Elie Wiesel que faleceu sábado passado, deixa-nos uma lição de tolerância, solidariedade, justiça e paz, fundadas na sua profunda sapiência, haurida no colégio talmúdico que frequentou na infância e na filosofia que adquiriu durante sua juventude na Sorbonne.
Acima de tudo sua visão do mundo se fundou nos horrores que presenciou em Auschwitz e na esperança que nutriu depois da libertação por um mundo melhor.
Mas Wiesel não se limitou a sonhos e ideais. Foi homem de ação. Onde havia sofrimento humano, para lá se dirigia o laureado Premio Nobel da Paz a fim de hipotecar solidariedade aos perseguidos e sofridos e colaborar para uma solução salvadora das vítimas das ditaduras e das guerras.
Este desiderato levou-o ao Vietnam para solidarizar-se com o povo traumatizado pela guerra, à Africa do Sul onde ficou horrorizado com o apartheid (“senti vergonha de ser branco”). Visita Bangladesh, vai à Nicaragua, onde se aproxima dos índios Miskito e testemunha sua tortura pelos sandinistas. E sempre presta seu depoimento perante o mundo. Vai à Russia e escreve um livro sobre a discriminação stalinista contra a comunidade judaica.
Viaja para Cambodia juntamente com um grupo de intelectuais americanos e franceses, levando vinte caminhões de mantimentos e suprimentos médicos para os famintos cambojanos, mas o acesso lhes é vedado. A delegação se comunica com os prisioneiros da ditadura de Pol Pot por meio de alto falantes. E Wiesel assim lhes fala:
“Pior que a fome, o medo, a tortura, mesmo a humilhação é o sentimento de ter sido abandonado, o sentimento de que ninguém se incomoda, o sentimento de que voce não conta. Aqui vim porque ninguém veio quando eu estava lá.”
Wiesel vai à Argentina e senta na praça de Mayo com as mães dos desparecidos; levanta sua voz pelos prisioneiros torturados pelo regime de Pinochet.
Mais recentemente vamos encontrá-lo na Bosnia, visitando Sarajevo sitiada e bombardeada. Jornalistas do mundo todo seguem-no por toda parte nesta viagem; sua foto - protegido por capacete - aparece em jornais do mundo todo. Visita os campos de concentração, fala com os prisioneiros e parlamenta com os lideres de ambos os lados, implorando-lhes para que deem um fim à guerra. As autoridades lhe fazem promessas de cessar fogo, de deixar passar provisões.
Em maio de 1999 vem ao Brasil para receber o titulo de doutor honoris causae que lhe foi outorgado pelo Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e frente a uma grande audiência de professores e alunos proclama:
“Estamos às vésperas de um novo século, de um novo milênio. Prometo-vos que nesta nova fase da história da humanidade não mais se falará das diversas raças – só haverá uma raça – a raça humana.”
Dentre os mais de 50 livros que escreveu, destaco “The Fifth Son”, o romance de um jovem judeu nascido em Nova York depois da guerra, que descobre como um comandante da SS torturou seu irmão até a morte, na frente dos pais e de toda a comunidade judaica da localidade, causando a lenta agonia da mãe que acabou internada como demente e a depressão do pai com quem mal conseguia trocar uma palavra. Quando o filho descobre o que levou os pais ao permanente sofrimento, resolve descobrir o paradeiro do carrasco nazista e, uma vez localizado na direção de uma grande companhia alemã, viaja para lá a fim de vingar a morte do irmão que jamais conhecera e o sofrimento incurável dos pais.
Finalmente está sentado diante do criminoso de guerra, que destruiu a vida de sua família. Em seu paletó o jovem carrega um revolver preparado para o ato de vingança .... Mas a vingança não se materializa.
Wiesel, durante os 71 anos entre a libertação do campo de concentração até semana passada, quando devolveu sua alma, escreveu veementemente contra a vingança, sempre a favor da Justiça.
Nós, que não sofremos os horrores dos campos de concentração, não temos autoridade para divergir nem para concordar com esta alma angelical, este espírito superior. Curvamo-nos diante de sua memória e nos despedimos de Elie Wiesel, cujas lições devemos transmitir às gerações que nos seguem, colocando-o no panteão das figuras excelsas da História da Humanidade.
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