Não havia uma festa maior para Israel que o 15 de Av e Yom Kipur. Nestes dias, as filhas de Jerusalém saíam… para dançar nos vinhedos. E o que elas diziam? "Jovem, levante os olhos e veja o que escolhe para si mesmo…"
E assim está escrito: "Saiam, filhas de Tsion, e vejam o Rei Shlomô,1 na coroa com a qual sua mãe o coroou no dia de seu casamento e no dia do júbilo de seu coração" (Cântico dos Cânticos 3:11). "Dia do seu casamento" – este é o dia da Outorga da Torá; "O dia do júbilo do seu coração" – este é o dia da construção do Templo Sagrado, que será reconstruído brevemente em nossos dias.
Talmud, Taanit 26b.
Não é coincidência que Yom Kipur e o 15 de Av sirvam como ocasiões para formar os pares de rapazes e moças de Jerusalém; estes dois dias são as respectivas datas de noivado e casamento2 entre D'us e Israel.
Yom Kipur – o dia no qual as Segundas Tábuas foram dadas a Moshê, marcando o cumprimento do pacto no Monte Sinai – é o dia do noivado de Israel com D'us.
15 de Av – o dia que representa o renascimento que se segue à grande queda que foi a destruição do Templo Sagrado em 9 de Av – celebra a suprema consumação do nosso casamento com a suprema redenção de Mashiach.
Após relatar como "as filhas de Jerusalém saíam… e dançavam nos vinhedos" e "quem não tivesse uma esposa ia para lá" para encontrar uma noiva, o Talmud prossegue descrevendo três categorias diferentes de "filhas" e como cada qual chamava a atenção do noivo em perspectiva:
O que diziam as mais belas? "Procure a beleza, pois a mulher nasceu para ser bela."
O que diziam aquelas de linhagem prestigiosa? "Procurem pela família, pois a mulher é para ter filhos."
O que diziam as feias? "Escolha em nome do Céu, desde que você nos enfeite com joias" (Talmud, Taanit 31a).
O Rebe explica que o casamento entre D'us e Seu povo inclui também aquelas três categorias de "noivas": as almas de Israel incluem almas "belas", almas de "linhagem prestigiosa" e almas "feias"3, cada uma das quais contribui com sua dimensão única ao nosso relacionamento com D'us.
Amor
Há dois tipos de amor, dizem os mestres chassídicos.
Há um amor que é gerado pela mente e coração da própria pessoa, quando medita sobre a grandeza de uma pessoa (ou objeto, ou estado) e portanto desenvolve sentimentos de amor e atração para com ele/ela ou aquilo.
Existe também o amor inato: o amor que uma pessoa não criou ela mesma – na verdade, talvez esteja inconsciente de que o possui – mas que reside em seu coração desde que nasceu, um vínculo natural e uma atração a algo que está implantado em sua alma em virtude de quem e daquilo que é.
"Amarás a D'us" (Devarim 6:5) é um componente crucial de nosso relacionamento com o Todo Poderoso. Além do fato de que amar a D'us é uma mitsvá em si (Mandamento Divino), é também um pré-requisito para a correta observância de todas as mitsvot. Como explica Rabi Shneur Zalman de Liadi no Tanya, mitsvot que não sejam motivadas pelo amor a D'us são cumpridas mecanicamente; somente quem ama a D'us O serve de maneira integral e duradoura.
Nosso amor a D'us também vem nas duas formas acima descritas. Ao estudar aquilo que D'us nos revelou sobre Si mesmo em Sua Torá, e contemplando e meditando sobre estas verdades, a pessoa desenvolve um sentimento de amor para com Ele – um desejo de aproximar-se do Seu Ser grandioso e magnífico, de se unir e tornar-se um com Ele. De fato, esta é uma das funções básicas da prece, "o serviço do coração" – gerar um sentimento de amor pelo Criador meditando em Sua grandeza e majestade.
Mas também a pessoa que não consegue criar um amor "auto-gerado" por estes meios pode atingir o amor a D'us recorrendo ao amor inato por Ele que todos possuímos como "um legado dos nossos ancestrais".
Avraham o primeiro judeu, foi a própria personificação do amor Divino (Avraham que Me ama", nas palavras de D'us a Yeshayáhu), e D'us o recompensou com o dom da "paternidade", a capacidade de transmitir seu amor aos seus descendentes. Portanto, todo e cada judeu tem o amor de Avraham a D'us codificado em seus genes espirituais. Como ocorre com todas as características inatas, este amor pode estar enterrado no subconsciente, abafado pelas impurezas da vida material, mas sempre pode ser despertado e convocado a estimular e vitalizar nosso cumprimento das mitsvot.
