Cara Judith,

Obrigada pelo seu perspicaz e-mail. Suas declarações são bastante pertinentes. Num nível pessoal, meu coração está com você e respeito sua força em enfrentar seus desafios com tamanha dignidade. Recomendo que você canalize suas experiências no livro de sua autoria, que pode e deve ser de grande ajuda para muitos outros que enfrentam o desafio de um filho bipolar.

Concordo com tudo que escreveu e estou contente por você ter valorizado meus comentários. Em benefício de outros, temos sua permissão para postar seus pensamentos (com ou sem seu nome, como achar melhor)? Eu deveria ter dito isso, mas meu artigo não estava se referindo a traços de personalidade que estão fora do nosso controle - como a cor dos nossos olhos, ou desequilíbrios químicos. Obviamente, cada um de nós tem genes inerentes, características ou outras forças que estão além do nosso controle. Porém, a premissa do seu artigo é aplicável a todas as pessoas e todas as situações: se somos meros seres humanos mortais então a mudança fundamental é tão impossível quanto um tigre mudar suaslistras; porém, sendo entidades Divinas isso nos permite possibilidades ilimitadas.

Essas possibilidades incluem mudar ou transcender algumas das nossas faculdades “naturais” ou “inerentes”. Mas também incluem a capacidade de criar algo novo e inesperado, e realmente “mudar” até as áreas que não parecem possíveis de mudar diretamente, pelo menos no sentido técnico.

Até mesmo uma criança ou adulto bipolar é um ser Divino com forças e desafios únicos. Podemos jamais entender os misteriosos caminhos de D'us, mas sabemos que essa criança é especial e tem um papel indispensável a desempenhar na coreografia Divina. A criança - e os adultos que a cercam - podem não ter controle sobre seus altos e baixos, mas temos controle sobre nossa atitude sobre como reagir ou tratar a criança. Com frequência adultos, em seu próprio desconforto, insegurança ou ignorância, são constrangidos ou julgam uma criança especial e erradamente esperam um controle de comportamento, o que magoa a criança e a comunidade (como você corretamente declara). Basicamente, muitas pessoas projetam as próprias distorções sobre crianças mentalmente desafiadas.

A abordagem da Torá é que sempre temos controle e escolha para tratar a criança com a dignidade que ela merece e permitir que brilhe com a verdadeira beleza Divina. Uma criança que é desafiada numa área específica é abençoada com outras forças poderosas - que não são dadas àquelas sem esses desafios. Mas temos de aprender a olhar e apreciar essas forças, e não impor nossas opiniões sobre aquilo que torna alguém especial. E quando mudamos nossa atitude e “pensamos diferente”, na verdade mudamos a realidade natural: mudamos nossa própria personalidade - e até a personalidade da criança - para melhor.

Coisas maravilhosas podem ser conseguidas de uma criança tratada com verdadeira dignidade. Acabo de saber sobre uma mãe que ignorou todos os conselhos pessimistas de médicos e profissionais, e engajou seu filho autista com persistência, conseguindo e jamais desistindo, mesmo quando era zombada pelos assim chamados especialistas. Seu filho hoje, adulto, ainda enfrenta desafios, mas aquilo que ela fez por ele é considerado milagroso aos olhos dos médicos. Sua sensibilidade e amor deram ao filho uma dimensão que ninguém imaginou ser possível.

O Talmud chama uma pessoa cega de “sagi nohor” [aquele que tem] “luz abundante” (sic). Ostensivamente isso demonstra extremo respeito e sensibilidade: em vez de usar uma palavra negativa (cego) que sugere a incapacidade de ver qualquer luz, dizemos que é alguém com “luz abundante”.

Mas esta expressão não é um tanto insultante? É como chamar uma pessoa que manca de “corredor”. Explicam nossos sábios místicos em filosofia chassídica que “sagi nohor” é na verdade uma descrição acurada de cegueira. A visão adequada é dependente do equilíbrio correto entre luz e sombra. Partes do olho atuam como um filtro que permite uma imagem somente com a quantidade certa de luz sem cegar o “sagi nohor”, permitindo que entre luz demais no olho sem véus para velar e sombrear a luz cegante.

Vamos um pouco mais além: o cego tem mais poder e luz que aquele que enxerga. Já conheci algumas pessoas com “problemas de visão” que parecem enxergar mais do que a maioria de nós com os olhos abertos.

Jamais esquecerei as palavras comoventes do Rebe há quase trinta anos, quando ele falou para um grupo de veteranos de guerra israelenses que haviam sido feridos, muitos deles em cadeiras de rodas. Em resumo ele disse que objeta o termo “incapacidade”.

“Se uma pessoa foi privada de um membro ou de uma faculdade, isso indica que D'us deu a ela poderes especiais para superar as limitações que isso acarreta, e para superar as realizações das pessoas comuns.”

“Vocês não são ‘aleijados’ ou ‘incapacitados’, disse o Rebe a eles naquela quinta-feira de agosto em 1976, “mas especiais e únicos, pois possuem potenciais queo restante de nós não tem.”

“Portanto sugiro,” continuou ele com um sorriso - “claro que não é da minha conta, mas os judeus são famosos por dar opiniões sobre assuntos que não são relativos a eles - que vocês não deveriam mais ser chamados nechei Yisrael (‘os incapacitados de Israel’, conforme designado pelas FDI, mas metzuyanei Yisrael (‘os especiais de Israel’).

Crianças especiais não é apenas um eufemismo. Expressa o verdadeiro poder dessas crianças (ou adultos): Não são pessoas incapazes; são especiais - abençoadas com forças extraordinárias que outros simplesmente não têm. Temos o poder de liberar seu enorme potencial somente quando começamos a olhar para eles e para a vida em geral com “novos” olhos. Não informados pelas armadilhas e miopia das experiências subjetivas humanas, estáticas e mortais, mas pela perspectiva da dinâmica Divina, viva e sempre renovadora.

Portanto sempre temos uma escolha: olharmos para a vida com nossas ferramentas sensoriais ou com faculdades mais profundas. Se medirmos a experiência apenas num nível sensorial, então beleza, qualidade e outras virtudes são definidas pelos limites dos sentidos humanos - a beleza é apenas aquilo que parece, soa, tem sabor, cheiro ou se sente bela. E quanto às dimensões que jamais podem ser vistas ou ouvidas, cheiradas, provadas ou tocadas com nossas faculdades tangíveis?

Temos portanto uma outra maneira de sentir a vida: com ferramentas Divinas. Então podemos ver e ouvir dimensões novas e frescas, não definidas por parâmetros convencionais.

Música, poesia, amor - e acima de tudo, a busca pelo Divino - são apenas algumas poucas experiências transcendentais que expressam as infinitas fontes do espiritual.

Mais uma vez agradeço a você por partilhar suas lindas palavras. Bênçãos e os melhores votos!