Ao pronunciar as primeiras seis palavras do Shemá, é um costume judaico universal cobrir os olhos com a mão direita. Por quê? A resposta simples é que isso permite que a pessoa se concentre adequadamente sem distrações visuais.1
É crucial ter a intenção adequada ao recitar o primeiro verso do Shemá, ainda mais do que durante outras partes da prece. Ao falarmos as palavras, focamos não apenas em seu significado, mas também em aceitar o jugo do céu. Nós nos concentramos na ideia de que D'us é a única realidade verdadeira. Esta intenção é tão importante que quem recita as palavras deste versículo, mas não pensa sobre o seu significado, precisa recitá-lo novamente.2
O costume de cobrir os olhos remonta aos tempos da Mishná, quando o Rabino Yehuda HaNasi (o Príncipe Yehuda) cobria os olhos enquanto recitava o primeiro versículo do Shema.3
Direção dos Olhos
Alguns comentaristas antigos, entretanto, explicam que Rabi Yehuda HaNasi cobria os olhos enquanto recitava o Shemá porque alguns tinham o costume de olhar em todas as direções para aceitar a soberania divina em todo o mundo. Rabi Yehuda cobriu seus olhos, pois desejava ocultar os movimentos precisos dos olhos enquanto recitava o Shemá.4
O Segredo da Donzela Cega
Os cabalistas, principalmente o Rabino Yitzchak Luria, conhecido como Arizal, explicam que se deve usar a mão direita para cobrir 5 os olhos enquanto recita-se o primeiro versículo do Shema.
O Arizal explica que isso está conectado a um fato muito enigmático encontrado no Zohar. O Zohar relata que “um homem velho” (saba), aparentemente um condutor de burro, encontrou Rabi Yossi em suas viagens e fez várias perguntas a ele, mas Rabi Yossi falhou em avaliar seu verdadeiro significado. No entanto, seu colega, o rabino Chiya, sentiu que havia mais nas perguntas do que os olhos eram capazes de enxergar e, depois de sondar o assunto, perceberam que o velho estava de fato ensinando-lhes alguns dos segredos místicos mais profundos.
Em todo o Talmud, os cegos são chamados de sagi nahor - "luz suficiente" ou "muita luz". Isso ocorre porque a visão física, que olha para o mundo mundano e materialista, muitas vezes contradiz e enfraquece a visão espiritual "interior".O "enigma" que ele teve mais dificuldade em entender foi o seguinte: Quem é a bela donzela sem olhos, cujo corpo está oculto e revelado, que sai pela manhã e desaparece durante o dia, que se adorna com ornamentos que nunca existiram?
Há muita discussão sobre o significado deste "enigma6, mas para simplificar a explicação do Arizal no que se refere à leitura do Shemá, "a donzela" se refere ao atributo divino de Malchut ("realeza"), que às vezes é referido como Shechiná (o aspecto feminino de D’us). Nesse contexto, também é conhecido como "Rachel".
Existem quatro mundos espirituais dentro da formulação cabalística do cosmos, o mundo de Atzilut (“Emanação”) sendo o mais alto dos quatro. Neste reino, nada tem forma física ou cor, e a visão é inexistente.
Quando recitamos o Shemá, estamos elevando o Mayin Nukvin ("Águas Femininas") ao mundo de Atzilut, preparando o cenário para a unificação do feminino e do masculino, ou a unificação da alma e da Shechiná. Uma vez que os Mayin Nukvin estão entrando em Atzilut, um mundo que é mais alto do que a visão, é preciso fechar os olhos durante a primeira linha do Shemá.
A razão de usarmos especificamente a mão direita (mesmo se a pessoa for canhota), que simboliza o atributo de chessed (bondade), bem como o Mayin Dechurin ("águas masculinas"), também está ligada a este costume.
Os Cegos Estão Repletos de Luz
Em todo o Talmud, os cegos são chamados de sagi nahor - "luz suficiente" ou "muita luz". Isso ocorre porque a visão física, que olha para o mundo mundano e materialista, muitas vezes contradiz e enfraquece a visão espiritual "interior".
A ideia da unidade de D'us, isto é, que D'us é a única realidade verdadeira, muitas vezes parece contraditória aos nossos sentidos físicos. Nós vemos, cheiramos, provamos e sentimos o mundo ao nosso redor, enquanto a divindade é uma realidade abstrata e espiritual.
Portanto, quando pronunciamos o Shemá e proclamamos a unidade de D'us, estamos afirmando que a verdadeira realidade não é nem o que nossos olhos vêem nem o que experimentamos natural e intuitivamente. Ao cobrir nossos olhos, estamos indicando nosso desejo de nos desconectar do físico e nos conectar com o espiritual.7
A Shechiná Repousa Sobre a Face
Quando recitamos o Shemá e aceitamos o jugo do céu, a Shechiná, a Presença Divina, repousa sobre nossa face. Em respeito à Presença Divina, cobrimos nossos rostos, como D'us disse a Moshê: “E acontecerá que, quando minha glória passar, Eu te colocarei na fenda da rocha e te cobrirei com Minha mão até Eu ter passado.”8, 9
Julgamento e Misericórdia
No primeiro versículo do Shemá, proclamamos que “o Senhor é nosso D'us; o Senhor é um.”10 Com esta declaração, estamos afirmando nossa crença de que tanto o atributo de força e julgamento de D'us quanto o atributo de misericórdia Divino são realmente um. Assim, cobrimos nossos olhos, simbolizando que o que podemos perceber com nossos olhos físicos como negativo é, na verdade, positivo.11
Claro, esperamos o dia em que veremos essa realidade positiva com nossos olhos físicos também. Que seja rapidamente em nossos dias!
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