Quando pela primeira vez fui a Nova York vindo de Montreal para estudar na yeshivá Torá Vodaas no Brooklyn fiquei impressionado com a atmosfera chassídica do bairro e comecei a visitar os escritórios de vários rabinos. Eu era uma criança curiosa, tinha acabado de celebrar meu Bar Mitsvá, e essas visitas na verdade não tiveram um efeito sobre mim até encontrar o Rebe. Eu conseguia expressar com meus olhos de adolescente que este Rebe era diferente. Eu não podia realmente dizer o que era, mas sabia que ele era extraordinário.
Quando eu o via na rua, ele não caminhava com uma bengala prateada ou com acompanhantes ao redor; ele caminhava sozinho com as mãos nos bolsos do casaco como se fosse um simples judeu. Eu não sabia muito naquela idade, era apenas um jovem, mas percebia isso. E após ouvi-lo falar nos farbrenguens – durante horas e horas – eu entendi que este homem era sagrado; um verdadeiro tsadic, Sábio, justo.
Como resultado, fui atraído para Lubavitch e, em 1959, me transferi para uma yeshivá Chabad.
Mas enquanto ainda eu era um estudante de Yeshivá, juntei-me a um grupo de alunos numa sinagoga próxima para uma aula sobre ensinamentos chassídicos. O chassid que iria nos ensinar também encorajava os alunos a fazer uma recitação diária do Chitas, que é um acrônimo para Chumash (Os Cinco Livros de Moshê), Tehilim {Salmos), e Tanya, {a obra magna do Alter Rebe, o fundador do Movimento Chabad no Século 18). É um costume Chabad estudar passagens do Chitas todos os dias.
Então, eu não tinha problemas com o Chumash, pois já tinha estudado antes, e Tehilim era fácil de ler. Mas o Tanya era algo novo para mim, eu achava difícil entender, e falhava nisso.
Eu sabia que o Rebe encorajava essa prática, mas perguntava a mim mesmo: “Quando o Rebe diz para recitar Chitas, ele realmente fala para mim? Eu não deveria primeiro aprender mais e começar a estudar o Tanya quando puder entendê-lo melhor?”
Escrevi ao Rebe sobre tudo isso, e em resposta, recebi uma longa carta em iídiche, datada no dia 6 do mês hebraico de Elul, 5717, ou 2 de setembro de 1957:
“Certamente, você sabe que há o elemento revelado da Torá e o elemento oculto da Torá, que é também chamado de a dimensão interior da Torá,” começou o Rebe.
“Nas palavras do Zohar, eles são chamados o corpo da Torá e a alma da Torá…”
Isso, o Rebe escreveu, é semelhante à formação de toda pessoa, que tem um corpo e uma alma e, mesmo dentro da alma, há um elemento revelado e um elemento oculto. Podemos ver seu efeito explicitamente das ideias que nos movem muito profundamente – os conceitos nos quais mergulhamos com forte entusiasmo – e aqueles que iríamos preferir deixar de lado.
O Rebe continuou:
“Como desejamos as bênçãos de D'us em todas as nossas questões pessoais diárias, e para receber suas bênçãos, a Torá declara (que D'us lhe prometeu) ‘se você seguir Meus estatutos,’ que, Rashi explica, refere-se ao estudo de Torá… Assim, devemos aprender um mínimo tanto do elemento revelado da Tora, bem como do seu elemento oculto: a dimensão interior da Torá…”
Ele então chegou ao ponto fundamental da questão:
“O elemento revelado da Torá é o Chumash, e o elemento oculto – este é o Tanya.”
O Rebe explicou que eu não deveria ser desencorajado se não pudesse entender plenamente todo o conteúdo e ensinamentos do Tanya, porque é óbvio que assim como uma criança, que é um iniciante, estuda Chumash diferentemente da maneira que um grande erudito estuda… O mesmo se aplica ao Tanya… Mas ele também me admoestou. Disse que eu deveria ter começado a aprender Chitas apesar das minhas perguntas:
“O principal que todo aluno de yeshivá precisa saber é que ele deve aprender diligentemente e com persistência, e… mesmo se algo não fique totalmente claro para ele, ainda deve seguir e, com o tempo, se ele se aplicar, aquilo que ele não entende será assimilado.”
Aquela carta teve um grande impacto sobre mim. A partir de então, fiz questão de recitar Chitas todo dia, incluindo o Tanya. Assim como a prática de Chitas era tão importante para o Rebe, chegou-me um pouco mais tarde por um incidente que ocorreu em meu dormitório na Yeshivá Vodaas Torá.
No outro lado da sala de estudos ficava um garoto que costumava frequentar a escola Chabad em Montreal. Era um estudante muito diligente, mas sua mãe queria que ele deixasse a Vodaas Chabad e fosse para o colégio, embora o rapaz quisesse continuar estudando Torá. Como o próprio Rebe tinha ido à universidade, ela acreditava que ele seria seu aliado nessa questão, portanto ela marcou uma audiência privada para a família.
Depois que ela explicou o dilema, o Rebe respondeu:
“Não compreendo. Você está me dizendo que seu filho está tendo sucesso nos estudos na yeshivá, porém em vez disso você quer mandá-lo para o colégio. Como posso concordar com isso?”
O Rebe prosseguiu para testar o rapaz em vários tópicos de Torá e, como resultado daquela audiência, o rapaz permaneceu na yeshivá.
Então, certa noite o telefone na entrada do dormitório tocou. Eu sabia que ninguém estava tentando falar comigo, portanto ignorei. Mas no decorrer de vinte minutos, continuou tocando. Isso me deixou nervoso, e finamente atendi. Quem estava no outro lado? Rabino Hodakov, o secretário do Rebe, e ele queria falar com meu amigo. O rapaz não acreditou nisso – como o secretário do Rebe poderia estar chamando-o? “Você está louco!”, ele disse.
Mas eu o convenci de que era verdade.
Finalmente, ele atendeu o telefone e quando desligou, contou-me a impressionante mensagem que tinha acabado de receber:
Rabino Hodakov tinha dito que o Rebe iria mencionar seu nome quando ele fosse rezar no túmulo do Rebe Anterior, o Ohel, no dia seguinte. Mas o Rebe iria fazer isso com uma condição: que ele começasse a recitar Chitas todos os dias.
Ele faria isso? Sim ou não?
É claro que ele respondeu sim. Isso é o quanto o Rebe se importava com o Chitas, claramente declarando que recitar Chitas tem um efeito profundo sobre todos que se aplicam nisso.
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