Pergunta:
Sou assinante do Daily Dose e aprecio ler muitos dos artigos esclarecedores em Chabad.org. Pelos artigos que você apresenta, o Rebe parece ter sido um homem pacífico, repleto de amor. Estou abalado pela cobertura de Chabad.org sobre a guerra em Gaza. Amo e respeito a ideologia do Judaísmo, mas não posso levar minha mente para o “ato de defesa,” i.e., o assassinato de outros, mesmo se eles são os opressores, o que leva a uma glorificação da guerra. Prece, assim aprendi, é um ato de esclarecimento. Devo rezar pela brutal derrota do inimigo?
Resposta:
A resposta simples e rápida: depende. Se o inimigo é a escura maldade deste mundo, reze pelo fim do mal. Se o inimigo é um ser humano, defenda-se, ataque primeiro se necessário, e reze para que todos seus inimigos vivam, se tornem seus amigos e cumpram a missão para a qual eles nasceram. Juntem-se para criar um mundo pacífico, harmonioso.
Bem vindo ao inescrutável mundo do Judaísmo, onde há tão poucas questões sobre as quais um judeu honesto, educado não pode entrar em conflito. Na Halachá, na ética, no misticismo, em qualquer campo – mesmo quando uma questão é resolvida, deve-se levar em conta tantos ângulos e condições que muito pouco pode ser dito numa única linha ou em duas, que não seja: “Ouve, ó Israel, D'us é nosso Senhor, D'us é Um.” E como o paradigma do Judaísmo, a abordagem do Rebe era uma que nunca poderia ser arquivada. Em toda asserção, suas mentiras opostas; em toda abordagem, o outro caminho deve ser levado em conta.
E aqui você abordou um exemplo perfeito. Apenas ontem, um amigo levou-me a uma palestra na qual o Rebe discutia sua pergunta. Isso foi em setembro de 1982, no auge de uma guerra incendiária entre Iraque e Irã que tinha começado a ameaçar toda a região com o temor de ataques nucleares. “As nações estão atacando uma à outra,” o Rebe repetia muitas vezes, “e o mundo inteiro oscila.”
Ele falava sobre como alguns tinham uma abordagem parcial sobre a guerra, pois “tudo que seja bom, tudo que possa ser.” Ele mesmo se opunha a essa atitude. Guerra não é algo bom, ele dizia, porque vidas humanas são pedidas, e”... somos ordenados a cuidar dos pobres mesmo se eles forem idólatras, junto com os nossos – ainda mais cuidar pelas vidas deles.”
A palestra que se seguiu nos deu uma notável impressão sobre o Rebe. As palavras do Rebe não são sempre fáceis de ler – repletas com alusões e eufemismo. Eu traduzi do iídiche.
Sim, há pessoas violentas e terroristas no mundo. Mas não há nada que diga que a única maneira de lidar com isso é tirando suas vidas. Mesmo quando falamos “o inimigo e o vingador”, nossas ações devem ser “parar o inimigo e o vingador.” Significa, parar e anular este que é um inimigo e vingador. Na linguagem do Talmud, “os pecados deveriam cessar – não os próprios pecadores.” A tal ponto que eles irão se tornar amigos dos judeus e nos ajudar. Como a promessa sobre o Tempo Vindouro, “Estranhos irão chegar e cuidar das suas ovelhas.” – embora eles sejam “estranhos,” esta não é a ênfase. A ênfase é que eles, mesmo assim, cuidem das suas ovelhas,”1
Você leu isso corretamente – o Rebe reza para que os terroristas se tornem nossos amigos. Mas isso significa que não devemos nos defender? Pelo contrário, o Rebe teve uma abordagem com tolerância zero para auto-defesa. Ele baseou seu argumento, como sempre, sobre um decreto haláchico. Eis aqui como ele explicou isso para Rabi Immanuel Jakobovits, então rabino chefe do Reino Unido, numa carta datada em novembro de 1980:
“Sou completa e inequivocamente oposto à rendição de qualquer das áreas liberadas atualmente sob negociação, como Judá e Sumária, o Golan, etc., pela simples razão – e única razão – de que render qualquer parte delas iria contrariar uma clara regra encontrada no Shulchan Aruch (O.C., cap. 329, parágrafo 6,7). Tenho enfatizado repetidamente que esta regra não tem nada a ver com a santidade da Terra de Israel, com “os dias de Mashiach”, a vindoura redenção ou considerações semelhantes – mas somente com salvar vidas.”
