Durante nove dias a partir de agora as comunidades judaicas no mundo inteiro vão se sentar um luto coletivo em Tish b’Av, o dia das lágrimas judaicas. Tantas lágrimas. Pela destruição do Primeiro e do Segundo Templos. Pela derrota na rebelião de Bat Kochba. Pela expulsão dos judeus da Inglaterra em 1290 e da Espanha em 1492. Pelo dia no qual Himmler recebeu permissão para Die Endlösung, “A Solução Final”, ou seja, o extermínio dos judeus da Europa.

Porém tendo nascido na geração após o Holocausto, cuja identidade foi moldada após a Guerra dos Seis Dias, eu acreditava que Tisha B’Av e sua sensibilidade pertenciam ao mundo dos meus pais e dos pais deles. Não era nosso. Eles eram há-zorim be-dim’a e nós éramos be-riná yiktzoru. Eles tinham semeado lágrimas para que pudéssemos colher em alegria.

Isso tem tornado as três últimas semanas muito difíceis para os judeus em todo o mundo, mas acima de tudo para Am Yisrael be-Medinat Yisrael. O resultado foi um ataque continuado de um tipo que nenhum país no mundo jamais teve de enfrentar: pior que a Blitz na Segunda Guerra Mundial. (No auge da Blitz, em média eram lançados 100 mísseis alemães contra a Inglaterra todo dia. Durante o conflito atual, em média o Hamas tem atirado 130 mísseis por dia contra Israel.) Sentimos as lágrimas dos feridos e dos enlutados. Sentimos também pelos palestinos, reféns do Hamas, um organização terrorista impiedosa.

Muitos países do mundo têm condenado Israel por cumprir o primeiro dever de qualquer governo: defender seus cidadãos de um ataque às suas vidas e proteger suas fronteiras. Qual é a alternativa numa situação na qual o Hamas estava estocando mísseis em escolas, colocando lançadores de foguetes ao lado de hospitais e mesquitas, usando ambulâncias para transportar terroristas, colocando entradas de túneis sob prédios de apartamentos, e usando uma população civil inteira como escudos humanos?

Como o Coronel Richard Kemp, ex-comandante das tropas britânicas no Afeganistão, escreveu no The London Times em 25 de julho, Israel usa “os meios mais sofisticados e abrangentes para evitar mortes de civis jamais empregados por quaisquer exércitos no mundo.” E como disse o filósofo político de Princeton, Michael Walzer, é “um princípio básico da teoria de guerra que a autodefesa de um povo ou país não pode ser tornado moralmente impossível.”

A onda de protestos em todo o mundo não foi meramente contra Israel. Foi, segundo os ministros do exterior da França, Alemanha e Itália, também contra os judeus. Alguém pensou que 120 anos após o Julgamento Dreyfus e setenta anos após o Holocausto o grito de “morte aos judeus” seria novamente ouvido nas ruas da França e da Alemanha? Mas isso aconteceu. O novo antissemitismo não é o velho antissemitismo, mas nos diz que o mais antigo vírus de ódio do mundo teve novamente uma mutação. As lágrimas de Tisha b’Av ainda não terminaram.

O que a Torá nos diz primeiro é como a humanidade errou. Eles fizeram isso de duas maneiras. Criaram liberdade sem ordem. Ou criaram ordem sem liberdade. Essa ainda é a tragédia humana.

Porém, minha preocupação aqui não é com as questões políticas, morais e legais daquilo que constitui uma guerra justa, mas sim com a intensa questão espiritual que surge para nós nessa época do ano no contexto da história judaica como um todo. Por que tanto sofrimento durante tanto tempo? Não vivemos tempo suficiente no vale das lágrimas? “O Juiz de toda a terra não deveria fazer justiça?”

Não somos profetas nem filhos de profetas, mas às vezes devemos fazer uma pausa e perguntar a nós mesmos: Qual é o significado dessa hora? O que isso nos diz sobre o destino judaico? Pode ser que não haja uma única resposta. O antissemitismo e o antissionismo são fenômenos complexos. Mas essa é a minha resposta após anos de questionamento.

No princípio dos tempos D'us criou o universo numa explosão de energia que deu nascimento a estrelas, depois aos planetas, então à vida. Dentre os milhões de formas de vida que emergiram estava um diferente de todos os outros: o Homo sapiens, a única forma de vida que conhecemos capaz de fazer a pergunta; “Por quê”?

Sobre este ser, D'us concedeu a maior prova de Seu amor, colocando Sua imagem e semelhança sobre cada ser humano independentemente de cor, cultura, credo ou classe. Ele convidou a humanidade para se tornar Seus “parceiros na obra da criação”, chamando-nos para criar aquilo que Ele tinha criado: liberdade e ordem, a ordem da natureza e a liberdade que permite aos seres humanos, sozinhos no universo, escolher entre o bem e o mal, entre cura e ofensa.

Quero que vocês mostrem ao mundo como criar liberdade sem anarquia e ordem sem tirania.

O que a Torá nos diz primeiro é como a humanidade errou. Eles fizeram isso de duas maneiras. Criaram liberdade sem ordem. Ou  criaram ordem sem liberdade. Essa ainda é a tragédia humana.

