Entrevista sobre Valores: família, fé, antissemitismo e casamento

Este artigo foi publicado no The Sunday Times no domingo, 8 de setembro de 2019, como parte de sua série Relative Value.

Publicado em: Rabino Jonathan Sacks


Rabino Jonathan

Elaine e eu nos conhecemos em 1968. Eu estudava filosofia na Universidade de Cambridge e estava profundamente angustiado, mergulhado na questão existencial. E eis que vi duas jovens andando pelo pátio do King's College. Eu pensei sobre uma delas, esta é a pessoa mais diferente de mim que eu já encontrei. Ela irradiava alegria.

Deve levado umas três semanas até pedí-la em casamento e lamento profundamente que tenha demorado tanto. Comprei um anel em Woolworths e fiz o pedido em Oxford Circus. Nunca tive a menor dúvida. Nós nos casamos quando eu tinha 22 anos e ela 21.

Meu pai veio da Polônia para a Inglaterra quando criança – eles eram uma família muito pobre. Eu era o mais velho e às vezes isso nos aproxima mais da dor de nossos pais. Meu pai era um homem inteligente, mas nunca recebeu uma educação. Eu estava ciente de todas as oportunidades que não estavam disponíveis para ele, então havia uma coisa enorme em dar orgulho aos meus pais e algum senso de realização.

Eu tinha essas personalidades completamente opostas dos meus pais. Meu pai preferia perder um amigo do que comprometer um princípio e minha mãe manteve todos os amigos que meu pai perdeu. Ele era impossível de satisfazer. Mas ele viveu para me ver nomeado rabino-chefe [da United Hebrew Congregations of the Commonwealth, em 1991] e, como um homem profundamente religioso, isso não era algo sem sentido para ele. Vê-lo de muletas, subindo os degraus da St John’s Wood Synagogue, foi o momento em que pensei: “Pai, fiz isso por você e estou feliz por você estar aqui para ver”.

Eu tinha 48 anos quando ele faleceu. Isso me deixou um enorme vazio. Quando eles não estão mais por perto, você se pergunta: “O que estou fazendo por mim?” Isso é desafiador. Você é lançado em um oceano sozinho.

Quando me tornei pai, eu estava um pouco distante. Viajei muito como Rabino Chefe e estava sempre pensando na minha próxima palestra. Tem sido uma família muito amorosa – as noites de sexta-feira, eram momentos muito especiais para a nossa família. Acho que meus filhos estavam bem, mas eu era o melhor pai do mundo? Não. É por isso que Elaine foi tão importante para nossos filhos.

Quando comecei como Rabino Chefe, falei sobre uma década de renovação judaica. Hoje, temos uma comunidade mais jovem e mais experiente do que no passado. Construímos mais escolas judaicas do que em qualquer outro período da história anglo-judaica. Nossos serviços nas sinagogas eram terrivelmente chatos e agora estão animados, envolventes e participativos.

Ser um judeu leal significa acreditar nas pessoas das quais você faz parte como membro. Muitas pessoas no Reino Unido dizem que são membros da Igreja da Inglaterra como uma identidade religiosa, mas poucas declaram que vão. Isso é acreditar sem pertencer. O judaísmo é o oposto – pertencer sem acreditar.

Foi devastador para mim em 2001, quando nossa filha, então com 19 anos, estudando na London School of Economics, voltou depois de participar de uma manifestação antiglobalização que se transformou em ódio contra Israel e os judeus. Ela estava em lágrimas e disse: “Pai, eles nos odeiam”. Isso foi um grande alerta.

Quando vejo o anti-semitismo retornar à Europa e o fracasso de alguns partidos e políticos em enfrentá-lo, acho muito difícil encontrar fé nos seres humanos. Acho que parte do antissemitismo estava escondido e simplesmente se libertou das restrições de vários tabus. Como Jeremy Corbyn lidou com o antissemitismo no Partido Trabalhista? Eu mantenho o que eu disse sobre ele, absolutamente. Eu sinto que esta é uma mancha genuína no tecido da vida política britânica. Encontrar algo tão manifestamente maligno quanto o antissemitismo e não lidar com isso? Os judeus não devem lutar sozinhos contra isso. Não queremos nos retratar como vítimas.

Tenho uma persistente falta de confiança em mim mesmo. Há algum tipo de dor, que talvez seja uma coisa hereditária. Há uma tristeza na música judaica, uma espécie de tom menor, que eu ouvia quando tinha dois ou três anos. É uma tristeza existencial que não consigo eliminar, por mais que tente. Isso é provavelmente o que me permite me comunicar com pessoas que estão infelizes.