O Rebe aqui se refere a uma regra na codificação padrão da Lei Judaica que discute uma cidade fronteira atacada por assassinos. A regra é que todos que puderem devem sair, mesmo no Shabat, para lutar contra eles – mesmo se os assassinos estão atacando somente para obter ninharias. O motivo por trás dessa regra é que uma vez que a fronteira da cidade se tornou vulnerável, a vida dentro daquelas fronteiras está em perigo. O Rebe generaliza esta lógica numa situação envolvendo perigo à vida humana, o fator para uma ação determinante é exclusivamente como melhor proteger e salvar vidas, e nada mais. Não como iremos justificar isso, não como financiamos isso, não aquilo que o mundo vai dizer ou o que eles irão pensar de nós. Apenas pela proteção de vidas.
Para fortalecer meu ponto: A fonte para essa lei está no Talmud (Eruvin 45 a). O exemplo dado de uma fronteira é a cidade de Neharde’a na Babilônia (atualmente Iraque) – claramente não em Israel. Como enfatizei, essa é uma questão de risco, e deveria ser julgada puramente com base em salvar vidas e não na geografia.
A lei dita lida com uma situação onde os gentios (porque este é o termo, não inimigos) assediam uma cidade-fronteira judaica, ostensivamente para obter ninharia e farelo” e então partir. Mas por causa de possível perigo, não apenas aos judeus da cidade, mas também às cidades, o Shulchan Aruch decreta que ao receber notícias de outros povos (até somente de preparações), os judeus devem mobilizar-se imediatamente e pegar armas até no Shabat – de acordo com a regra que “salvar vidas sobrepõe o Shabat”.
O Rebe continua dizendo que a decisão se for uma concessão particular irá colocar vidas em risco e não deve ser deixada aos especialistas. Assim como numa questão médica, os especialistas são os médicos. Também numa questão militar, os especialistas são militares. Porém mesmo que eles não façam considerações políticas, econômicas ou sociológicas, mas simplesmente : a proteção de vidas humanas. Como todos os especialistas que ele consultou concordaram que devolver as áreas de Judá e Samaria iria colocar milhões de vidas em grande perigo, o Rebe se opôs.
Nem um milímetro de território poderia ser reconquistado pelo PLO. Até o próprio ato de discutir o território, o Rebe declarou, era suficiente para juntar os terroristas e colocar vidas em risco.
Além disso, o Rebe citava a ética de auto-defesa do Talmud:
“Se alguém está vindo para matar você, levante logo para matá-lo primeiro.”2
O Rebe insistiu “o que significa que é possível saber que alguém deseja causar dano mortal, e neste caso, a pessoa tem responsabilidade de preparar um ataque preventivo.3”
Porém, mesmo aqui, o Rebe notava que o dito não afirma que você deve realmente matar alguém, somente que você deve estar preparado para fazê-lo. Eles diziam: “Levante logo para matá-lo,” ele dizia, não “Levante logo e o mate.” Se você mostrar que está preparado para atacar primeiro, não haverá necessidade disso. A ênfase em todas essas questões estava primeiro na guerra psicológica. Aja fraco, e todos são colocados em perigo. Mostre que você é forte e ninguém será ferido.
Novamente, qual era a consideração? Simplesmente salvar vidas.
