Newsletter CONIB
24 de Novembro de 2020
Aos 88 anos, Margot Bina Rotstein acha importante dialogar com os jovens para que o horror que presenciou jamais se repita. Nascida em Berlim, Rotstein fugiu da Alemanha com os pais aos seis anos de idade após a família ter sobrevivido à Kristallnacht (Noite dos Cristais Quebrados), como ficou conhecido o pogrom nazista que atacou e matou judeus, incendiou sinagogas, saqueou e destruiu lojas da comunidade judaica na noite de 9 para 10 de novembro de 1938.
Após ser barrada pelo governo de Getúlio Vargas em 1939, a família de Rotstein mudou-se para o Brasil em 1947, oito anos depois de ter chegado à América do Sul e se instalado na Bolívia.
Naturalizada brasileira, Rotstein se casou e teve filhos em São Paulo, onde mora.
Apesar da dor, ela não se importa de falar sobre o passado. A última vez que relembrou suas vivências na Alemanha nazista foi num evento virtual para alunos do Colégio Humboldt, há poucos dias. Muitos estudantes perguntaram se Rotstein tinha medo de que algo como a perseguição a judeus, portadores de deficiências, ciganos, homossexuais, comunistas, artistas e escritores que se opunham ao regime nazista se repetisse na atualidade.
Em entrevista à Deutsche Welle Brasil, ela afirmou: "Meu apelo, principalmente aos jovens, é que as futuras gerações se comprometam para que essa página jamais seja esquecida e que ela nunca mais se repita contra qualquer povo, raça, religião, gênero, ou deficiência. Enfim, contra qualquer ser na face da Terra".
DW: Mais de 80 anos depois da "Noite dos Cristais", as lembranças que a senhora tem daquele episódio seguem vívas?
Margot Bina Rotstein: Sim. Hitler subiu ao poder em 1933, ano depois do meu nascimento. Quando ele chegou ao poder, já começaram as ondas de antissemitismo que, aos poucos, foram se acentuando. No Kindergarten que eu estudava já tinha bullying, o antissemitismo por parte dos pais que foi transmitido para as crianças.
Os judeus já sabiam que alguma coisa iria acontecer porque Hitler estava no poder, mas nem pensaram que seriam tantas coisas trágicas. Muitas famílias já se programavam para deixar o país, outras nem pensavam nisso, como os meus pais. Nós éramos uma família de classe média morando muito bem, em Berlim. Meu pai tinha uma loja de roupas e meus pais decidiram que só teriam um filho porque não sabiam o que iria acontecer.
"A Noite dos Cristais (de 9 para 10 de novembro de 1938) foi muito triste, muito trágica. A gente viu da janela do nosso apartamento as labaredas, os estrondos. Quebraram muitas sinagogas, colégios judaicos, lojas de judeus, queimaram livros religiosos, sagrados. Aquilo foi uma tristeza só".
Mesmo criança, a senhora já sentia esse antissemitismo crescente em Berlim?
Um pouco antes da Noite dos Cristais, aconteceu algo. Eu me lembro que estava indo para a escola com meu pai, ele segurava na minha mão, e chegamos lá e tinha uma placa escrita "Juden verboten" (Proibido judeus).
"Eu tinha seis anos. Sabe que, com 10, 12 anos, eu não me lembro de tantas coisas que aconteceram, não tão nitidamente. Mas tudo isso na Alemanha ficou tão gravado, uma coisa tão trágica, que ficou marcada na memória. Falando com você eu consigo ver as cenas".
Por quanto tempo vocês conseguiram se esconder na Alemanha?
Meu pai era polonês. Os nazistas determinavam um dia para perseguir cada nacionalidade: poloneses, austríacos, apátridas, cada dia da semana era uma.
Minha mãe tinha uma amiga mais velha que chegou uma noite para ela e disse: 'Elza, manda embora o seu marido porque o meu marido já foi (levado)". Imagine que ela perdeu o marido e ainda tentou salvar o marido da amiga!
Meu pai foi se vestindo às pressas, não conseguiu fazer nada direito, e minha mãe dizia para ele ir embora. Ele desceu, e na entrada do prédio ele cruzou com a Gestapo (polícia secreta nazista). Mas a Gestapo não sabia como o meu pai era, só tinha o nome dele.
Os agentes subiram no apartamento e perguntaram para minha mãe onde estava meu pai. Minha mãe disse: "Olha, eu não sei. Tem noites inteiras que ele não aparece em casa, não sei o que está acontecendo. Eles foram embora e não fizeram nada com a gente.
Meu pai se escondeu na casa da minha tia, irmã da minha mãe, que era apátrida. No dia seguinte, a Gestapo voltou em casa, revirou tudo: armários, malas, colchão, tudo o que você pode imaginar. Eles foram embora e disseram que voltariam.
Enquanto isso, meu pai conseguiu um visto com a ajuda da Joint (instituição de assistência judaica). Os nazistas nos tiraram o dinheiro, e a Joint ajudava os judeus a fugirem.
Era 1939, logo depois da Noite dos Cristais. Eu me lembro que chegamos à estação de trem, e pegaram toda a nossa bagagem. Eu tinha uma bonequinha, eu me lembro perfeitamente. Ficou tudo preso, não podíamos levar absolutamente nada. Embarcamos com a roupa do corpo e com os trocados que meu pai tinha.
Fomos para Marselha, na França, onde um navio chamado Columbus iria nos levar para algum destino, nem sabíamos para onde. No meio da viagem, a Gestapo parou o trem e mandou todos os homens descerem. As mulheres e crianças ficaram dentro do trem.
Depois de certo tempo, a Gestapo mandou o trem seguir viagem sem os homens. Mas uns soldados franceses conseguiram jogar alguns desses homens de volta ao trem. E nessa, meu pai foi salvo, e nós seguimos juntos para Marselha. Imagine que muitas mulheres foram no trem com as crianças, sozinhas. Foi um drama total, muito choro".
O navio seguiu para o Brasil, mas o governo de Getúlio Vargas proibiu a nossa entrada. Então fomos para a Bolívia, pois meu pai também tinha um visto. Fomos de trem, pelo Chile, numa viagem muito longa. A Bolívia foi o único país que nos deixou entrar. O Paraguai também havia fechado as portas, como o Brasil.
Clique aqui para comentar este artigo