Liberdade sem ordem era o mundo antes do Dilúvio, um estado de anarquia e caos que Thomas Hobbes famosamente descreve como “a guerra de todo homem contra todo homem,” na qual a vida é “nojentamente brutal e breve.” Este é o mundo hoje na Síria, Iraque, Nigéria, Somália, Mali, República Central Africana e outras zonas de conflito, um mundo de estados e sociedades falhos corroídos pela falta de leis. Isso é liberdade sem ordem, aquilo que a Torá chama de “um munno repleto de violência” (Gênesis 6:13) que fez D'us arrepender-Se por ter feito o homem sobre a terra, e magoou Seu coração” (6:6).

Mas a alternativa foi um mundo de ordem sem liberdade, exemplificado na Torá pela Torre de Babel e o Egito dos faraós, civilizações que conseguiram ter grandeza ao custo de transformar a massa da humanidade em escravos. Aquilo também é uma afronta à dignidade humana, porque cada um de nós, não apenas alguns entre nós, somos à imagem de D'us.

Tendo visto esses dois tipos de fracasso, D'us chamou um homem, Avraham, e uma mulher, Sara, e disse: “Quero que vocês sejam diferentes. Quero que vocês e aqueles que os seguirem criem, de um povo minúsculo numa terra minúscula, uma nação que mostrará ao mundo o que sustém tanto ordem quanto liberdade; o que é construir uma sociedade sobre o triplo imperativo de amor, amor a D'us ‘com todo o seu coração, toda sua alma e toda sua força,’ amor ao próximo ‘como a si mesmo’ e amor ao estranho, uma ordem reiterada na Torá, segundo os sábios, por 36 vezes.

Quero que vocês se tornem o povo que cumpre as leis de tsedek e mishpat (justiça e lei), chessed e rachamim (graça e misericórdia), não por causa do poder coercitivo do Estado, mas porque vocês ensinaram seus filhos a ouvir a voz de D'us dentro do coração humano. Quero que vocês mostrem ao mundo como criar liberdade sem anarquia e ordem sem tirania. Essa tem sido a missão judaica pela maior parte de 4.000 anos.

O resultado foi que os judeus se viram, novamente, na linha de frente da defesa da humanidade. Onde há liberdade sem ordem - anarquia - cada um é uma vítima em potencial. Os judeus não desempenharam nenhuma parte especial nessa história. Mas onde há ordem sem liberdade - imperialismo em todos os seus disfarces - os judeus com frequência têm sido os alvos principais porque são o povo que mais que qualquer outro tem recusado consistentemente a se curvar a tiranos.

É por isso que foram atacados pelos tiranos do mundo antigo, Egito, Assíria e Babilônia; da antiguidade clássica, Grécia e Roma; dos impérios teocráticos cristão e muçulmano da Idade Media; e as duas grandes tiranias do mundo moderno, nazismo alemão e stalinismo russo. A face da tirania hoje é o radical político Islã na forma do EI, Al Qaeda, ISIS, Boko Haram, Jihad Islâmica, Hizb at’Takrir, Hezbollah e Hamas que estão criando caos e destruição em todo o Oriente Médio, na África sub-saariana e em partes da Ásia. Eles constituem um perigo real e presente às democracias liberais também da Europa. E apesar do fato de Israel ser um elemento quase micorscópico nesse distúrbio global, está outra vez na linha de frente.

Por quê?

Porque os judeus no decorrer da história têm reconhecido a tirania por aquilo que ela é, e se recusado a ser intimidado pelo poder, ameaça, terror e medo. De alguma forma, na região mais perigosa do mundo, Israel tem criado uma sociedade de liberdade e ordem; imprensa livre, eleições livres e um judiciário independente por um lado, e constante inovacão nas artes e ciências, agricultura, medicina e tecnologia no outro.
Israel não é perfeito. Acreditamos - a Bíblia Hebraica é a literatura nacional mais autocrítica em toda a história - que ninguém é perfeito, que “Não há ninguém na terra que seja tão justo que faça somente o que é certo e nunca peque” (Eclesíastes 7:20). Mas o Israel de hoje tem feito aquilo que os judeus foram encarregados de fazer desde os dias de Avraham e Moshê, criar liberdade sem anarquia e ordem sem tirania. E se isso coloca Israel na linha de frente mais uma vez, não há causa mais nobre na qual estar.

As palavras de Moshê soam hoje com tanta força como fizeram há trinta e três séculos: “Escolha a vida e seus filhos viverão.” Se o Hamas fizesse isso, os palestinos de Gaza teriam paz. Vidas inocentes não seriam perdidas. As crianças palestinas teriam um futuro. Como Israel fez essa escolha, criou uma sociedade de ordem e liberdade enquanto à sua volta ardem os fogos do caos e do terror. E da cultura e educação ao ódio.

Portanto embora novamente derramemos lágrimas nesse Tisha B’Av, vamos pelo menos agradecer a D'us pela coragem e grandeza do povo de Israel. Pois, sabendo o que sabemos de história, certamente preferimos ter o estado de Israel e a condenação do mundo que, D'us não o permita, do que nenhum Estado de Israel e a simpatia do mundo.

E como lemos na última linha de Eichá, estejamos conscientes do que aquelas palavras vieram a significar em nosso tempo: Hashiveinu HaShem eilecha v’nashuva chadesh yameinu kekedem: “Tu nos trouxeste de volta, ó D'us, e retornamos. Ajuda-nos a renovar nossos dias como antigamente,” em paz, brevemente em nossos dias, Amém.