A Mishná, compilada há cerca de 1.800 anos, relembra o grande evento de casamento que iria ocorrer duas vezes por ano:
Raban Shimon ben Gamliel disse: “Não houve dias tão alegres para o povo judeu como o Quinze de Av e como Yom Kipur, quando as filhas de Jerusalém saíam... e dançavam nos vinhedos.
E o que ela diziam? Meu jovem, por favor levante seus olhos e considere qual você escolhe para si como esposa. Não coloque seus olhos na beleza, mas sim numa boa família, como declara o versiculo1: “A graça é enganadora e a beleza é vã; somente uma mulher que teme a D'us, ela deve ser elogiada.”2
Mostramos uma doce cena de donzelas dançando nos vinhedos, mas no fundo, isso era um assunto ultra-sério de casamento. As jovens de Jerusalém tinham suas prioridades bem definidas, e chamavam os jovens para focar naquilo que é realmente importante. Para essa finalidade, elas citavam o versículo declarando beleza como sendo nada alem de vaidade, e louvando piedade como a verdadeira virtude.
Mas aqui isso se torna confuso. Se temor a D'us é a única coisa realmente louvável, por que elas chamam os homens jovens para que “coloquem seus olhos na direção de uma boa família?” Certamente, a família da mulher não é o que importa, mas sua própria espiritualidade pessoal. Se piedade é a verdadeira medida, por que elas não pedem aos homens para focar apenas na piedade?
Também é impossível imaginar que todas as dançarinas eram de famílias distintas. Certamente, a maioria das jovens não iriam se beneficiar por fazer da sua linhagem a base para a seleção, pois isso iria apenas favorecer aquelas de classes sociais da elite. Por que, então, a Mishná declara que este era o refrão de todas aquelas que participavam nesta dança matrimonial?
O Talmud cita uma Beraita (uma passagem do mesmo período da Mishná, mas não inclusa no texto Mishnaico) que oferece detalhe adicional:
Os Sábios ensinaram: O que iriam dizer as belas mulheres entre elas? Coloque seus olhos para a beleza, pois uma esposa é apenas a sua beleza. O que iriam dizer aquelas de linhagem distinta entre elas? Coloque seus olhos rumo à família, pois uma esposa é apenas para ter filhos. O que diriam as não atraentes entre elas? Adquira sua escolhida pelo bem do Céu...”
Se essa passagem era para acrescentar clareza, parece acrescentar apenas mais confusão. Se “Graça é desanimadora e a beleza é vã,” como a Mishná ressalta sobre as moças declarando, por que as mulheres atraentes iriam promover a aparência como sua maior virtude? Elas não deveriam se apegar ao que é realmente importante? Certamente esse deveria ser o motivo para todos os casamentos!?
O Rebe sugere que a única maneira de entender essa história é através de uma interpretação radical da palavra “família”. Aqueles eventos para a formação dos pares para casamento podem ter sido divertidos, mas primeiro e antes de tudo eles eram uma ocasião sagrada. O homem e a mulher, jovens como poderiam ter sido, estavam sendo chamados para corresponder aos mais elevados ideais espirituais de casamento do Judaísmo.
Todas as “filhas de Jerusalém” acreditavam que nobreza de espírito e devoção eram a medida de uma pessoa. Elas também declaravam que cada uma delas possuía tais qualidades por virtude delas sendo da “família” de israelitas, descendentes de nossos sagrados antepassados. Por “família”, aquelas donzelas se referiam as famílias decentes e repletas de valores nas quais elas foram criadas. Mais amplamente, porém, elas se referiam a todo o povo judeu do qual elas eram uma parte, e cujos valores elas mantinham.3
Na verdade, não havia contradição entre mostrar o “temor de D'us” e declarar seu orgulho em sua “família.” Na essência, elas são uma e a mesma. Algumas das mulheres jovens teriam incorporado mais notavelmente essas virtudes – aquelas eram as “belas”, cujas qualidades nobres eram mais pronunciadas. Mas havia também aquelas que por fora não eram ainda a personificação dos valores que elas alegavam como seus – aquelas eram as “não atrativas.”
Mas elas todas vieram da mesma “família,” todas com potencial igual para brotar numa altamente louvável “mulher que teme o Senhor”. Era meramente que aquelas virtudes ainda tinham de ser reveladas. Todas as nobres qualidades estavam presentes apenas por baixo da superfície, esperando entrar em plena floração. Seus corações eram bondosos e suas almas puras; se ao menos alguém pudesse enxergar no que elas poderiam se tornar!
Assim, diz o Rebe, as palavras mais importantes nessa história são as mais deixadas de lado: “Homem jovem, por favor erga seus olhos.” As mulheres jovens estavam dizendo: “Se você não vê a beleza em mim, é porque há algo de errado em sua visão.” Se você apenas elevasse o seu olhar, iria notar o verdadeiro valor de cada uma de nós.
Yesha’yáhu nos chamava para “Erga seus olhos para o céu.”4 Se apenas pudéssemos olhar corretamente, veríamos a real beleza de toda pessoa. Nossos olhos nos ajudam a ver, mas eles também nos condenam à cegueira – eles nos permitem ver apenas um grau muito superficial. Incapazes de perceber por baixo da superfície, nós julgamos mal e interpretamos mal.
O Talmud 5 conta uma história sobre um jovem que rejeitou uma moça pobre que ele não achou atraente. O notável sábio Rabi Yishmael a levou para sua casa e tomou cuidados apropriados dela. Mais tarde ele convidou o jovem para a sua casa. Ao avistar a jovem, ele a achou linda. O rabino então disse ao rapaz: “Você sabe que esta é a mesma mulher que você jurou que jamais iria se casar!”
A história conclui assim: “Então Rabi Yishmael chorou e disse: “As filhas de Israel são lindas; é somente a pobreza que as torna feias!”
Essa moça era bela o tempo todo, mas o rapaz não podia ver isso. Eis por que Rabi Yishmael chorou, porque quão triste e trágico é que tantas pessoas sejam mal julgadas devido à superficialidade dos outros. É por isso que “as filhas de Jerusalém” dançavam nos vinhedos e chamavam aqueles que seriam seus pares adequados cantando os versos “ergam seus olhos”, para aprender como ver as coisas claramente, para que eles reconhecessem a beleza e o potencial interior.
A lição é clara: Em todo relacionamento, podemos ser rápidos demais para julgar as pessoas, porque elas parecem “feias” para nós. Com frequência, damos um breve olhar, e se não gostamos do que vemos, rapidamente rejeitamos. E ainda assim, por baixo da superfície está um potencial interminável, se ao menos tivéssemos a paciência de procurar e absorver isso.
Há tanta bondade e santidade nas pessoas; é nosso dever revelar isso. Estamos olhando adequadamente? Aquilo que vemos tem muito a ver com aquilo que estamos buscando. Resta somente saber: Nossos olhos estão olhando para o céu, ou estamos olhando para a sarjeta?
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