Experimentos neurológicos confirmaram a presença da alma – também conhecida como mente. É essa incrível infra-estrutura que nos dá propósito, significado, transcendência e conexão espiritual. É o software humano onde se originam as forças impulsoras da vida, e de onde vêm os impulsos para nosso pensamento, fala e ação.
Na obra clássica chassídica, o livro Tanya, Rabi Shneur Zalman de Liadi cita fontes cabalistas expressando a tradição judaica de que cada um de nós é operado por duas almas gerais. A primeira é a "alma animalesca" ou força da vida, que dirige o aspecto básico da pessoa, incluindo todas as funções corporais e desejos, variando do hedonismo, arrogância, ego, ira, preguiça, depressão até a bondade natural. A segunda é a alma pura e Divina da qual se originam todas as manifestações transcendentes, altruístas e espiritualmente motivadas.
A alma é ainda subdividida em cinco segmentos, cada qual servindo como fonte de poder para os vários aspectos e funções da pessoa:
Nefesh é a força básica de vida que vivifica a existência física. Está relacionada ao sangue.
Ruach é o sistema que opera nossas emoções.
Neshamá impulsiona nosso intelecto.
Chayá é o alicerce de nossas vontades e desejos.
Yechidá é a conexão com a essência de toda a vida e ser – D'us.
Geralmente as duas almas funcionam através do mecanismo do pensamento, fala e ação. Algumas ações humanas parecem auto- reguladoras, como batimento de coração, respiração e audição, ao passo que outras são especificamente dirigidas e causadas, como fala e caminhar. A cadeia de comando a uma ação dirigida se origina no desejo da pessoa, que ativa a vontade, que se manifesta na mente, que estimula a emoção, que faz nascer o pensamento, que então pode se transformar em palavras ou ações.
É da natureza do homem, declara Rabi Shneur Zalman, que a mente domine as emoções e todo o comportamento resultante. Consequentemente, quando queremos modificar nosso comportamento (pensamento, palavra e ação) podemos fazê-lo dirigindo-nos ao ato em si ou focalizando a origem primária da ação. Por exemplo, quando você sentir o despertar da raiva, pode cerrar os dentes ou enterrar a cabeça num travesseiro para abafar a potencial explosão; ou pode fazer contato com o software interior onde a raiva foi concebida e desligá-la na própria raiz.
Os benefícios da última atitude são óbvios e múltiplos, pois assim você evita contaminar pela ira os vários elos acima mencionados. Fisiologicamente, também, dessa maneira sua personalidade interior permanece livre dos ataques de fúria. No primeiro método, embora a raiva não se expresse externamente, irrompe internamente.
O Método da Torá
Como identificamos as chaves internas que operam a fonte de todas as ações, e temos o mecanismo para manipular e controlá-las?
Pode-se argumentar que embora a mente com certeza possa dominar a pessoa, a criação e o hábito têm o poder de neutralizar a independência da mente. A prova disso é a facilidade com que tomamos boas e sólidas resoluções e temos dificuldade em mantê-las. Padrões de comportamento, sejam intrínsecos ou adquiridos, podem ser descritos como vícios. Enquanto alguns vícios são motivados química ou psicologicamente, outros são resultado de regularidade e repetição.
Uma das razões postuladas sobre por que ter sucesso numa dieta é um desafio maior que a reabilitação das drogas ou o vício do álcool é o fato de que você pode eliminar drogas e álcool por completo da sua vida, mas não pode parar de comer. Em vez disso, você precisa modificar e transformar sua atitude para com o ato de comer. É preciso uma mudança no estilo de vida. Muitos estudos e muita experiência demonstram que seria fútil curar o vício das drogas ou do álcool modificando seu consumo. Na vida, a maioria dos traços ou ações que queremos ou precisamos mudar não podem ser completamente eliminados. Por exemplo, se você deseja parar de fofocar, deve mudar seu padrão de comunicação. Não vai parar totalmente de falar.
Portanto precisamos focalizar o comportamento que queremos modificar, conhecendo e ativando a fonte daquele comportamento específico. Vamos considerar que dois componentes do software humano, ou seja, a alma animalesca e a alma Divina, e analisar como elas afetam resultados extremamente diferentes no hardware, ou corpo.
A maneira de modificarmos nosso corpo é análoga a como podemos modificar nossa alma. Se desejamos desenvolver determinados músculos, repetimos um exercício específico com frequência. Se queremos reduzir parte da nossa anatomia, repetimos diferentes exercícios específicos regularmente. Assim, também, nossos sistemas internos de operação (almas) reagem a diferentes estímulos para atingirem diferentes resultados.
