, enumerando não menos que 620 regras interpretativas!
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