Há alguns anos dei um curso introdutório sobre misticismo judaico (também conhecido como Chassidut ou Cabalá) a uma classe de sêniores do Ensino Médio.
Em um dos testes escritos pedi a eles para descreverem usando as próprias palavras a diferença entre várias entidades: entre corpo e alma; entre a força animal e a força Divina; entre as necessidades materiais e transcendentais; entre o secular e o sagrado; entre céu e terra; entre egoísmo e altruísmo.
Fiquei abalado pelo grande número de respostas que distinguiam entre todas essas categorias simplesmente com as palavras “mal” e “bem”. O corpo é mau e a alma é boa. O material é mau, e o transcendente é bom. Vinte em cada 30 perguntas foram respondidas com uma única palavra: “bom” ou “mau”.
Crianças pensam em termos de preto e branco; bom e mau; doce e azedo; claro e escuro. Mentes jovens e não desenvolvidas ainda não apreciam as nuances da vida; as áreas cinzentas; o ambíguo e o ambivalente.
Há pureza na inocência da simplicidade. E muitos adultos fariam bem em não perder esse encantamento. Porém, a vida também é complexa.
O pensamento ocidental é criticado frequentemente por ser linear, especialmente quando relacionado com o pensamento oriental. O linear define uma maneira muito estruturada e organizada de olhar as coisas. Causa e efeito incessantes estão na base dos fenômenos. No pensamento ocidental é visto num estado amorfo; as coisas não têm definições claras. O pensamento linear, lógico, é limitado, e o paradoxo é a reflexão mais próxima sobre a verdadeira natureza da existência.
Na verdade, para apreciar realmente a vida em sua totalidade precisamos abraçar ambas as dimensões em um todo integrado.
Na moderna Física, por exemplo, sabemos agora que no nível macroscópico (o mundo que percebemos e experimentamos com nossos cinco sentidos) grande ordem e desenho impulsiona a máquina do universo. A Física de Newton – definindo os fenômenos em termos do efeito “bola de bilhar” – permanece com a maneira dominante de olhar para o mundo. Porém, num nível microscópico, tem sido claramente demonstrado que a realidade funciona bastante num “estado de probabilidade” amorfo. No mundo interior as coisas não são bem definidas na mesma maneira que é estruturada do mundo exterior.
Na verdade, no pensamento cabalístico há a distinção cósmica entre “círculos” (igulim) e “linhas” (yosher). Uma linha é formada por pontos definidos, estruturados numa ordem clara de mais alto e mais baixo. Em contraste um círculo é um fluxo contínuo, sem topo ou base. Tudo na existência é formado com linhas e círculos: o mundo exterior é impulsionado por ordem e organização – a estrutura linear, que evolui numa sequência ordenada. Porém, abaixo da superfície, na “sala de máquinas” do universo, a força propulsora é a energia “circular”.
Na Cabalá existe até uma metáfora do “quadrado dentro do círculo” e do “círculo dentro do quadrado”, porque o linear e o circular da existência estão interligados em um todo sem fim.
Assim, vivemos num mundo que é tanto ordenado quanto paradoxal.
Quando crianças podemos perceber a vida em termos de preto e branco. Quando amadurecemos aprendemos que a vida é muito mais repleta de nuances e complexa.
Quando é feita a pergunta: “Como é a sua vida?” uma criança geralmente responde “boa” ou “ruim” baseada em suas emoções do momento. Um adulto (não apenas no sentido cronológico) responderia: “Algumas coisas são ótimas; outras nem tanto; algumas mais ou menos; e o restante está no meio, e pode ir para qualquer um dos lados.” Em outras palavras, a vida é complexa. Não existe isso de bem sem mal, e vice-versa.
O desafio é apreciar o fluxo e equilibrar-se nas ondas.
A Festa de Pêssach celebra o paradoxo da vida – a estrutura e o não-estruturado; o definido e o indefinido. Não lembramos apenas o êxodo mas também o exílio. Não recriamos apenas o júbilo, mas também o sofrimento. Bebemos vinho, mas também comemos ervas amargas. Respeitamos o processo – o processo inteiro – dos pontos mais baixos até os mais altos, e reconhecemos como ele se manifesta hoje em nossas vidas.
O Seder de Pêssach gira em torno das três matsot e dos quatro copos de vinho. Matsá é o “alimento do pobre”; o vinho é a bebida da realeza. Comer matsá simboliza a nossa humildade; o vinho demonstra nosso senso orgulhoso de liberdade.
Somos reis ou mendigos na noite de Pêssach?
A resposta é: os dois.
A verdadeira humildade leva a pessoa à verdadeira grandeza.
Esta é a suprema verdade da vida.
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