Cada qual das nossas duas almas procura controlar as funções do corpo segundo sua própria agenda. A alma animalesca, buscando expressar seu animalismo bruto, se torna mais ousada e dominante pelo próprio comportamento que ativa. A alma Divina, da mesma maneira se torna mais forte e mais dominante quando o comportamento que motiva é realizado.
A partir do momento em que nascemos, a alma animalesca está mais próxima da nossa consciência e sensações – comer, dormir, apreciar, brincar. O exercício que a nutre e faz crescer deriva dos aspectos instintivos naturais da existência. Assim, quando o animal humano deseja algo, ele emprega todas as suas faculdades, incluindo intelecto e emoção, para realizar o desejo. (Embora a mente seja o domínio da alma Divina, pode ser superada por um instinto animal mais poderoso e usada para sua realização hedonista. É este nível de intelecto que o Chassidismo chama de intelecto imaturo que pode ser manipulado.)
Quando a alma Divina domina uma pessoa, seu padrão de comportamento age em pureza para bons propósitos. Ações espirituais habituam a pessoa a comportar-se numa maneira Divinamente orientada.A alma Divina em sua sagrada distinção também evoca comportamento que quando é realizado fortalece sua influência sobre a personalidade. Seus exercícios são os atos espirituais das diretrizes Divinas – as mitsvot, ou mandamentos da Torá. O cumprimento das mitsvot utiliza a alma animalesca para realizar sua função necessária, mas subordina sua vontade à alma Divina.
Quando a alma Divina domina uma pessoa, seu padrão de comportamento age em pureza para bons propósitos. Ações espirituais habituam a pessoa a comportar-se numa maneira Divinamente orientada.
Desde a revelação no Monte Sinai, D'us tem nos ordenado a nos comportar numa maneira que reverte a cadeia interna natural de comando. Nas gerações anteriores ao Sinai, nosso patriarca Avraham começou seu processo de crescimento espiritual da maneira natural, começando com seu intelecto.
Maimônides declara que Avraham começou a se perguntar sobre o universo – contemplando-o por mais de 50 anos – e concluiu que deveria haver um Criador. Ele então promulgou suas descobertas e conclusões ensinando e propagando a Divindade ao mundo. Somente aos 99 anos de idade a Divina ordem de uma ação foi transmitida a ele, quando foi orientado a circuncidar-se.
Ação (mitsvot) - Fala (emoção) - Pensamento (intelecto)
O sistema de modificação de comportamento da Torá reverte a hierarquia natural da cadeia de comando dentro da personalidade humana. A aparentemente natural cadeia de comando no comportamento humano é revertida no sistema orientado pela Torá de como viver. Em vez de pensamento (intelecto) levando à fala (emoção) que dá a partida na ação, a Torá exige ação (mitsvot) primeiro, que então abre as portas para a fala (emoção) e pensamento (intelecto). Isso é mais basicamente demonstrado pelo compromisso do povo judeu no Sinai, de fazer antes de entender.
No ciclo de vida judaico, começamos com a ação. Aos oito dias de idade um menino deve ser circuncidado. Então desde o instante em que a criança aprende a dizer "Papai" ou "Mamãe", começa a aprender as palavras da Torá. Somente numa idade mais madura a criança decifra a verdadeira compreensão e sentimento dessas palavras. A continuidade significativa do povo judeu como uma nação única é a prova do sucesso desse método. O ato de cumprir os mandamentos é o elemento crítico que toca e afeta nosso ser interior, que por sua vez afeta o comportamento.
Aplicação do Método de Modificação de Comportamento da Torá a Prisioneiros e Suas Famílias
Empregamos o método de modificação de comportamento da Torá com prisioneiros e obtivemos resultados extraordinariamente bem-sucedidos. Embora o sucesso de nosso experimento seja validado por registro informal, e não por estudos estatisticamente controlados, os resultados falam por si mesmos.
Por mais de dezoito anos o Instituto Aleph de Miami tem trabalhado com mais de dez mil prisioneiros judeus nas prisões americanas.
As dificuldades da vida na prisão – desde desajustes familiares até vergonha e outros problemas – criam uma condição que a Lei Judaica em alguns casos considera pior que a morte.
Cientistas sociais e psicólogos têm se esforçado para encontrar maneiras de levar algum propósito e significado ao tempo de prisão. Altas taxas de reincidência apontam para as falhas dos programas que tentam tornar a experiência atrás das grades algo que traga resultados positivos.
Embora algum esforço e pesquisa tenham sido iniciados para entender os prisioneiros, a família dos internos não foi contactada. Esta área é igualmente importante.
