Adaptado de Licutê Sichot, vol. XVIII,
Parashá Behaalotechá;
Sichot de Motsaê Shabat Parashá Emor, 5738.

Outra oportunidade garantida

Pêssach Sheni (“o segundo Pêssach) é celebrado a 14 de Iyar, um mês após a véspera de Pêssach. A Torá1 relata que no primeiro ano após o Êxodo, quando o povo judeu estava se preparando para levar o sacrifício de Pêssach:

Havia [alguns] homens que estavam impuros [eles tinham entrado em contato com] um cadáver humano e não poderiam levar a oferenda naquele dia. Eles foram perante Moshê… e disseram: “Estamos impuros… [mas] por que deveríamos ser impedidos de levar a oferenda a D’us no devido tempo?”

E Moshê disse a eles: “Fiquem de pé e escutem o que D’us ordenou sobre vocês:” D’us disse… “Se qualquer homem está impuro… ou num local distante [no dia da oferenda de Pêssach]…, ele deve sacrificar a oferenda de Pêssach a D’us no segundo mês, no décimo quarto dia ao anoitecer…”

Quem não levou uma oferenda de Pêssach, seja por causa da impureza ou até porque transgrediu voluntariamente a vontade de D’us, recebia assim a oportunidade de compensar por sua falta, levando uma oferenda em Pêssach Sheni.2

Nunca é Tarde Demais!

O Rebe Anterior explicou que que3 Pêssach Sheni nos ensina que “Nada jamais está perdido: nunca é tarde demais!” Nossa conduta sempre pode ser retificada. “Até alguém que está impuro, que estava distante e até desejava estar, ainda pode corrigir-se.” Não há motivo para o desespero. Todo indivíduo, não importa qual seja sua situação, sempre tem o potencial de dar um salto para a frente (tradução literal da palavra hebraica Pêssach) em seu serviço a D’us.

Dada a importância de Pêssach Sheni, alguém poderia perguntar: Por que foi instituído um mês inteiro depois de Pêssach, no mês de Iyar? Não teria sido melhor expiar nossas deficiências na primeira oportunidade, em Nissan?

Podemos responder esta pergunta comparando as características espirituais de Nissan e Iyar. Nissan é o mês da revelação, durante o qual D’us revelou Sua grandeza e redimiu o povo judeu apesar de suas falhas. Iyar, em contraste, é o mês do esforço individual, uma qualidade que é exemplificada pela mitsvá de Sefirat HaOmer.4O tema de Iyar, o auto-refinamento iniciado pelo próprio indivíduo, é manter a natureza de Pêssach Sheni, a festa na qual um indivíduo que não foi motivado por Pêssach recebe uma oportunidade adicional de se elevar.

Pêssach e Chamets Juntos

Os diferentes estágios do serviço Divino representados por Pêssach Rishon (o primeiro Pêssach) e Pêssach Sheni5 estão refletidos em uma das diferenças haláchicas entre eles. Em Pêssach Rishon, todos os traços de chamets devem ser obliterados; em Pêssach Sheni, embora comamos matsá, pode-se estar na posse de chamets.

Em Pêssach Rishon, elevados pelas revelações Divinamente iniciadas do mês de Nissan, nos esforçamos para atingir novas alturas de liberdade espiritual indo além dos limites de nossas personalidades. Isso precisa deixar para trás nosso chamets, i.e., nosso egoísmo.

Então vem o mês de Iyar, com sua exigência para o trabalho de casa espiritual individual. Em Pêssach Sheni, da mesma forma, nos concentramos em retificar e aperfeiçoar nossos níveis atuais de conduta.6E como neste tipo de avodá temos de lidar com todos os componentes atuais de nossa natureza, a posse de chamets em Pêssach Sheni é permitida.

Desejo em Nosso Coração

À luz dessas afirmações, podemos explicar por que a mitsvá de Pêssach Sheni surgiu em resposta ao pedido sincero de indivíduos que estavam impuros. Um dos objetivos do Judaísmo é atrair santidade – para baixo, por assim dizer – ao mundo. Uma meta mais importante, porém, é elevar o mundo e os aspectos mundanos do homem, transformar todos os aspectos de nosso ser, e trazer à superfície a Divindade essencial dentro de nós.

A instituição de Pêssach Sheni foi requerida pelos sinceros desejos daqueles que, apesar de sua impureza, protestaram: “Por que devemos ser impedidos de levar a oferenda a D’us?”7 A mitsvá foi dada, não como um mandamento vindo do alto, mas como uma expressão da necessidade interior do homem de estabelecer um vínculo com D’us.