As vantagens do segundo tipo de amor são óbvias. Todo judeu o possui – e a capacidade de concretizá-lo – independentemente do alcance de seus talentos cognitivos e meditativos, ou de sua sensibilidade espiritual. Além disso, um amor auto-gerado será sempre limitado pelas capacidades finitas da mente e do coração que o criaram, e flutuará de acordo com o estado emocional e mental da pessoa a qualquer momento. Nosso amor inato, sendo Divinamente concedido, é infinito e inequívoco.
Porém há também vantagens no segundo tipo de amor. Embora menor em essência e escopo, é sentido com mais pureza, vivido com mais exuberância. Pois assim é a nossa natureza: aquilo que nós criamos nos é mais precioso que o dote mais valioso, aquilo que concebemos por nós mesmos de certa forma é mais relevante e real do que aquilo aprendido com o maior dos mestres. Portanto, embora a estimulação de nosso amor a D'us herdado baste para nos levar ao cumprimento das mitsvot, mesmo assim devemos nos esforçar para ampliar nosso relacionamento com Ele, com o êxtase e a paixão que somente um amor criado por nossas próprias faculdades e iniciativa pode trazer. Nas palavras dos nossos Sábios, "Embora um fogo desça dos céus [sobre o Altar], é imperativo acender também um fogo feito pelo homem."
A noiva de pele pálida
Eis aqui o profundo significado da descrição do Talmud de como "as belas", "aquelas de linhagem prestigiosa" e "as feias" dentre as filhas de Jerusalém conduziam sua dança nos vinhedos em 15 de Av.
As donzelas dançantes de Jerusalém proclamando suas virtudes aos noivos em perspectiva ecoam o chamado das almas de Israel ao seu Divino Noivo. Dentre essas há almas belas, aquelas que atingiram a maior perfeição dos dois mundos em seu amor ao Todo Poderoso: um amor apaixonado, gerado sobre o alicerce imutável do amor herdado. "Uma mulher é para ser bela" chama estas almas a D'us; aceita-nos como Tua noiva, e serás recompensado com o prazer que sentes quando Tuas criações concretizam o potencial para a perfeição que Tu investiste nelas.
Em seguida vêm as almas de "linhagem prestigiosa". Não podemos oferecer-Te a beleza impecável de nossas irmãs perfeitas – elas clamam a D'us – mas desenterramos o amor hereditário que Tu implantaste dentro de nós. "Uma mulher é para ter filhos": nosso relacionamento talvez não produza beleza, mas dará frutos – as mitsvot geradas pelo nosso amor natural por Ti. (Nas palavras do Midrash Pesikta Zutrati sobre Bereshit 6:9: "Os filhos dos justos são as boas ações.") Pois não é o Teu supremo propósito na criação que tuas criações cumpram a Tua vontade? Nosso amor por Ti talvez não estimule nossos sentidos e ilumine a nossa vida, mas Te oferecemos as recompensas da família – as boas ações que são os filhos concretos e duradouros do compromisso de Israel ao seu Criador.
E as feias? Aquelas que não levaram a mente e o coração a desejar seu Criador, nem despertaram sua lealdade hereditária a Ele? Aquelas que jamais geraram um amor auto-criado e cujo amor inato jaz adormecido sob uma esquálida camada de apatia e iniquidade? Elas gritam: "Faça Tua aquisição em nome do Céu!", "Faça por Ti, se não por nós4" – clamam as almas "feias" de Israel. Aceita-nos como Tuas, apesar da nossa aparência, porque somente Tu sabes o que está por trás da nossa aparência, e somente Tu conheces a verdade daquilo que podes inspirar em nós. Pois Tu sabes que, na verdade. "As filhas de Israel são belas, é apenas a pobreza que obscurece sua beleza."5 Tu sabes que a nossa "feiúra" não é nossa verdadeira essência, mas foi imposta sobre nós pela pobreza espiritual da galut. Se deixamos de concretizar o nosso potencial de beleza e fecundidade, então cabe a Ti nos "adornar com joias" – cobrir-nos com os dons que despertarão nosso vínculo quintessencial a Ti e trará à luz a nossa perfeição inata.
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