Pergunta:
Tenho feito uma introspecção e percebi que eu tenho feito coisas erradas na minha vida e prejudicado outras pessoas. Como posso encarar a mim mesmo depois de ter feito isto? E é possível retificar o passado?

Resposta:
A essência da teshuvá, que literalmente significa "retorno" a D’us, é que nos foi dada a capacidade de realmente mudar o que ocorreu e retornar ao nosso estado natural, que é puro e conectado com o Divino. Toda vez que uma pessoa comete uma transgressão, é como se os fios de uma corda, que nos conecta acima estão sendo cortados. Quando "retornamos", estamos amarrando nós bem mais fortes a esta corda, nos reconectando com D’us.

No entanto, quando se trata de relações humanas e na transgressão de mandamentos que se aplicam a elas, primeiro você precisa regularizar a situação com a outra pessoa. Por exemplo, se você roubou alguma coisa, você precisa devolver o objeto roubado, ou se isso não for possível, precisará pagar o valor equivalente. Outro exemplo: caso você tenha constrangido alguém, você deve lhe pedir perdão. Assim que tiver consertado a situação ou o relacionamento entre você e a outra pessoa, você poderá começar o a reestruturar seu relacionamento com D’us.

Há um processo em três partes para fazer teshuvá:

  1. Confissão (vidui): onde nós verbalmente reconhecemos o erro cometido e tomamos consciência de que transgredimos a vontade Divina.
  2. Arrependimento (Charata): o ato de pedir perdão não deve ser apenas através de palavras, precisamos estar verdadeiramente arrependidos pelo que fizemos.
  3. Comprometimento para o futuro (kabbalah al ha'atid): onde nos comprometemos a não repetirmos o erro, e que verdadeiramente sentimos isto.1


Além disso, fazer caridade, em geral, ajuda a restaurar a conexão entre nós e nosso Criador, conforme consta no livro de Daniel (4:24), "Resgate seu pecado com caridade."2

Você não é mau!

Você precisa estar previnido para não cair em uma armadilha comum ao fazer teshuvá: a possibilidade de ficar deprimido. Quando refletimos sobre os erros que cometemos, podemos naturalmente nos sentirmos para baixo. O problema é que, ao ficarmos deprimidos sobre como estragamos as coisas, isto pode nos levar a relaxar e praticar outras falhas ao nos identificarmos como maus.

Rabi Shneur Zalman de Liadi, no livro Tanya, explica o que realmente se passa dentro de nós quando cometemos uma falha. Nós temos duas almas, ele diz: a "alma divina", que é literalmente uma parte de D’us acima, e procura elevar-se e reunir-se com D’us, e uma alma egoísta, "alma animal", que é naturalmente preguiçosa, que só busca o prazer e é repleta de desejos e ego.

Quando errar, não é realmente nós que estamos fazendo de errado, é apenas que naquele momento, a nossa "alma animal" teve a mão superior. Em essência, cada pessoa é boa. Quando reconhecemos isso, é mais fácil seguir em frente e fazer teshuvá.

E quanto ao futuro?

Então, como podemos ter certeza de que no futuro a alma divina terá vantagem se falharmos no passado?

Antes de mais nada, é fundamental reconhecer que, igual a um programa de exercícios, fortalecer a alma divina leva uma prática consistente e comprometimento. Comece devagar. Ande em pequenos passos. O principal é manter o dinamismo, continuar aprendendo e crescendo em sua prática. Quando você se sentir confortável, aumente o exercício, e desafie-se a fazer um pouco mais. Quanto maior o aprendizado e boas ações você fizer, mais fortalecido se sentirá para agir de acordo com as diretrizes de sua alma divina.

Lembre-se que judaísmo não é um programa tudo-ou-nada. Crescer no judaísmo, mesmo que ainda haja aspectos os quais você ainda não cumpre, não é hipócrita. Cada passo adicional, todas as orações e boas obras gera bênção e uma luz espiritual infinitas.

Assim, vamos à prática: como você criará este plano de exercícios?

Podemos olhar na Ética dos Pais, que descreve dois elementos necessários para o crescimento espiritual (1:6): “Escolha para si mesmo um professor, adquira para si mesmo um amigo"

1. Encontre um mentor pessoal espiritual (talvez um rabino ou Rebetsin) com quem possa se relacionar. Uma pessoa real que conhece bem você e a qual você pode confiar e pode ajudar a guiá-lo em seu progresso espiritual. O Talmud nos diz que "um prisioneiro não consegue se libertar de sua prisão."3 Um mentor espiritual nos fornece a ajuda externa necessária para nos erguer e sair fora da prisão imposta pela nossa alma animalesca.

2. Adquirir um amigo. É difícil permanecer sozinho. Um amigo que nos conhece bem pode ajudar a vermos a nós mesmos de forma objetiva e nos incentivar a usar nossas forças para superar nossas fraquezas e crescer em nossa espiritualidade.

O grande mérito

Nossa tradição nos diz que "no lugar onde um Baal Teshuvá (alguém que retornou ao caminho) está, até mesmo um tsadic, alguém completamente justo, não pode estar."4 Uma pessoa que voltou após ter estado distante é mais elevada do que uma pessoa justa que permaneceu sempre conectada, pois na viagem de volta ao seu verdadeiro íntimo, o repatriado realizou um auto-sacrifício o qual,uma pessoa justa, jamais foi desafiado e não consegue alcançar. Para voltar à nossa analogia anterior, os nós grossos que damos após a corda ter sido rompida, na verdade são as partes mais fortes da corda.