Esta necessidade existe em potencial em todo coração judaico. A súplica do homem por “mais uma chance” reflete o modo do Divino serviço chamado teshuvá (arrependimento, lit. retorno). Pois todos, até uma pessoa que está “num caminho distante” possui um potencial Divino que sempre procura se realizar.

Subindo Acima do Tempo

O conceito de teshuvá nos ajuda a entender outra diferença entre Pêssach Sheni e Pêssach Rishon. Este dura sete dias (oito na Diáspora), ao passo que Pêssach Sheni é celebrado por apenas um dia.8

Uma semana representa o ciclo que rege nosso mundo material. A experiência espiritual de Pêssach Rishon exige uma semana inteira porque abrange todo o estilo de crescimento que deve ocorrer dentro da estrutura de nossa existência mundana.

O serviço de teshuvá, no entanto, exige que cheguemos além da nossa limitada estrutura de referência e expressemos o ilimitado potencial da centelha Divina dentro de nós. Este potencial, que transcende as restrições do mundo natural, não pode ser confinado dentro das limitações do tempo. A celebração de Pêssach Sheni por um dia simboliza transcendência. Aqui, o número um não é o número menor; em vez disso, representa uma unidade que transcende todos os valores numéricos.

A qualidade de transcender o tempo da teshuvá é exemplificada pelas narrativas talmúdicas de Rabi Eliezer ben Durdaya. Embora ele tivesse levado uma vida leviana, quando se sentiu compelido a fazer teshuvá experimentou uma transformação interior tão intensa que sua alma saiu de seu corpo enquanto ele chorava de remorso.

Quando Rabi Yehudah HaNasi ouviu essa história, ele também chorou, exclamando: “Existem aqueles que adquirem [sua porção no] Mundo [Vindouro] após muitos anos [de serviço Divino], e há outros que conseguem [sua porção no] Mundo Vindouro em um instante.”

O pensamento chassídico explica que Rabi Yehudah HaNasi estava reagindo com uma forma positiva de inveja, pois ele percebeu que a teshuvá de Rabi Eliezer ben Durdaya superava suas próprias alturas espirituais.

Crescimento Contínuo

Embora Pêssach tenha sido originalmente instituído para aqueles que não tinham oferecido o sacrifício de Pêssach na hora apropriada, sua expressão espiritual em nosso serviço Divino é relevante a todos os judeus, até aqueles que celebraram Pêssach tão completamente quanto possível.9

O sacrifício de Pêssach foi criado para motivar toda pessoa a deixar seu Egito pessoal, a fazer uma partida radical do estado espiritual anterior e abordar um nível novo, mais elevado, de serviço Divino. A partida do Egito é um processo contínuo;10 devemos constantemente seguir em frente. Não importa quais alturas uma pessoa atingiu, não deve ficar contente com o nível conseguido e deve sempre procurar avançar ainda mais. Pois o potencial Divino dentro de nós é infinito.

Em Iyar, portanto, a oferenda levada em Pêssach Rishon se torna insuficiente. Como a passagem do tempo nos permitiu a oportunidade de atingir alturas mais elevadas em nosso serviço Divino, é necessário para nós levar outra oferenda em Pêssach Sheni.

A necessidade de constante esforço espiritual é ilustrada por referência às leis regulando a pureza ritual.11 Há sucessivos estados de pureza e impureza. Por exemplo, e em ordem ascendente, alguém que é considerado puro no que diz respeito a Chulin (comida não sacramental) pode ser considerado impuro no que tange às exigências mais severas de Maasser Sheni (O Segundo Dízimo, que deve ser comido em Jerusalém somente em estado de pureza). Como prova disso, alguém que é considerado puro em Maasse Sheni pode ainda estar impuro em terumá (a porção de cereal dada aos Cohanim). Similarmente, alguém que é puro em Terumá pode ainda estar impuro para o objetivo de dividir os sacrifícios oferecidos no Bet Hamicdash.

Estas categorias são imitadas no nosso serviço Divino. Embora um indivíduo possa ter sido “puro” em seu nível de serviço Divino em 14 de Nissan, seu progresso desde então torna seu estado anterior insatisfatório. Relativo a seu presente nível de aquisição, seu estado anterior é “impuro”, e portanto está obrigado a levar uma segunda oferenda de Pêssach.

Vemos que um padrão de crescimento contínuo – “Eles continuarão de força em força” – está associado com “aparecer perante D’us em Tsion.12

Que o crescimento pessoal motivado por Pêssach Sheni nos prepare para o tempo em que o Bet Hamicdash será reconstruído e partilharemos as oferendas de Pêssach e as outras oferendas festivas.13 E que isso ocorra num futuro imediato.