3 de Setembro de 2019 - ANO X Nº 187
"Passei a vida me perguntando por que sobrevivi ao Holocausto", diz Thomas, preso pelos nazistas aos 7 anos
Thomas Venetianer aponta para alguns dos vários quadros de motivos florais que preenchem as paredes da sala de estar de seu apartamento e diz, um pouco encabulado: "Fui eu quem fiz". As habilidades pictóricas do engenheiro nascido na antiga Checoslováquia, entretanto, remetem a outras memórias.
Durante a primeira infância, na cidade de Kosice, atual Eslováquia, os pais trabalhavam fora e a babá incentivava a vocação do garoto judeu para o desenho. Mas foi aos sete anos, quando esteve preso por cinco meses no campo de concentração nazista de Terezín, atual República Checa, que o menino aprimorou as técnicas de pintura. Os quadros na parede o levam, assim, para estes dois ambientes: o aconchego do lar e o terror arquitetado pelo nazismo.
A história de Tom, como gosta de ser chamado pelos amigos, é marcada pela dualidade dos tenebrosos primeiros anos e uma vida adulta luminosa no Brasil, onde chegou com os pais em 1948. Vítimas do Holocausto, os três sobreviveram aos campos de concentração onde estiveram enclausurados entre 1944 e 1945, durante a Segunda Guerra Mundial, cujo início se deu há exatos 80 anos, nos primeiros dias de setembro de 1939, quando a Alemanha nazista invadiu a Polônia. Pelo menos 19 parentes próximos de Tom, entre tios, tias e primos, foram exterminados pelo regime nazista, assim como outros 6 milhões de judeus europeus. Aos 81 anos, Tom é engenheiro aposentado, e vive há 40 anos com a esposa, a também sobrevivente húngara Suzana. Ele recebeu a reportagem da National Geographic Brasil no apartamento em que reside na cidade de São Paulo para contar, em uma tarde de agosto, com memória prodigiosa, o que viu nos piores anos de sua vida e como seguiu em frente.
O pai de Tom era químico farmacêutico e a mãe contadora em um banco. A família era de classe média alta, o que permitia que Tom ficasse sob os cuidados de uma babá - a primeira a notar as habilidades pictóricas do menino.
A sobrevivência da família Venetianer deveu-se a algumas doses de, pode-se dizer, sorte. A primeira é que a cidade natal deles, Kosice, hoje parte da Eslováquia, foi anexada ao território húngaro em 1938.
A Hungria lutou junto do Eixo, composto por Alemanha, Itália e Japão. Isso evitou que judeus húngaros fossem deportados para campos de concentração até 1944, quando Adolf Hitler decidiu invadir o território húngaro depois de descobrir que o país negociava um armistício com os inimigos. Foi então que os horrores do nazismo tomaram sua forma mais perversa para Tom.
Localizado ao norte de Praga, Terezín, em alemão chamado de Theresienstadt, foi originalmente um resort reservado à nobreza checa no século 18. Em 1940, o governo alemão designou a Gestapo, polícia secreta nazista, para transformar o local em gueto e campo de concentração a fim de abrigar, principalmente, judeus da então Checoslováquia. Mais de 160 mil pessoas foram enviadas para lá, entre eles Thomas Venetianer e a mãe, Elizabeth. Dessas, 35 mil morreram no campo, 90 mil foram redirecionadas para campos de extermínio e cerca de 4,8 mil sobreviveram. Estima-se que pouco mais de 12 mil crianças tenham nascido ou sido levadas para Terezín, das quais 325 sobreviveram ao Holocausto.
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