Em vez de pensamento (intelecto) levando à fala (emoção) que dá a partida na ação, a Torá exige ação (mitsvot) primeiro, que então abre as portas para a fala (emoção) e pensamento (intelecto).Reconhecendo o ambiente não-natural da prisão e as trágicas e bizarras realidades enfrentadas pelas famílias dos prisioneiros, o Rebe insistiu na introdução do estudo de Torá, prece e cumprimento de mitsvot para os prisioneiros e suas famílias, Respondendo ao pedido, o Instituto Aleph organizou rabinos e voluntários treinados utilizando equipamento audiovisual, livros e artigos sobre mitsvot (como filactérios e talit, xales para prece) para levar o estilo de vida da Torá aos prisioneiros. Mais de dez mil homens e mulheres e suas famílias têm sido expostos ao estudo de Torá, observância de mitsvot e prece com vários níveis de intensidade.
O resultado, como se vê em milhares de cartas, relatos pessoais e reações profissionais dos especialistas em criminologia foi nada menos que fenomenal. Temos registros de indivíduos que entraram na prisão totalmente abatidos e que encontraram novo significado e propósito diretamente proporcional ao seu envolvimento espiritual.
Estes resultados positivos afetaram a vida tanto dos prisioneiros como de suas famílias, não apenas durante sua estada atrás das grades, mas também depois que regressaram a um ambiente normal. A narrativa pessoal a seguir feita por um ex-prisioneiro ajudado pelo Instituto Aleph mostra a força desta abordagem:
“Quando fui preso, condenado e depois encarcerado, senti-me confuso. Eu não sabia bem como ou por que minha vida tinha seguido este rumo – o que eu estava fazendo na prisão? O que tinha acontecido, o que estava acontecendo para mim? E quanto ao resto da minha vida – eu ainda teria uma vida?
O Capelão disse-me que havia serviços na sexta-feira à noite para os internos judeus, e na minha primeira noite de sexta-feira na prisão, eu fui. O Rabino deu-me uma aliyá, e conheci outros presos judeus. Alguns de nós terminamos formando um grupo, comíamos juntos e discutíamos os materiais de leitura que o Insituto Aleph nos entregava – jamais perguntamos uns aos outros por que estávamos ali, ou como tinham sido as nossas vidas antes. Logo, minha vida na prisão, minha vida interior, se revolviam ao redor do Judaísmo.
Comecei a estudar Torá e a rezar diariamente, depois duas vezes ao dia. Comecei a refletir sobre minhas circunstâncias à luz das porções da Torá. Comecei a aceitar minhas responsabilidades. Comecei a encontrar significado nas minhas circunstâncias. Percebi que eu tinha uma vida, e que teria uma vida quando minha sentença fosse completada. Cabia a mim comportar-me de uma maneira que tornasse meu encarceramento algo significativo – uma chance para redirecionar minha vida para aquelas coisas que eram realmente importantes.
Reconhecendo o ambiente não-natural da prisão e as trágicas e bizarras realidades enfrentadas pelas famílias dos prisioneiros, o Rebe insistiu na introdução do estudo de Torá, prece e cumprimento de mitsvot para os prisioneiros e suas famílias.Já estou fora da prisão há dois anos. Rezo, coloco tefilin e estudo Torá diariamente, Tenho uma sólida vida familiar, e um comércio que progride. Minha última impressão duradoura de meu tempo na prisão é que, de alguma forma, enquanto vivia o tempo mais degradante e vergonhoso da minha vida, emergi com uma sensação de renascimento e renovação. Olho para trás, para o tempo que passei na prisão, e vejo um senso de significado. Inocente ou culpado, trilhei caminhos errados em minha vida. Estou grato por ter tido a oportunidade de voltar a ser o que eu era, o que deveria ser. Os materiais enviados para mim na prisão por Aleph, o Chumash e comentários da Torá, os tefilin e livros de preces que recebi por meio do capelão da prisão mudaram minha vida.
Eu quis escrever esta carta para dizer que jamais me esquecerei que o Instituto Aleph ajudou-me durante a única época em minha vida adulta em que me senti indefeso. Vocês me fizeram sentir importante, ajudaram-me a restaurar meu senso de ser – ou talvez eu queira dizer que me ajudaram e restaurar meus valores, o que é realmente importante. Durante meu tempo de prisão eu ganhei um senso sobre aquilo que é a vida. Agora sou uma pessoa melhor. Se eu pudesse voltar no tempo, não desejaria desfazer isso – encontrei algo valioso, real, relevante.”
Juízes e funcionários da prisão elogiaram as conquistas do Instituto Aleph. Se esta abordagem pode ter um impacto positivo no caso extremo da prisão, certamente pode ser bem-sucedida em circunstâncias normais.
Ativar a alma Divina por meio do cumprimento das mitsvot e abrir as portas para sua expressão traz uma mudança positiva no comportamento humano.
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