Elaine é o equilíbrio em tudo. Quando eu estava passando por momentos difíceis como Rabino Chefe, ela estava estável. Não é fácil ser filho de alguém aos olhos do público, e ela era a fonte de força e confiança de que nossos três filhos precisavam.

Elaine é alegre, positiva, sempre encontrando o lado bom das pessoas. Ela é a melhor antidepressiva do mundo

No dia de seu casamento em 1970

Foto: Paul Stuart
Foto: Paul Stuart

Elaine

Minha mãe achava que se eu pudesse entrar em uma escola de radiografia em Oxford ou Cambridge, haveria todos esses jovens adoráveis ​​– e havia! Eu estava treinando para ser uma radiologista quando conheci Jonathan em Cambridge. Ele era o presidente da Sociedade Judaica. Eu o encontrei em uma reunião e foi isso, que realmente aconteceu: amor à primeira vista. Achei que ele era bem diferente de qualquer pessoa que eu já havia conheci. Ele era erudito. Ele ia a lugares. Eu realmente não me misturava nos círculos universitários. Cresci em Willesden, noroeste de Londres, uma criança normal de classe média. Frequentávamos a sinagoga, mas não eramos tão religiosos.

Eu tinha 25 anos quando tive meu primeiro filho. Naquela época, eu era considerada um pouco avançada. Deixei de trabalhar em radiografia para cuidar dos nossos filhos. Há momentos como dona de casa em que você pensa, oh, pelo amor de D’us. Mas se eu tivesse seguido minha carreira ou casado com outra pessoa, não teria ido a lugares tão maravilhosos ou conhecido pessoas tão incríveis. Ganhei muito mais do que perdi.

Nosso mais velho tinha 16 anos quando Jonathan se tornou Rabino Chefe. Nossa vida familiar mudou instantaneamente. Tínhamos segurança, e todos eram pessoas muito simpáticas, mas ainda era intrusivo tê-los em casa. Eu era tímida no início como esposa do Rabino Chefe. Certa vez, a esposa de um rabino mais velho me disse: “Você sabe que eles têm medo de você? Tente falar um pouco mais.” As pessoas achavam que eu estava sendo distante. Logo aprendi que, se você está fazendo um pequeno discurso ou entregando prêmios em uma escola, eles estão ao seu lado, e não atrás de você.

Senti a responsabilidade do trabalho, mas não me senti rebaixada por isso. Eu não sou tão afetada pelo estresse, eu posso me livrar dele. Durmo bem à noite e Jonathan não. Nós também recebemos enorme honra. Várias pessoas vinham a nossa casa para reuniões, a realeza, parlamentares, primeiros-ministros. As pessoas muitas vezes perguntam por quem eu fiquei mais impressionada, mas eu não tenho uma resposta. Você percebe que todo mundo é apenas humano.

Certamente há mais antissemitismo agora do que havia 20 anos atrás. Está nos jornais todos os dias, é impressionante. Recentemente, um de nossos amigos estava saindo da sinagoga com seus dois filhos e um homem os repreendeu, disse “judeus” e os xingou. As crianças sempre ansiavam por ir à sinagoga com o pai e agora estão com medo de ir.

Espero ter passado aos meus filhos uma educação e valores bons e sólidos. Quando as pessoas fazem parte de uma comunidade, seja um clube de futebol ou uma religião, isso lhes dá algo tangível. Os mantêm unidos. Há tanta solidão agora.

Minhas maiores alegrias na vida são simples. Vivemos perto de Hampstead Heath e adoramos. Se formos dar uma caminhada e pisarmos na lama, no dia seguinte encontrarei meus sapatos limpinhos. Jonathan gosta de limpá-los. Se tudo está arrumado, então sua mente está livre para pensar.

Somos diferentes. Estou sempre alegre e ele é bastante sério. Mas todos esses anos juntos? Você precisa ser bem romântico.

Heabitos Estranhos

Jonathan sobre Elaine
Ela gosta de nadar no lago feminino de Hampstead Heath como uma experiência quase mística. Ela volta transbordante de alegria de viver, completamente transformada por isso.

Elaine sobre Jonathan
Ele sempre usa uma gravata amarela quando precisa dar uma palestra ou fazer um discurso importante ou em ocasiões especiais.