Na verdade, o Rebe expressou sua preocupação sobre a perda de vidas árabes em diversas ocasiões. Por exemplo, um mês após a palestra citada, o Rebe falou novamente sobre segurança e defesa em Israel. Novamente ele declarou que aqueles que propunham entregar territórios estavam colocando seus habitantes em perigo. Com fronteiras fortes e seguras, o Rebe declarou, não haveria necessidade para a guerra. Citando o versículo sobre a Terra de Israel, “Vocês são parafusados com ferro e bronze,” o Rebe disse que:
“Se a porta está bem fechada e trancada, não há necessidade de guerra. Obviamente, trincos e fechaduras não vão à batalha. E assim, isto é para a vantagem daqueles que se opõem a nós. Pois se não há necessidade de guerra, ninguém é morto ou ferido nem no lado oposto.”4
E então, numa maneira mais mística, o Rebe invocou o anjo guardião do Egito, dizendo: “Ele também tem uma opinião, Se explicarmos a ele que isso não é bom também nem para eles, aquilo poderia ter um efeito.”
O Rebe era o crítico mais enfático dos compromissos de Israel, e também um humanitário apaixonado. Em todos os anos em que estive nos farbrenguens do Rebe, nunca ouvi o Rebe falar sobre morte ao inimigo. Isso não era algo que você poderia começar a imaginar. Nem eu poderia imaginar o Rebe dizendo “o oposto de uma bênção” sobre nenhuma pessoa, até o ditador mais nefasto (outros que ‘possam seus nomes serem apagados” sobre Hitler e seus seguidores ). Naquela mesma palestra que deu a resposta à sua pergunta sobre prece, o Rebe mencionou isso, também.
Deveríamos falar somente coisas boas e desejáveis sobre o povo judeu. D'us nos proíba de dizer algo negativo sobre um judeu nem sobre nenhum ser humano. Pois com palavras negativas, o oposto de bênção é trazido ao mundo, D'us não o permita. E agora mesmo estamos numa situação onde devemos inundar o mundo inteiro com bênçãos de bem revelado, visível.
Era assim que o Rebe entendia a missão do povo judeu, nossos objetivos neste mundo, ser uma luz entre as nações. Que eles poderiam fazer sua parte em construir um mundo estável, pacífico e harmonioso, um mundo onde a luz de um grande mestre que chamamos Mashiach pudesse brilhar, e “todas as nações do mundo irão servir D'us como um.” Conforme o Rebe escreveu em uma das suas últimas correspondências políticas, em 1991 para Sr. Ardadiusz Rybicki, Presidente do Conselho para Relações Judaicas Polonesas.
Nossos sábios do Talmud explicam por que a criação do homem diferiu da criação das outras espécies vivas e por que, entre outras coisas, o homem foi criado como um único indivíduo, ao contrário de outras criaturas criadas em pares. Uma das razões – nossos sábios declaram – é que foi o desígnio de D'us que a raça humana, todos os seres humanos em toda parte e em todos os tempos, deveriam saber que cada um e todos descendiam do único e do mesmo progenitor, um ser humano criado à imagem de D'us, para que nenhum ser humano pudesse alegar origem ancestral superior, portanto também achasse mais fácil cultivar um verdadeiro sentimento de reinado em todos os relacionamentos humanos.
Sim, é conflitante ser um judeu. Não estamos aqui para guerrear e matar. Mas D'us nos colocou num mundo – ou talvez, nós fizemos de Seu mundo um lugar assim – em que às vezes uma vida pode ser tirada para salvar outra. Ou até muitas vidas. É estranho, mas há algo de profunda beleza numa alma grande o suficiente para passar por ambos os lados de um mundo tão conflitante. Somente o pacifismo pode ficar tão feio como seu opositor, mas saber a estação para cada coisa e lidar um com o outro é o que traz grande sabedoria.
Talvez esta seja a sabedoria que a Torá exige de nós. Talvez seja por que Ele enviou nossas almas a um mundo de tanto conflito, para que possamos também nos tornar aquela profunda beleza, e somente então podemos transformar o conflito em harmonia. Que é o verdadeiro significado da paz.
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